• Nenhum resultado encontrado

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No documento Mariana Fonseca Paes (páginas 130-136)

As considerações trazidas ao final dessa investigação reforçam o fato dela ser uma aproximação exploratória com o campo da formação em medicina de família e comunidade, a partir de experiências municipais, tendo a narrativa dos entrevistados como a principal forma de acessá-las.

As implicações da pesquisadora na análise desse material como motivação para questionamentos e problematizações durante as entrevistas apontaram que essa investigação foi fruto da mescla entre um extenso campo empírico de pesquisa e a própria pesquisadora. Algo importante a ser considerado, no âmbito de uma pesquisa de caráter qualitativo: em sendo outro o pesquisador, seriam outros os resultados e discussão da pesquisa.

Ter percorrido, nesse caminho, as relações entre os atores envolvidos com os PRMFC municipais, desde o MS até a experiência relatada pelas egressas sobre seu processo formativo, caracterizou-se como um grande desafio, todavia essencial para acessarmos a dimensão das ações disparadas pelo PMMB, em pouco mais de dois anos de sua implantação. Um programa de âmbito nacional e que envolveu uma série de iniciativas, tensionamentos e articulações bastante peculiares no que tange à formação de profissionais médicos NO e PARA o SUS.

Vale a pena considerar que, durante a pesquisa, foi possível acessar uma breve visão sobre várias dimensões, dentre elas: o saber e o poder médico, a relação da formação com os interesses de classe profissional, o saber produzido pela

121 universidade, as práticas de cuidado na rede de serviços, a gestão política em nível municipal e as relações interfederativas, as formas de organização locais do SUS, os modelos de AB municipais, os interesses do setor privado na saúde e os desafios da formação de profissionais no SUS pela integração ensino-serviço.

Foi possível perceber que as proposições relativas aos programas de residência médica, presentes no PMMB, são frutos de uma aproximação importante entre MS e MEC com os municípios, desde o âmbito nacional, pela inclusão de representantes de CONASS e CONASEMS na CNRM, para formulação e implantação da política. Durante pelo menos os dois primeiros anos do PMMB, essa aproximação se desdobrou também no âmbito municipal, de distintas formas, entre as secretarias de saúde e as instituições de ensino superior. As relações com o nível estadual de gestão do SUS não apareceram como significativas aos entrevistados e também na análise documental. Apenas as discussões regionais locais sobre a integração ensino- serviço parecem ter sido fortalecidas pelas ações indutoras do PMMB no eixo formação.

Com relação à implantação dos programas municipais de MFC, o principal papel indutor do MS permaneceu ligado à ampliação de financiamento da ABS e a formação de preceptores, auxiliando os municípios a comporem quadros de profissionais qualificados na rede para os processos educacionais com ou sem parceria com as universidades presentes nos municípios ou região de saúde. Todavia, as mudanças políticas nos municípios (troca de secretários de saúde) e no governo federal foram consideradas dificuldades importantes para a continuidade dos PRMFC municipais. Vale lembrar que o principal atrativo para os gestores municipais aderirem ao programa foi a possibilidade de aumentar o número de médicos, por complementação da bolsa de residência, e de fixação esses profissionais no município.

Nesse ponto, era previsto na Lei n° 12.871 que até o final de 2018 haveria no país a universalização das vagas de residência médica, com prioridade de financiamento para os PRMFC, o que não ocorreu, e pouco há atualmente, de discussões sobre isso em nível nacional, nos dando a sensação de que isso “caiu por terra”. Ou seja, nos parece difícil acreditar que as ações de indução do governo federal para essa universalização possam ser retomadas no atual contexto político brasileiro, o que poderia ser caracterizado como um “tropeço” de futuro próximo.

122 Mesmo assim, no âmbito municipal, a integração entre as instituições de ensino e os serviços de saúde do SUS nos pareceu ser algo que permaneceu fortalecido, pois mesmo os programas municipais não tendo estabelecido parceria com as universidades na coordenação da RMFC, a relação com os ambulatórios das faculdades, com seus preceptores, constituiu reflexões interessantes sobre as práticas educacionais e de cuidado nos serviços em que os PRMFC se dão.

Há que se considerar ainda que a diversidade na formação dos médicos de família ainda apareceu como um grande desafio, pois pouco se viu de integração desses profissionais com outras áreas da saúde, seja na integração dos programas de residência médica com programas de residência multiprofissional, seja pelo compartilhamento do cuidado com outras profissões da saúde para práticas de cuidado mais ampliadas e menos centradas no médico, algo que nos pareceu também difícil de acontecer, sem incentivos federais para composição de equipes multiprofissionais de apoio à ABS, ou mesmo criação de novos programas de residência multiprofissional nessas localidades.

