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145 Iniciamos este trabalho a partir de duas hipóteses. A primeira era a de que um número significativo de alunos do ensino fundamental não consegue desenvolver as habilidades de leitura crítica e proficiente devido à utilização de metodologias baseadas numa concepção de linguagem e leitura que considera o aluno um sujeito passivo. Na leitura assim caracterizada, o leitor não dialoga com o autor do texto para conferir sentido àquilo que lê, limitando-se apenas à decodificação do que está explicitamente colocado no texto. A segunda hipótese era a de que se o professor de língua portuguesa compreende a natureza da linguagem e conhece as melhores formas de ensiná-la, haverá maiores possibilidades de um ensino construtivo de leitura, que favoreça a construção do sentido dos textos e a formação de leitores proficientes.

Por essa razão, selecionamos duas escolas do ensino fundamental de Pernambuco, entre aquelas cujos alunos conseguiram obter melhores níveis de desempenho em leitura, na perspectiva de compreender o que há de novo nessas escolas que as faz se destacar em comparação com as demais.

Com base nessas hipóteses, realizamos nosso processo de investigação, no sentido de verificar a abordagem didática da leitura no ensino de língua portuguesa nessas duas escolas, com os seguintes objetivos: identificar as concepções de linguagem e língua que fundamentam o ensino de leitura; analisar os procedimentos didáticos para o ensino de leitura; verificar se a ação do professor conduz à descoberta dos significados e sentidos dos textos.

Verificamos que as duas professoras, uma do 5º ano e outra da 8ª série, organizam o ensino em sequências didáticas para o estudo dos gêneros textuais. Para tanto, fundamentam-se em teorias interacionistas da linguagem, as quais concebem a língua como atividade de interação social e o texto como ação entre interlocutores que se organiza em gêneros textuais para atender a finalidades sociocomunicativas específicas. O diálogo se constituiu, assim, como base de todo o processo ensino-aprendizagem e a sala de aula se configurou como um espaço de interação, reflexão e argumentação, de modo a favorecer o exercício da escuta, da fala, da leitura e da escrita, bem como a formação dos alunos enquanto sujeitos do processo.

A leitura com base nessa concepção propicia que o professor aborde outros temas, sem menosprezar o ensino da norma socialmente privilegiada da língua. Segundo Bakhtin (1986), a língua assume, no contexto interacionista da linguagem, um papel essencial, já que ela “atua” como expressão das relações e lutas sociais, veiculando e sofrendo o efeito dessa luta, e servindo ao mesmo tempo de instrumento e de material. De instrumento,

146 pelo fato de que por meio dela nos expressamos, e de material, pelo fato de que o ato de se expressar sugere aos interlocutores uma reflexão.

Assim, reconhecemos que o trabalho com os diferentes gêneros textuais, em contraposição a um trabalho baseado em diferentes tipos de texto, definidos apenas por sua estrutura e forma, é mais satisfatório, tendo em vista o desenvolvimento das capacidades discursivas.

Reconhecemos que muitas outras observações e reflexões caberiam ainda neste trabalho. Porém não foi nem poderia ser a nossa pretensão esgotar essa reflexão aqui, dada a amplitude do assunto; no entanto, pretendemos prosseguir nesses estudos, uma vez que o processo de atualização do conhecimento é contínuo, principalmente para aqueles que, como nós, atuam no processo de formação de professores e regência de aulas.

Fica evidente que as reflexões aqui apresentadas são uma indicação de que o ensino de língua portuguesa não pode mais se resumir apenas ao processo de apropriação de um código linguístico. Embora reconhecendo que o ensino de língua portuguesa está em processo de mudança, no nosso ponto de vista, o desafio da educação linguística ainda continua no sentido de tornar a maioria dos estudantes mais competentes para que possam ler e entender aquilo que está registrado no mundo, nas diferentes situações de comunicação e interlocução em que, como cidadãos, estão inseridos.

Sabemos, todavia, que isso não depende apenas dos professores regentes, mas também da gestão escolar e dos pais ou responsáveis pelos alunos. Percebe-se, por um lado, que os professores não são ouvidos nas suas reivindicações, e, por outro, não parece ser preocupação da gestão da escola organizar as turmas com um número adequado de alunos, que possibilite a interação positiva entre alunos e professores nas aulas, bem como um atendimento individual por parte dos professores. A escola estadual que se constituiu campo empírico do nosso trabalho, por exemplo, organiza as turmas com mais de cinquenta alunos, e, por conta disso, acreditamos que há prejuízo na aprendizagem dos mesmos, como também um desgaste incalculável dos professores. E assim, ao invés da escola se constituir em um espaço prazeroso de convivência social, transforma-se em um lugar de incômodo tanto para os professores, como para os alunos.

