• Nenhum resultado encontrado

LIA DE ITAMARACÁ A COZINHEIRA DA ILHA

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Sou guerreira luto pra vencer. [...] Minha ciranda move a minha vida e de muita gente.” 461

Maio de 2007. Estava preocupada, o projeto o qual trabalhava como bolsista Pibic/Fundaj/CNPq findava, estava encerrando minhas pesquisas sobre os maracatus-nação no Recife, escrevendo o relatório final e, prestes a me tornar ex-bolsista. Já havia me acostumado a ter cotidianamente as atividades da graduação em história na UFPE e as atribuições de pesquisadora na Fundaj. A bolsa também era muito importante, era ela que custeava minhas despesas pessoais e ficar sem bolsa naquele momento me preocupava bastante.462

Foi no encerrar das pesquisas sobre os maracatus-nação, em uma quinta-feira, que recebi uma ligação. Era Sylvia Couceiro, pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco e, no período, minha orientadora do Pibic. A conversa foi longa, Sylvia me “cobrava” o relatório final da pesquisa e me falava sobre um outro projeto, me perguntava se tinha interesse em participar. Para minha surpresa, parecia que minhas funções de pesquisadora-bolsista não iriam se encerrar nos próximos meses como eu presumia. Mais ainda, Sylvia propôs que eu mesma escrevesse um projeto o qual iria desenvolvê-lo dentro, é claro, da proposta do tema da pesquisa apresentada, a qual era sobre a cultura imaterial em Pernambuco.463

Imediatamente confirmei meu desejo em participar, sem ao menos definir qual seria meu objeto de estudo. Sugeri alguns temas, mas não tinha nada definido. Sylvia então me lembrou de uma conversa que tínhamos tido há algum tempo, da minha vontade em pesquisar sobre a ciranda em Pernambuco. Eu havia lhe falado que desde o início da minha graduação eu objetivava pesquisar sobre esse tema, pois ele remontava minha infância, permeava diversas lembranças que eu guardava na memória. Disse-lhe também das dificuldades que eu

461

Cirandeira Lia de Itamaracá, em 05 de janeiro de 2008, entrevista concedida à Sonia Teller na Ilha de Itamaracá. TELLER, Sonia, op. cit., p.99.

462

Havia sido bolsista Pibic desde o 3º período da graduação em história na UFPE no projeto No ressoar dos

tambores: práticas e representações na história dos maracatus-nação no Recife (1920-1960), realizado de forma

inter-institucional, envolvendo o Departamento de História da UFPE e a Coordenação de Estudos Sociais e Culturais da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), sob a coordenação das pesquisadoras Isabel Cristina Martins Guillen e Sylvia Costa Couceiro. O referido projeto foi realizado no período de 02(dois) anos. Posteriormente, integrando o programa Pibic da Fundaj em 2006 desenvolvi o projeto Dona Santa rainha dos maracatus (1940-

1960) e um ano depois eu realizava estudos sobre a ciranda em Pernambuco na pesquisa Roda de ciranda: expressão da cultura imaterial pernambucana, os dois sob a orientação de Sylvia Couceiro.

463

O projeto o qual minha pesquisa sobre ciranda fez parte foi o “Formas de Expressão da Cultura Imaterial em Pernambuco”, também realizado de forma inter-institucional, envolvendo as mesmas instituições, bem como as mesmas pesquisadoras do projeto No ressoar dos tambores: práticas e representações na história dos

tinha encontrado quando iniciei um levantamento das fontes sobre a referida dança de roda, no início do curso de história na UFPE.

Enfim, confirmei que faria um projeto. Resolvi então fazer sobre a ciranda. Mas eu tinha dois problemas: o primeiro era a própria escassez de fontes sobre o tema, e o segundo, era que tinha apenas 04(quatro) dias para escrever o projeto que eu havia me proposto. Passei o final de semana escrevendo, lendo os jornais, os quais havia pesquisado em 2004 como atividade de uma disciplina na universidade, e reli a obra Ciranda roda de adultos no folclore

pernambucano do pesquisador Jaime Diniz.

Projeto aprovado, durante 01(um) ano fiz o levantamento das fontes que havia nos principais arquivos e acervos do Recife sobre a ciranda, realizei entrevistas, analisei as fontes e escrevi, ao final da pesquisa, o relatório. Concluído o estudo, percebi que várias questões sobre a referida prática cultural que antes pareciam óbvias para mim, não eram mais. As “verdades” e “incertezas” pareciam misturar-se umas às outras. A composição intitulada “Quem me deu foi Lia” a qual ouvi muitas pessoas afirmarem que tal melodia era de Lia de Itamaracá, a ingenuidade e espontaneidade “características” da prática cultural assinaladas pelos autores, e até a própria descrição de ciranda apenas como um folguedo, um divertimento “pertencente” aos “populares”, pareciam destoar das análises que eu fazia das fontes.

Resolvi então me aprofundar sobre o tema, me propondo à seleção de mestrado na UFPE, tendo como objeto de estudo a dança de roda de adultos em Pernambuco. Nesse novo caminhar, Isabel Guillen aceitou me acompanhar e mais, a nortear os passos que eu deveria trilhar nas leituras, nas discussões e nas análises das fontes. Esses foram os percursos que resultaram nesse trabalho. Ao pensar em escrever as palavras finais dessa dissertação, pensei em seu início, no que teria me levado a fazê-la, o que teria me instigado a interessar-me por essa manifestação cultural. Esse relato me fez entender um pouco a dimensão e o sentido simbólico da frase da cirandeira Lia de Itamaracá, a qual diz que a ciranda move a sua vida e a de muita gente. Ao longo dessas páginas fui me dando conta dos diversos sentidos e significados que a prática cultural auferiu para os sujeitos sociais e mais, talvez com um outro sentido, também pude me reconhecer na frase da cirandeira: a ciranda também moveu a minha vida a de muita gente nos últimos anos.

Os estudos sobre a dança de roda de adultos em Pernambuco, até o presente momento, enfatizaram a “ingenuidade” e a “espontaneidade” da manifestação cultural, entretanto percebemos que estas poderiam até estarem presentes nas rodas, mas havia também astúcias, táticas, invenções e embates dos sujeitos sociais que a faziam e ainda a fazem. Nos capítulos

desenvolvidos enunciamos algumas histórias, mostramos que a ciranda, no período de 1960 a 1980, não foi apenas uma dança de roda “pertencente ao povo”, foi também concebida como um “produto turístico”, transformada em show para outras camadas sociais. Mestres de outros folguedos também passaram a se interessar pela referida manifestação, haja vista a importância que a mesma adquiriu, promovendo uma forma de obtenção de renda através dos concursos, contratos, promoções e projetos, sobretudo turísticos que nesse momento se implementava. A ciranda também foi uma forma de adquirir status e renda para os cirandeiros da Região Metropolitana do Recife. Foi eivada de muitos sentidos e significados, serviu como uma forma de expropriação e exploração da arte dos que a faziam, foi objeto de disputas e embates, mas também foi meio de sobrevivência, constituição de identidades e consolidação de mitos.Moveu, e continua movendo, a minha vida e a de muita gente...