As mudanças na formação de profissionais médicos NO SUS, oriundas dos PRMFC municipais, parecem estar mais ligadas ao fortalecimento da relação entre as instituições de ensino e os municípios, com mudanças na estrutura de gestão educacional e de educação permanente das secretarias municipais de saúde, e com certo reflexo no fortalecimento da comunicação entre os serviços de saúde da rede municipal, pela circulação dos residentes nesses serviços, bem como nos ambulatórios das instituições de ensino parceiras dos municípios.

Os entrevistados também nos mostraram que, nos três municípios estudados, foram implantadas estratégias municipais de fortalecimento da ABS, principalmente com relação à implantação de ESF, um outro avanço.

Os três municípios estudados têm características bem distintas no que se refere a rede de atenção e a forma que organizavam o cuidado, em particular da ABS, assim como da sua relação com as IES. Assim, a despeito da PNAB (2012), o município 3 não contou com nenhum médico de família na rede no momento da adesão ao programa, tinha o menor número de equipes de saúde da família, nenhum NASF implantado, mesmo sendo a cidade mais rica entre as três estudadas.

No município 2 ficou evidente uma organização da ABS mais fragmentada, desordenada como nos disse uma das egressas, com uma faculdade de medicina tradicional no município, que se opôs à implantação das residências municipais.

123 Nesse município houve menor fixação de residentes na especialidade de MFC. Sem a pretensão de comparar os municípios, chamou atenção a organização do município 1, e os esforços para implantação pioneira de PRMFC na região de saúde. Sendo que, nesse caso, tornou-se “real” uma das premissas do MS com o PMMB, de atender cidades sem a tradição de demandar ou de submeter projetos.

Foi possível deduzir que toda e qualquer política, como por exemplo o PMMB com seus fortes processos componente indutores, encontrará diferentes realidades locais, diferentes intenções. Sua execução nos municípios pode representar desde uma transformação no quadro sócio-sanitário, ou ser utilizada de forma instrumental, não atingindo os objetivos propostos por elas. O SUS é também um sistema local, que acontece em cada estabelecimento de saúde, em múltiplos encontros entre usuários e profissionais.

Os municípios estudados buscaram fortalecer a ABS a partir dos eixos do PMMB, o quanto e como isso ocorreu não foi possível avaliar por esta investigação. Mas há pistas de que nessas localidades houveram ganhos em relação à estrutura e aos processos de trabalho, a partir da implantação da PRMFC. Dentre eles, destacamos:

1. O fortalecimento da ABS, com aproximação das estruturas organizacionais da Secretaria de Saúde, como por exemplo os núcleos e/ou departamentos de EP e a ABS;

2. O conhecimento de várias ações de formação, incluindo residências médicas, no espaço hospitalar, desconhecidas pelas equipes de EP dos municípios;

3. Estruturação e reestruturação dos espaços de EP; 4. Reaproximação com a IES;

5. Revisão dos modelos de ABS;

6. Elaboração compartilhada de protocolos clínicos para a regulação, entre preceptores e residentes.

Além disso, os coordenadores locais e as egressas destacaram o papel da preceptoria, não apenas para o desenvolvimento das residências, mas como possibilidade de atuação junto às equipes da ABS, bem como a importância do curso de formação de preceptores, ofertado pelo ministério.

A valorização do profissional de MFC foi uma demanda trazida pelos médicos formados, desde a escolha por um programa de residência médica em que há

124 complementação do valor da bolsa, até a possibilidade de salários equiparados à de outras especialidades médicas nos municípios, após finalizarem a formação como especialistas em MFC.

A entrada em um PRMFC também passou pela busca por uma “outra medicina”, mais programada, organizada e com possibilidades de maior autonomia profissional. Todavia, a pressão das gestões municipais pelo aumento de produtividade dos residentes e preceptores apareceu como ponto de tensão nos programas e fragilização dos espaços educacionais nas unidades de saúde. É possível afirmarmos que a busca por esta especialidade médica, tal qual relatada pelas egressas, seja quase um desejo de retorno a uma prática liberal da medicina (do controle da agenda e da clientela, do conhecimento e vínculo com os usuários e suas famílias), mesmo que agora institucionalizada?

A garantia de permanência dos especialistas em MFC nos municípios em que se formaram aconteceu apenas no município 1, onde havia um planejamento de contratação desses profissionais, via concursos públicos. Para as egressas entrevistadas, a atuação como médicas de família no setor privado apareceu como uma possibilidade de inserção, mas não foi a primeira escolha ao se formarem. A possibilidade de migração dessa força de trabalho especializada, formada NO SUS para o setor privado poderia então ser considerada um “tropeço” futuro PARA o SUS, caso falte incentivos federais, estaduais e municipais para a ABS?

Consideramos ainda que essa investigação pôde contribuir com a análise de potências e desafios do processo de implantação de novos programas de RMFC, desde o nível federal até o nível local, com reflexões e relatos de experiências que trouxeram novas ações de integração ensino-serviço, e que podem ser utilizadas como base para experiências futuras de implantação dessa modalidade de pós- graduação em municípios e IES.

