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Esta pesquisa resultou do desejo de continuar contribuindo para os estudos sobre as famílias, pensando na necessidade de que outras maneiras de ser família possam ser visibilizadas. Também seguiu os estudos iniciados na graduação, com o trabalho de conclusão de curso, sobre as mães e pais e suas filhas lésbicas. A conclusão do mestrado representa um amadurecimento profissional, e também do objeto de estudo, que antes era estudado na família nuclear e agora constitui uma família, sendo mãe no contexto homomaternal.

Essa temática, de gays e lésbicas que são pais e mães, transformou-se recentemente em objeto de estudo, mais ou menos na década de oitenta, o que torna as pesquisas sobre o assunto ainda restritas e escassas. Porém, o número de famílias gays e lésbicas não é tão escasso assim, logo, a ciência precisa acompanhar as transformações que a contemporaneidade nos traz. A mídia passou a ter um importante papel nesse sentido, pois mesmo de maneira tímida, tratou de assuntos relacionados à orientação lésbica e gay em várias novelas, posibilitando que a sociedade comece a perceber que a orientação sexual não deve servir para estigmatizar alguém, deve simplesmente ser respeitada.

O número de dissertações e teses sobre lésbicas, e mais ainda, sobre mães lésbicas é mínimo, nos permitindo perceber que a hegemonia masculina se mantém, na medida em que encontramos mais estudos sobre gays do que sobre lésbicas. Com isso, fica explicitado um duplo preconceito, pois as participantes são mulheres, e lésbicas,

rompendo com o patriarcado e com a heteronormatividade. Este trabalho também tem a função de romper com a falta de estudos sobre as lésbicas, sobre as mães lésbicas, indo contra a soberania do masculino na constituição familiar e utiliza-se dos estudos de gênero para contribuir para uma escrita onde exista a preocupação com uma cidadania mais justa e solidária.

Para chegarmos a uma cidadania mais justa e solidária, devemos começar por algo que é considerado tão simples, como a linguagem. É através dela que os estereótipos de gênero e o patriarcado se mantêm, considerando o masculino como neutro e universal. Se existe o feminino, como este pode ser abstraído e subjugado ao masculino? Logo, a linguagem não-sexista deve ser utilizada, pois aí sim estaremos visibilizando a existência de um feminino, que possui o seu lugar e os seus direitos garantidos, e não que existe através de um masculino.

Quando iniciamos a pesquisa, tivemos bastante dificuldade em encontrar as participantes do estudo, e chegamos a pensar em realizar a coleta dos dados em outro estado, que possibilitasse uma maior facilidade, como São Paulo, por exemplo, em função de grupos de lésbicas organizados na internet que se propunham a contribuir no estudo. Porém, isso iria contra o desejo de uma das pesquisadoras de contribuir para o estudo das mães lésbicas e seus(suas) filhos e filhas na capital do Rio Grande do Sul, visto que não foram encontrados outros estudos sobre essa temática no Estado. Porém, essa questão não estava nos objetivos, logo, não foi fator de exclusão para que uma família residente no Estado de Santa Catarina fizesse parte do estudo.

Com a produção dessa escrita acreditamos ter chegado ao objetivo proposto no projeto da dissertação, que era conhecer como as mulheres que se reconhecem como lésbicas estão vivenciando a maternidade nas relações de conjugalidade. Para tanto, foi pensado inicialmente a realização de grupos focais com as participantes, mas, devido à

dificuldade inicial de encontrar as mulheres que gostariam de participar do estudo, pensamos que ainda reuní-las em um mesmo horário, três vezes, seria uma tarefa próxima ao impossível, optamos então pelas entrevistas narrativas. Essa opção acabou se mostrando uma grande escolha, pois através das histórias narradas, podemos conhecer as relações de familias constituídas por duas mulheres e seus(suas) filhos e filhas, e chegar ao objetivo proposto.

Nosso estudo mostrou que as famílias homomaternais têm suas peculiaridades, como todas as outras famílias, algumas seguindo a lógica heteronormativa da nossa sociedade, com papéis ainda fixados para homens e para mulheres, e outras de uma maneira igualitária. Em todas as famílias pesquisadas, os filhos e as filhas encontram-se numa atmosfera de amor e carinho, sendo motivo de felicidade para as mães. As crianças são criadas em uma lógica onde conseguem compreender que o que liga uma pessoa à outra é o sentimento delas, não importando se são homens ou mulheres. As figuras masculinas são representadas através de irmãos, tios, avôs e amigos, não trazendo nenhum prejuízo na formação da identidade dos filhos.

Porém, em momento algum estamos fazendo apologias sobre as famílias homomaternais serem melhores que outras. O que estamos fazendo é apresentar algumas famílias constituídas por mulheres com filhos e filhas para que a sociedade possa conhecer e compreender outras maneiras de uma família se constituir, diferente da que ainda é imposta pela cultura. Como todas as famílias, as famílias apresentadas aqui também possuem suas dificuldades e limitações, assim como suas crianças, mas o direito de existirem e serem respeitadas em toda a sua plenitude é o mais importante a ser pensado.

A construção do livro infantil “Mamãe e... mamãe? As famílias homomaternais” também vai poder contribuir na formação da identidade de meninos e meninas, pois vai

apresentar outras possibilidades de ser homem e de ser mulher para as crianças. Traz a possibilidade de atenuar os estereótipos sobre ser menino e menina, que fixam papéis e geram intenso sofrimento para que se consiga seguir na “normalidade”. Outros livros infantis estão surgindo, e com eles, a esperança de que um dia a diversidade seja entendida como algo que contribui, e não como algo que ameaça.

Enfim, finalizamos esse trabalho com a certeza que ele não está no final, pois ainda há muito o que ser feito, pensado, construído. Porém, fica o sentimento de dever cumprido, não um dever com prazos ou notas, mas um dever civil, um dever humano, e por que não, um dever psicológico. Cumprido por ter auxiliado, mesmo que de maneira ínfima, a “naturalização” de vivências, que sofrem por não seguirem as normas ditadas pela sociedade, que já deveria estar mais humanizada. Esperamos que todo o conhecimento que adquirimos seja transformado em melhorias, em qualidade de vida, em uma sociedade melhor, em um propósito social, pois só assim valem a pena as inúmeras horas de leitura e de escrita, de reclusão e concentração.

Uma sociedade para evoluir, precisa se transformar. Não há crescimento sem mudança, e claro, não há mudança sem sofrimento. Porém, esse sofrimento não deve ser maior que o direito pela vida. E esse direito não diz respeito apenas à alimentação, moradia, educação e saúde. Diz respeito também à felicidade, à liberdade, ao direito de cada pessoa seguir o seu caminho, com respeito e dignidade. Também diz respeito a uma família só de mulheres, com crianças, gato, cachorro e papagaio, vivendo sua vida com todos os seus direitos assegurados e não passando por situações de violências e preconceitos pela orientação sexual.

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