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Este trabalho teve por objetivo descrever e analisar aspectos sociopolíticos e técnicos do matriciamento como instrumento em Saúde Mental.

A análise da trajetória histórica dos modelos assistenciais em saúde mental permitiu observar que o matriciamento surge a partir de condições de possibilidades criadas pelos próprios processos de transformação desses modelos. Embora todas as respostas assistênciais aos problemas de saúde envolveram algum tipo de padronização ou matriciamento da atenção, evidenciou- se que a Reforma Psiquiátrica, ao promover a criação de uma rede baseada na desospitalização e no atendimento ambulatorial territorializado, gerou as condições objetivas para instituir o apoio matricial como dispositivo ao mesmo tempo político e técnico. Trata-se, ao mesmo tempo, de uma estratégia desenhada para os serviços públicos, caracterizados pela escassez relativa de recursos humanos especializados em saúde mental.

A criação desse novo modelo assistencial tem nas equipes multiprofissionais que atuam na atenção básica um dos seus pilares fundamentais. Como vimos, o matriciamento envolve interações entre matriciadores (especialistas em saúde mental) e matriciandos (profissionais não especialistas em saúde mental). Em trabalhos futuros, seria interessante indagar o que no corpo deste trabalho identificamos como uma relação assimétrica (matriciadores- matriciandos) no contexto de uma política de saúde mental que declara objetivos de horizontalização das relações entre os sujeitos envolvidos (gestores, profissionais, usuários e trabalhadores).

Do ponto de vista dos conteúdos do matriciamento, apontamos a necessidade de refletir acerca dos riscos de instituir uma visão extremamente medicalizada da saúde mental, ao não incluir (ou incluir em menor medida) entre os matriciadores que representem campos profissionais da área psicossocial em sentido estrito (assistentes sociais, psicólogos, antropólogos, entre outros). A

análise de alguns conteúdos dos processos de matriciamento permitiu concluir que existe o risco de que se firme uma visão mais biomédica e menos psicossocial da saúde mental, na contramão dos objetivos da própria Reforma Psiquiátrica.

A necessidade de incluir nas práticas de matriciamento as dimensões sociopolíticas e culturais da saúde mental introduziria importantes desafios para algumas profissões, tanto no que diz respeito à sua participação como matriciandos quanto a sua eventual ação matriciadora. Especificamente com relação ao Serviço Social, salientamos a importância de suas contribuições em aspectos ou problemáticas que se referem a dimensões sociais da saúde mental, em matéria de desigualdades sociais, direitos dos usuários, relações de poder entre usuários e agentes institucionais e formas de organização e ação coletiva nesta área.

Por último, é preciso destacar que não houve qualquer pretensão de exaustividade na abordagem do tema. O caminho percorrido permitiu, apenas, descrever alguns aspectos do matriciamento como instrumento político e técnico e, ao mesmo tempo, identificar questões que merecem ser aprofundadas por novos estudos.

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Anexo 1:

LEI No 10.216, DE 6 DE ABRIL DE 2001.

Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional

decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra.

Art. 2o Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no parágrafo único deste artigo.

Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:

I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades;

II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade;

III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração; IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas;

necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;

VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;

VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento;

VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;

IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental. Art. 3o É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais.

Art. 4o A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.

§ 1o O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio.

§ 2o O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.

§ 3o É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no § 2o e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2o.

situação de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de suporte social, será objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do tratamento, quando necessário.

Art. 6o A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.

Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:

I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário; II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e

III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.

Art. 7o A pessoa que solicita voluntariamente sua internação, ou que a consente, deve assinar, no momento da admissão, uma declaração de que optou por esse regime de tratamento.

Parágrafo único. O término da internação voluntária dar-se-á por solicitação escrita do paciente ou por determinação do médico assistente.

Art. 8o A internação voluntária ou involuntária somente será autorizada por médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina - CRM do Estado onde se localize o estabelecimento.

§ 1o A internação psiquiátrica involuntária deverá, no prazo de setenta e duas horas, ser comunicada ao Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do estabelecimento no qual tenha ocorrido, devendo esse mesmo procedimento ser adotado quando da respectiva alta.

familiar, ou responsável legal, ou quando estabelecido pelo especialista responsável pelo tratamento.

Art. 9o A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários.

Art. 10. Evasão, transferência, acidente, intercorrência clínica grave e falecimento serão comunicados pela direção do estabelecimento de saúde mental aos familiares, ou ao representante legal do paciente, bem como à autoridade sanitária responsável, no prazo máximo de vinte e quatro horas da data da ocorrência.

Art. 11. Pesquisas científicas para fins diagnósticos ou terapêuticos não poderão ser realizadas sem o consentimento expresso do paciente, ou de seu representante legal, e sem a devida comunicação aos conselhos profissionais competentes e ao Conselho Nacional de Saúde.

Art. 12. O Conselho Nacional de Saúde, no âmbito de sua atuação, criará comissão nacional para acompanhar a implementação desta Lei.

Art. 13. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 6 de abril de 2001; 180o da Independência e 113o da República. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Jose Gregori José Serra Roberto Brant