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PARTE II – MAPEANDO O PENSAMENTO DE DELEUZE/GUATTARI

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O atual não é o que somos, mas antes o que nos tornamos, o que estamos nos tornando, isto é, o Outro, nosso devir-outro. O presente, ao contrário, é o que somos e, por isso mesmo, o que já deixamos de ser.

Deleuze e Guattari

Produzir uma pesquisa a partir de duas teorias aparentemente divergentes não é tarefa fácil. Faz parte de um constante questionamento no campo teórico, que necessita de prudência para que as teorias não se confundam e criem um sincretismo. Para realizar um estudo desse tipo é preciso também ter a precisão dos conceitos que compõem cada campo epistemológico. Foi a partir desses pressupostos que essa dissertação se compôs. Apesar de nosso referencial teórico ser a Esquizoanálise, o que se torna claro com nossa leitura e análise acerca do inconsciente, apropriamo-nos de alguns pressupostos da psicanálise kleiniana.

Sendo assim, acreditamos que a principal contribuição desse trabalho é a sistematização do conceito de inconsciente esquizoanalítico, o qual se encontra disperso no decorrer da obra de Deleuze/Guattari. Com efeito, complementamos, ainda, algumas proposições desses autores. Assim, a partir da esquizoanálise, aproximamos da psicologia alguns dos conceitos dessa construção teórica, ampliando o entendimento de alguns dos preceitos psicanalíticos.

Compreendemos que no inconsciente, a partir da lógica dos encontros, os objetos parciais deixam de ser simples representantes do universo psíquico, para se tornarem parte de um plano em que são a-pessoais. A atemporalidade da psicanálise é traduzida em termos de uma temporalidade concernente às conexões do plano de imanência. As posições esquizo-paranóide e depressiva são vistas por nós como plano de imanência e organização, respectivamente. As clássicas instâncias psíquicas (id, ego e superego) são entendidas como profundidade e superfície. E, por fim, o simbolismo do brincar é visto como a organização dos objetos parciais.

Dessa forma, concebemos que os objetos parciais participam da máquina desejante, conectando-se rizomaticamente por meio do Corpo sem Órgãos. O desejo, que move o funcionamento desse inconsciente, é aquele ligado à produtividade, à vontade de

transformação da existência, na configuração de territórios singulares. A expressão do corpo, por sua vez, aparece como o resultado ou o efeito dessas maquinações inconscientes, levando em consideração os afectos que perpassam os corpos no acontecimento, seja de ordem individual ou coletiva.

Acreditamos que tais núcleos de análise são, por assim dizer, o resultado mais palpável da presente dissertação, pois, sem que constituam problemas resolvidos, conferem a nosso trabalho uma possibilidade de continuação. Assim, consideramos cumpridos, de certa forma, os nossos objetivos iniciais.

Percebemos que o modo como Melanie Klein explica o psiquismo retrata o mecanismo de nossa sociedade. Isso é inegável. Entretanto, pensamos que essa análise é uma das possíveis leituras do modo de funcionamento da mente humana. Cabe, então, a criação de novos territórios, vislumbrando novas paisagens, ao invés de perpetuar a estrutura familiar, no que concerne, especificamente, ao Édipo. Nesse sentido, nosso encontro com o caso Richard nos proporcionou determinada produção de sentidos, a qual não pretende se esgotar nele mesmo, nem estabelecer alguma verdade. Portanto, constatamos que o inconsciente esquizoanalítico produz-se nos encontros vividos, que fazem conexões e produzem devires e intensidades o tempo todo. O entendimento do inconsciente se refere a um plano psíquico e os efeitos que eles geram no social.

Aproximações entre a Esquizoanálise e uma teoria de desenvolvimento infantil trazem à tona um modo singular de compreensão do inconsciente. Consideramos que, nossa segunda colaboração, essa especificamente à psicologia consiste no desdobramento de nosso estudo à clínica. Esta pode ser entendida como uma composição estética, em que se criam territórios inéditos e singulares, na afirmação da vida, na valorização dos encontros alegres. Estes permitem aos corpos aumentarem sua capacidade de afetar e serem afetados, de produzirem novos agenciamentos. Propomos, assim, que existe uma complementaridade entre o pensamento de Espinosa e Nietzsche, percebida também por Deleuze/Guattari, da qual nos aproveitamos aqui para o entendimento da clínica. Desse modo, há a valorização, em um sentido nietzschiano, das forças ativas, isto é, aquelas voltadas à transformação e à criação, que, por sua vez, produzem os encontros alegres, de acordo com Espinosa.

Deleuze/Guattari criticam a psicanálise, na medida em que esta atribui um caráter edipiano a todas as relações e conexões, desconsiderando as múltiplas e singulares relações que podem se estabelecer entre os corpos. Verificamos que a família, nesse contexto, serve como mais um território, talvez o primeiro, no qual os objetos parciais

podem se conectar na superfície para partir em direção de outros territórios. Para Deleuze, a tarefa da esquizoanálise está em

[...] partir dos enunciados pessoais de alguém e descobrir sua verdadeira produção, que nunca é realizada por um sujeito, mas sempre por agenciamentos maquínicos do desejo e por agenciamentos coletivos de enunciação que o atravessam e nele circulam, escavando aqui, sendo bloqueados ali, sempre sobre a forma de multiplicidades, de bandos, de massas com unidade de ordens diferentes que o freqüentam e o povoam. (DELEUZE, 1990, p.88)

Concluímos que o “método” ou a “técnica” que deve ser utilizada nesse caso é a cartografia, que consegue captar os movimentos do desejo em sua latitude, nos seus movimentos de paradas, andanças ora mais lentas ora mais rápidas; e na longitude, no alcance que ele pode ter. Isso permite que o desejo seja mapeado, e a partir desse entendimento produzir agenciamentos que consintam ao corpo aumentar sua capacidade de afetar e ser afetado ou, ainda, intensificar a ação das forças ativas. A compreensão do sofrimento também se faz presente nessa perspectiva, o que não mortifica o sujeito, não o faz ressentir a todo instante, mas o projeta em novos encontros e em novos agenciamentos, na constituição de novas possibilidades para sua existência.

6.

Bibliografia