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Ao analisarmos as representações dos atores sociais do Projeto Barracão nos deparamos com seus limites e pudemos reconhecer sua possibilidade concreta.

O Projeto Barracão da Cáritas Diocesana de Marília insere-se na história da educação brasileira como complemento à educação formal oferecida nas escolas, oferecendo um currículo alternativo, reflexo de um fenômeno que ganha forças no Brasil a partir da década de 1990 (GOHN, 2001).

Entretanto, analisando as representações dos atores implicados no Projeto nos deparamos com alguns de seus limites:

Nas linhas orientadoras do Plano de Ação dos anos de 2001, 2002, 2003 e 2004, encontramos o compromisso da Instituição em oferecer uma educação solidária e libertadora, inspirada no pensamento de Paulo Freire. Do objetivo e conteúdo das linhas orientadoras da prática educativa do nosso objeto de estudo (o Projeto Barracão), pudemos observar a valorização integral da pessoa considerada sujeito de direitos e da própria libertação.

As reflexões de Paulo Freire (1984; 1999; 2000; 2001; 2003) e de Harry Pross (1989) que serviram de fundamentação teórica para a construção de nossa análise revelam o diálogo como práxis educativa indispensável e facilitadora do processo ensino- aprendizagem. É no diálogo que se encontra o alicerce da acolhida que aprofunda os vínculos e possibilita que o educador cumpra seu papel de facilitador do conhecimento, adentrando-se ao universo do educando e oferecendo à sociedade indivíduos dotados de autonomia desenvolvida.

O diálogo implica uma relação horizontal que assegura a comunicação autêntica entre duas pessoas. Este talvez seja o primeiro

passo de um relacionamento solidário. Segundo Freitas (1994, p.39) [...] o verdadeiro diálogo é aquele que estimula a curiosidade, a criatividade e a espontaneidade dos sujeitos que conhecem e, mais que encontrar respostas, descobre perguntas. Favorecer um ambiente que estimule o educando a perguntar é dar o primeiro passo para que o diálogo aconteça a realidade seja transformada e a solidariedade seja construída.

Contudo, a ausência desta consciência crítica nas representações dos educandos e em parte dos educadores do Projeto Barracão, representa um limite que precisa ser analisado criteriosamente pelos responsáveis pelo Projeto. Os educadores, ao elaborarem a proposta pedagógica se inspiram na acolhida de Paulo Freire que, como vimos, está pautada no respeito da escuta e do diálogo, elementos fundamentais para consolidação dos vínculos afetivos, fundamentais no processo educativo. O fato é que quando Paulo Freire pensa na acolhida, no diálogo, pensa no conhecimento da realidade do educando que o educador deve possuir para que a partir desse possa proporcionar ao educando possibilidades de ad-mirar o mundo, despenumbrá-lo de suas ideologias anestesiantes, formando assim a consciência crítica que, por sua vez, conduz, elo menos à vontade de transformar a realidade repleta de injustiças que estamos vivendo.

Isto não foi encontrado nas representações, embora a representação do Projeto Barracão como espaço de acolhida talvez tenha sido a mais observada nas memórias, depoimentos e desenhos analisados. Coube-nos, portanto, questionar se essa acolhida oferecida no Projeto Barracão, relatada nos depoimentos de educadores e educandos, assim como o estabelecimento dos vínculos entre educadores e educandos que sustentam a acolhida têm como intencionalidade a educação para a transformação da realidade ou apenas fica a idéia da “generosa acolhida assistencialista” que pode

reforçar a acomodação destes educandos no sistema injusto no qual se encontram inseridos.

A nosso ver, essa lacuna na representação dos educandos indica a dificuldade em perceberem a necessidade de transformar o mundo, da descoberta deles como seres históricos, o que comprometeria em grande parte a Proposta Pedagógica Freireana. Se for assim, ao contrário de sua intencionalidade, o Projeto Barracão pode estar desenvolvendo um papel ideológico dos interesses do capitalismo, confirmando a tese de Montaño (2002) sobre o assistencialismo disfarçado das ONGs, ou seja, o Barracão também promove a reversão dos direitos de cidadania por serviços assistenciais universais, num sistema de solidariedade universal compulsória, e não libertadora.

