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Conforme caracterizado no primeiro capítulo deste trabalho, a maternidade pode ser descrita como um evento multidimensional. Mas, embora suas esferas biopsicossociais, bem como suas implicações para as mulheres que vivenciam a maternagem, já venham sendo discutidas na literatura há décadas, pouca e recente é a produção de conhecimento referente à dimensão espiritual do tornar-se mãe.

Embora já sugerida por alguns autores do campo da espiritualidade como experiência passível de transcendência aos valores cotidianos (Boff, 1996; Gutman, 2002), a maternidade ainda é usualmente apreendida de forma reducionista por diversos setores da sociedade ocidental contemporânea. Em especial, destaco o setor saúde, devido ao extenso processo de medicalização dos fenômenos da maternagem ocorrido no século passado (Lessa, 2003) e a atual supervalorização do saber médico, em detrimento do saber das mulheres acerca da maternidade.

Na perspectiva de valorizar o saber do sujeito que experimenta o fenômeno, o presente estudo escolheu então por sujeitos da pesquisa as mulheres que se tornam mães, na busca de compreender a maneira pela qual elas vivenciam a maternidade. Para tanto, escolhi o grupo de gestantes de uma Unidade Básica de Saúde de João Pessoa, PB, como campo da pesquisa e nele conheci as três entrevistadas que atuaram como informantes dos dados coletados individualmente.

Como apresentado no segundo capítulo deste trabalho, minha participação nos encontros do grupo de gestantes possibilitou uma maior compreensão do universo da pesquisa e de seus sujeitos, através da descrição das relações destes com a comunidade e com a instituição de saúde local.

Através das entrevistas, pude apreender os sentidos e os significados atribuídos pelas mulheres à experiência da maternidade, analisando-os na perspectiva do saber da espiritualidade.

Os dados coletados mostraram que o ser mãe pode ser uma experiência de força, prazer, amor e fonte de transformações positivas na

vida das mulheres que a vivenciam, mas também pode apresentar-se como uma obrigação familiar e social que violenta suas escolhas e sua liberdade.

Embora não relacionando em suas falas a experiência de ser mãe com uma vivência espiritual (que elas compreendem predominantemente vinculada à religião), as mulheres da pesquisa relacionam inúmeras vezes suas práticas religiosas quando narram suas experiências de maternidade e caracterizam-na como um processo de enfrentamento de medos, transformação e recebimento de dádivas, semelhante às vivências espirituais descritas na literatura aqui referida (Campbell, 1990; Eliade, 1991; Jung, 1976).

Tanto na participação do grupo de gestantes como na análise das narrativas individuais, claro fica o papel do setor saúde na vivência da maternidade das mulheres, e como ora ele se apresenta enquanto facilitador do processo e componente da rede de apoio da mulher e ora como opressor e fonte de sofrimento. No primeiro caso, destacamos as práticas de grupo de educação e saúde que utilizam por ferramentas metodológicas a troca de saberes através de relações horizontais e de valorização do saber popular; no segundo caso destaco principalmente práticas hospitalares de atenção ao parto e puerpério verticais e de subvalorização do saber e da autonomia da mulher sobre seu próprio corpo. No entanto, também aparecem enquanto opositoras à vivência positiva da maternidade as práticas de grupo pautadas ainda na educação bancária

(Freire, 1988), de depósito de saberes na educanda, na perspectiva de supervalorização do saber médico e normatização do ciclo de gestação, parto e pós-parto.

Assim, por tudo isso torna-se fundamental a ampliação do debate acerca da maternagem, tanto na academia quanto nas instituições de saúde e nas comunidades, visando devolver às mulheres o papel de sujeitos de seus corpos e dos fenômenos que neles ocorrem, bem como a compreensão ampla da experiência de ser mãe e de suas múltiplas dimensões, possibilitando a atenção e o cuidado amorosos às mulheres, fundamentais à vivência positiva, transformadora e transcendente da maternidade.

profissionais que o compõem tomarem em conta os dados deste e de outros estudos a fim de refletirem criticamente acerca da inadequação e insuficiência de algumas de suas práticas institucionais. Tal inadequação refere-se ao reforço e/ou reprodução dos aspectos negativos da maternagem descritos acima. Por outro lado, para subsidiar o desenvolvimento de práticas (cujas diretrizes foram em parte aventadas acima) que reforcem e abram caminho para uma vivência transformadora, no sentido positivo, do ser mãe.

Baseando-me nos resultados desta pesquisa sugiro como temas para futuros estudos a apreensão, na perspectiva da espiritualidade, da maternidade em diferentes grupos sociais; a relação da mesma com a sexualidade; a análise dos símbolos e mitos do ser mãe em relação à experiência real da maternidade e a comparação do fenômeno da morte com a parturição.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política nacional de atenção básica / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção à Saúde.

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WINNICOTT, D.W. Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

APÊNDICE

Roteiro invisível das estrevistas

1. Você pode falar das suas gravidezes?

2. O que você sentia na gravidez? Como era estar grávida? 3. Como foi/foram seu(s) parto(s)? O que você sentiu? 4. Como foi/foram o(s) pós-parto(s)? Você amamentou?

5. Em algum momento da gravidez, do parto ou do pós-parto você teve medo? De que?

6. Como enfrentou esse medo?

7. Quais são/eram suas expectativas em relação ao nascimento dos filhos?

8. Houve alguma transformação na sua vida com as gestações e os nascimentos deles? Qual/quais?

ANEXO

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