Tendo em vista que o nosso trabalho objetivou mais o ensino do que a aprendizagem ficou uma questão que merece ser investigada: o procedimento metodológico de sequências didáticas se constituiu em estratégia de ensino de língua portuguesa, mas será que esse procedimento metodológico é garantia de aprendizagem?

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152 ANEXO 1

Aspectos privilegiados na análise dos dados

Aspectos Questionário/ Entrevista Observação Análise documental 1. Concepções de linguagem, leitura e ensino-aprendizagem de leitura X 2. Fundamentos teóricos e metodológicos referentes ao ensino de língua portuguesa e de leitura X 3. Objetivos didáticos X 4. Procedimentos metodológicos X 5. Competências/habilidades pretendidas X

6. Mediação das professoras e interação com os alunos

X

7. Condução das aulas (passo a passo)

153 ANEXO 2 Questionário/entrevista Nome (opcional):_________________________________________________________ Formação:______________________________________________________________ Escola:_________________________________________________________________ Disciplina que leciona_____________________________________________________ Tempo de profissão_______________________________________________________

1. Você gosta de ler?

2. Para você, o que é leitura?

3. Com que objetivos a leitura é trabalhada na sala de aula?

4. Você planeja o ensino de leitura?

5. Como você conduz o trabalho de leitura em sala de aula? Dê exemplos.

6. Os alunos costumam se manifestar oralmente nas aulas de leitura? Como é a participação deles?

7. Você utiliza alguns critérios de seleção dos textos? Quais?

8. Você avalia a aprendizagem de leitura dos seus alunos? Com que objetivo, de que forma e em quais momentos?

154 ANEXO 3

Protocolo de observação das aulas

Dia da observação:

Local da observação:

Duração da observação:

Característica da amostra:

155 ANEXO 4

Aspectos analisados na Base Curricular Comum para o Estado de Pernambuco

Aspectos Descrição

1. Princípios orientadores do ensino de língua portuguesa

Princípios que consideram as modalidades oral e escrita da língua e, nelas, as habilidades de compreensão e produção.

2. Concepção de linguagem Linguagem como atividade de interação social, pela qual os interlocutores atuam, por meio de diferentes gêneros textuais, expressando e criando os sentidos que marcam as identidades individuais e sociais de uma comunidade. 3. Concepção de língua  que o estudo e a pesquisa da língua sejam vistos

como uma forma de interação social, em uma condição marcadamente dialogal;

 que a língua seja percebida como uma forma de atuação social, pela qual as pessoas intervêm nas diversas situações cotidianas, com a finalidade de realizar alguma ação;

 que a língua seja vista como uma atuação funcional, para atender as diferentes intenções dos

interlocutores;

 que a língua seja entendida como uma atuação contextualizada e historicamente situada, inserida, portanto, em uma situação particular de interação e nunca “despregada” das condições concretas de uma determinada prática social.

4. Objeto de ensino O texto oral e escrito, na sua produção e recepção. 5. Objetivo do ensino de língua

portuguesa

O desenvolvimento e a ampliação das competências relacionadas às atividades do uso oral e escrito da língua, em situações reais de interação social.

156 ANEXO 5

Aspectos analisados na Proposta Curricular do Município de Camaragibe

Aspectos Descrição

1. Princípio fundante Fundamenta-se no princípio sociointeracionista 2. Objeto de estudo Os gêneros textuais

3. Concepção de linguagem Linguagem como atividade de interação social 4. Objetivo do ensino de leitura Ler textos de diferentes gêneros, com finalidades

diversas, emitindo opinião crítica acerca do conteúdo 5. Princípios metodológicos Perspectiva interacionista, que considere os objetivos

de ensino, as práticas de linguagem dos diferentes grupos sociais, os saberes e habilidades já

desenvolvidos e os que precisam ser objeto de ensino 6. Procedimento metodológico Sequências Didáticas ou Projetos Didáticos, a partir de

gêneros pertencentes aos seguintes agrupamentos:  textos destinados à documentação e

memorização das ações humanas

 textos destinados à expressão da cultura literária ficcional

 textos destinados à indicação de instruções e prescrições

 textos destinados à transmissão e construção de saberes da esfera científica

 textos destinados à discussão sobre temas controversos ou convencimento de pessoas sebre determinado ponto de vista ou sobre a adoção de determinado comportamento

 textos de tradição oral, poemas e músicas

 textos destinados à organização do dia a dia e tarefas cotidianas

 textos não-verbais