Com relação às limitações, por ter optado pelo recorte de análise da implantação de novos programas de RMFC, é importante salientar que não se esperava, com essa investigação, descrever a totalidade de relações estabelecidas entre as instituições participantes, ou mesmo tangenciar análises sobre a “cultura institucional” das mesmas. Há que se considerar ainda que, pelo recorte dos objetivos da pesquisa, também não nos foi possível aprofundar sobre as estratégias educacionais de cada um dos programas, os reflexos da existência dos residentes diretamente para as equipes de saúde e para os usuários dos serviços.

125 REFERÊNCIAS

BRASIL. Casa Civil. Lei nº 11.129, de 30 de junho de 2005. Institui o Programa Nacional de Inclusão de Jovens – ProJovem; cria o Conselho Nacional da Juventude – CNJ e a Secretaria Nacional de Juventude; altera as Leis nos 10.683, de 28 de maio

de 2003, e 10.429, de 24 de abril de 2002; e dá outras providências.

_________. Casa Civil. Decreto nº 7.562, de 15 de setembro de 2011. Dispõe sobre a Comissão Nacional de Residência Médica e o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições que ofertam residência médica e de programas de residência médica.

_________. Congresso Nacional. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.

_________. Congresso Nacional. Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera as Leis no 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e no 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências.

_________. Conselho Nacional de Saúde. Série Pactos pela Saúde 2006.

Publicação online. Brasília. 2006. Disponível em:

<http://conselho.saude.gov.br/webpacto/index.htm>

_________. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. A Atenção Primária e as

Redes de Atenção à Saúde. 2015. 127 p.

_________. Ministério da Educação. Edital Nº 3, de 22 de outubro de 2013. Primeiro edital de pré-seleção de municípios para implantação de curso de graduação em medicina por instituição de educação superior privada. Diário Oficial da União. Seção

3. 23 out. 2013. 30-32p. Disponível em:

<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=14 474-edital-mec3-pre-sel&category_slug=outubro-2013-pdf&Itemid=30192> Acesso em: 20 jan. 2019.

_________. Ministério da Educação. COMISSÃO NACIONAL DE RESIDÊNCIA MÉDICA Resolução nº 2, de 27 de agosto de 2015. Adequa a legislação da Comissão Nacional de Residência Médica ao art. 22 da Lei 12.871/2013, acerca do processo de seleção pública dos candidatos aos Programas de Residência Médica. Diário Oficinal

da União. Seção 1. 28 ago. 2015. Disponível em:

<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=20 751-res02-27082015-cnrm-adequa-legislacao-pdf&category_slug=setembro-2015- pdf&Itemid=30192> Acesso em: 20 jan. 2019.

_________. Ministério da Saúde. Portaria Interministerial nº. 610, de 26 de março de 2002. Instituir o Programa Nacional de Incentivo às Mudanças Curriculares para as Escolas Médicas. Diário Oficinal da União nº 61, 1 de abril de 2002. Disponível em: < https://www.jusbrasil.com.br/diarios/496301/pg-75-secao-1-diario-oficial-da-uniao- dou-de-01-04-2002>. Acesso em: 20 jan. 2019.

126 _________. Ministério da Saúde. Portaria nº 198 GM/MS, de 13 de fevereiro de 2004. Institui a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde como estratégia do Sistema Único de Saúde para a formação e o desenvolvimento de trabalhadores para o setor e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 16 fev. 2004. Seção 1, p.37. Disponível em: < http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/MatrizesConsolidacao/comum/13 150.html>. Acesso em: 12 jan. 2019.

_________. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília. 2006. 60 p. (Série A. Normas e Manuais Técnicos) (Série Pactos pela Saúde 2006, v. 4)

_________. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação em Saúde. Política Nacional de

Educação Permanente em Saúde. Brasília. 2009. 64 p. (Série B. Textos Básicos de

Saúde) (Série Pactos pela Saúde 2006; v. 9)

_________. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 1.996, de 20 de

agosto de 2007. Dispõe sobre as diretrizes para a implementação da Política

Nacional de Educação Permanente em Saúde. Brasília. 2007. Disponível em: < http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2007/prt1996_20_08_2007.html> Acesso em: 12 out. 2018.

_________. Ministério da Saúde. O SUS de A a Z: garantindo saúde nos

municípios. Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde. 3. ed. Brasília.

480 p. 2009.

_________. Ministério da Saúde. Portaria interministerial nº 2.087, de 1º de setembro de 2011. Institui o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica. Diário

Oficial da União; Poder Executivo, Brasília, DF, 21 set. 2011, Seção 1, p. 88-9.

Disponível em <

<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/pri2087_01_09_2011.html> Acesso em 05 ago. 2017.

_________. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília. 110 p. 2012.

_________. Ministério da Saúde e Ministério da Educação. Portaria Interministerial

No documento Mariana Fonseca Paes (páginas 130-136)

Documentos relacionados