Entretanto, este Projeto talvez seja uma possibilidade de resistência frente à lógica neoliberal que se impõe no cenário educacional brasileiro. Apesar de o Barracão estar vinculado a uma instituição não-governamental (Cáritas) amparada pela Lei que isenta o Estado de suas responsabilidades, este Projeto pode esconder por detrás desta máscara, o ideal de formação para autonomia e solidariedade em práticas educativas que promovam nos educandos o exercício do questionamento e o desejo da transformação.

A existência do Projeto tem questionado a Igreja Local a rever seu comprometimento com a causa dos pobres e mais necessitados. Os educadores reconhecem o Projeto como parte de um catolicismo questionador, pois posiciona-se contra ao conservadorismo da Igreja no que se refere à denúncia das injustiças sociais.

O compromisso com a formação da consciência dos educadores por meio do estudo e da reflexão da prática pedagógica e dos educandos por meio da arte, do jogo, da leitura e do trabalho em equipe e das rodas de conversa potencializam as diversas identidades que coexistem naquele espaço. Todo desenvolvimento verdadeiramente humano depende destas potencializações das

autonomias individuais, das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à sociedade (MORIN, 1999).

Há respeito por parte da Instituição que procura oferecer para seus educadores espaços de reflexão sobre a prática. Uma possibilidade seria aproveitar destes espaços para aprofundarem o compromisso de transformação social que querem estabelecer com a sociedade através do trabalho educativo oferecido pelo Projeto Barracão.

O Planejamento das atividades que os educados mais gostam, tal como o esporte e o circo, mas também das outras atividades, sobretudo o Projeto PAI, o uso da Biblioteca, da informática, com este enfoque crítico em evidência, poderão proporcionar aos educandos elementos que os motivarão no reconhecimento da realidade de injustiça vivenciada na classe social que pertencem e ao mesmo tempo o compromisso de transformador dessa realidade.

Diante de tantas contradições e dificuldades no contexto educativo brasileiro, mas também dentre as várias iniciativas, somamos estas pequenas, mas significativas, que querem contribuir para o avanço de um sólido processo democratizador das bases. Podemos reconhecer o Projeto Barracão como uma alternativa de educação para nossos tempos. Ao utilizarmos esta palavra não quisemos de maneira alguma o sinônimo de solução completa para o problema social destes educandos. Temos a certeza que nenhuma proposta é totalmente perfeita e que outros fatores também devem ser considerados para que o processo educativo seja eficaz qualitativamente.

O respeito à individualidade e a valorização das diferenças pessoais, o incentivo às diversas expressões de criatividade, o afeto na relação interpessoal, a participação comunitária nas decisões que envolveram todos que fazem parte do Projeto, são elementos importantes na construção da educação para a solidariedade.

Entretanto, a criticidade e a intencionalidade dos educadores na formação da consciência crítica dos educandos são indispensáveis neste processo, considerando-os sujeitos de direitos e da própria libertação, motivando-os para a percepção da realidade social injusta a qual se inserem e o alimentando-lhes o desejo de transformação, e não apenas de ascensão social.

Assim, educação oferecida ali poderia adquirir caráter de compromisso crítico, formando para autonomia, indispensável para a construção de uma sociedade democrática. Compromisso que segundo o relatório Jacques Delors (2001, p.226) deveria ser considerado como fundamento e objetivo das diversas políticas educacionais traduzidas no livre acesso ao saber, no uso das novas possibilidades de comunicação entre os homens e no estímulo de uma política cultural que deve apoiar a atividade criadora, o conhecimento e a participação no patrimônio cultural da humanidade, tudo isso tendo como intenção principal a emancipação dos fracos e marginalizados, diminuindo as desigualdades materiais

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