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Foi objectivo fundamental do estágio realizado conseguir transpor os conhecimentos adquiridos ao longo do curso de medicina veterinária para o plano prático, na área da clínica e cirurgia dos animais de companhia. Através da aquisição e aplicação de novos conhecimentos, do aperfeiçoamento de técnicas, da resolução de desafios de complexidade crescente e ainda da apreensão de uma conduta profissional ética e socialmente responsável foi possível desenvolver capacidades e competências indispensáveis a uma aprendizagem contínua e autónoma, na perspectiva de vir a desempenhar, futuramente, uma actividade profissional de elevado nível de qualidade.

Relativamente à especialidade de Cardiologia verificou-se, na espécie canina, uma prevalência significativa de afecções cardíacas adquiridas (92,4%), tendo as afecções cardíacas congénitas apenas representado uma diminuta percentagem dos diagnósticos cardiológicos realizados (7,6%). Quanto às doenças adquiridas verificou-se que em 77,3% dos casos se tratava de doença valvar e os restantes 22,7% corresponderam a doenças do miocárdio e pericárdio. No que respeita às afecções da valva mitral, em particular, registou- se um total de 66 casos, sendo a LDCVM responsável por 41 destes casos. A insuficiência da valva tricúspide registou-se em 9 casos (12,1% das doenças adquiridas valvares).

No que concerne o estudo retrospectivo realizado pode afirmar-se que a amostra de canídeos estudada apresentou características epidemiológicas típicas da LDCVM. As principais conclusões a reter incluem: (1) uma idade média situada nos 12 anos, tendo sido de 8 anos o valor mais baixo encontrado; (2) uma proporção de mais de 50% de machos entre os animais estudados e a apresentação de quadros clínicos mais severos por parte destes; (3) uma concordância próxima entre as raças incluídas na amostra e as que figuram no grupo das raças caninas predispostas a desenvolverem esta doença – Caniche, WHWT, Cocker spaniel, Épagneul Pequinês, Shi-Tzu e CKCS, para além dos canídeos de raça indeterminada; (4) uma maior representatividade dos cães de pequeno porte, com valores médios do peso corporal na ordem dos 11kg, embora os cães da raça Cocker tenham apresentado pesos entre os 19 e os 24kg, sendo já considerados cães de médio porte. Em relação às medições ecocardiográficas pode afirmar-se que os resultados obtidos se encontram a par da literatura veterinária apesar das limitações presentes. Foi possível verificar que a avaliação da FC, embora represente uma componente indispensável da auscultação cardíaca, não se reveste de particular utilidade em termos de prognóstico ou de relação com severidade da IC, devido à facilidade com que factores não relacionados com a LDCVM, tais como a ansiedade, o medo, a excitação ou a sujeição ao próprio exame ecocardiográfico, provocam a sua variação. Excepção feita para os casos em que estejam

a um elevado grau de subjectividade e, embora existam já critérios ecocardiográficos bastante definidos, a sua identificação está intimamente dependente da qualidade da imagem e da interpretação do observador, mais ainda quando se sabe existir PVM em cães clinicamente normais. A RM é uma alteração característica da LDCVM mas parece estar de algum modo sobre-representada em alguns estudos. No estudo apresentado a RM foi diagnosticada em todos os canídeos pertencentes à classe IV de IC e na esmagadora maioria dos animais da classe III, o que não é surpreendente uma vez que a RM acompanha a progressão da doença, tornando-se mais evidente a partir do momento em que a dilatação do átrio e ventrículo esquerdos se mostra já preocupante. É um dado adquirido, no diagnóstico ecocardiográfico da LDCVM, que a contractilidade se mantém elevada praticamente até ao último estadio da doença, momento em que inicia a sua diminuição lenta e, muitas vezes, imperceptível. Esta situação traduz-se por valores elevados da FS, com um intervalo expectável de 35 a 54%. Embora se comece a considerar que a FS não é o parâmetro ideal para a avaliação da contractilidade cardíaca, é um facto que este se encontra vastamente estudado e tabelado, permitindo ter uma noção prática da capacidade miocárdica ventricular. Os valores médios da FS obtidos no estudo realizado encontram-se dentro do intervalo esperado, no entanto, não foi possível identificar uma relação estatisticamente significativa entre estes valores e a severidade da IC. Finalmente, em relação ao rácio AE/AO, pôde observar-se que os animais pertencentes às classes mais graves da IC apresentaram valores sucessivamente superiores deste rácio. Confirmou-se analiticamente a existência de uma relação estatisticamente relevante entre os graus de severidade da IC e este rácio. Ainda assim deve admitir-se que o facto de quase metade dos animais estudados se encontrarem já a ser medicados com um inibidor da enzima de conversão da angiotensina e um diurético possa ter influenciado os resultados encontrados, ao provocar a redução da pré e da pós-carga. É consensual que este rácio é um dos parâmetros mais fiáveis na avaliação do estadio da doença e as várias novas técnicas para avaliação, quer da contractilidade miocárdica, quer da RM, não conseguiram ainda mostrar- se mais eficazes do que a avaliação das dimensões atrial e ventricular esquerdas. Mais ainda, este é principal parâmetro ecocardiográfico a determinar a necessidade de iniciar o tratamento médico em animais com diagnóstico de LDCVM já realizado. É também o parâmetro que, com maior segurança, permite ao médico veterinário monitorizar a evolução da doença e a resposta à terapêutica instituída.

A terapêutica ideal seria aquela que prevenisse o desencadeamento da LDCVM ou que permitisse a reversão das lesões degenerativas da valva mitral, impedindo ou corrigindo a alteração bioquímica ou molecular responsável pela degenerescência mixomatosa dos folhetos valvulares. Acontece que, apesar da LDCVM ser uma afecção amplamente estudada, muitas das suas características e factores etiológicos permanecem ainda inexplicados, o que dificulta a prevenção do evento primário responsável pelo desencadear

dos mecanismos patofisiológicos, e restringe os médicos veterinários ao tratamento das consequências da doença. Actualmente, o tratamento da LDCVM consiste na prevenção da instalação da ICC, na tentativa de diminuição da severidade da RM e dos sinais clínicos. Existe a preocupação geral de melhorar a qualidade de vida do paciente, bem como de tentar aumentar a sua esperança de vida, no entanto, de acordo com o conhecimento do autor, nenhum fármaco permite actualmente inibir ou prevenir o desenvolvimento da LDCVM.

Relativamente às limitações gerais de redacção desta tese refere-se a dificuldade no acesso a algum material bibliográfico e alguma falta de concordância entre a nomenclatura anatómica e funcional encontrada na literatura consultada.

Muitos dos estudos publicados nesta área são de difícil extrapolação para o estudo geral da doença devido aos seus resultados serem afectados pelas metodologias específicas de cada país e de cada escola. Além disso, a maior parte dos estudos científicos realizados sobre a LDCVM focam-se em raças e alterações funcionais específicas, tornando difícil uma apreciação uniformizada e global da doença.

Acredita-se que, futuramente, apoiada nos constantes desenvolvimentos tecnológicos e científicos da medicina, a ecocardiografia representará cada vez mais a base fundamental e indispensável do diagnóstico definitivo da LDCVM e representará um papel de elevada responsabilidade na tomada de decisões terapêuticas e na percepção plena desta doença.

Disease is very old and nothing about it has changed. It is we who change, as we learn to recognize what was formerly imperceptible.

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