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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No documento mauritasartorigomesferreira (páginas 196-200)

Desde meados dos anos 1980, após a publicação de Evidentiality: the linguistic coding of epistemology por Chafe & Nichols, em 1986, a evidencialidade vem sendo objeto de investigação pela lingüística através das mais variadas perspectivas de estudo: estudos tipológicos, estudos de gramaticalização, estudos relacionados à lingüística cognitiva, à sintaxe e à pragmática.

Para que pudéssemos estudar a evidencialidade observamos como é que o caráter de construção da verdade se manifesta nas línguas, nos atentando para a forma natural através da qual as pessoas lidam com a fonte e a confiabilidade do seu conhecimento. Estando o homem em uma constante atividade de filtrar e atribuir confiabilidade às informações que recebe, ou seja, numa constante tarefa de acreditar ou não naquilo que ouve, devemos observar quais são os papéis do falante e do ouvinte nessa tarefa de valorar as informações.

Neste trabalho, nos propusemos a estudar as estratégias interacionais utilizadas pelos participantes das audiências de conciliação do Procon no sentido de atribuírem credibilidade às suas afirmações, bem como no ato de avaliar as informações prestadas pelo outro.

Feitas essas considerações, procuramos, a seguir, responder às perguntas que orientaram nossa análise e reflexão sobre os resultados obtidos.

1. Qual é a natureza da relação entre evidencialidade e modalidade epistêmica?

Conforme pudemos verificar no capítulo 2 deste trabalho, uma das estratégias comunicativas essenciais ao sucesso de uma interação é a indicação ou ocultação das fontes das informações expressas pelos falantes em seus discursos. Com esta finalidade, as línguas são dotadas de recursos e formas através das quais se faz referência à fonte de informação. Ao domínio semântico relacionado à expressão da fonte de uma determinada informação expressa pelo falante damos o nome de evidencialidade. Como perspectivas de estudo que têm se dedicado à análise da evidencialidade, podemos citar estudos tipológicos, estudos de gramaticalização, estudos relacionados à lingüística cognitiva, à sintaxe e à pragmática.

Nos estudos a respeito da evidencialidade o que observamos é a realização de uma ligação direta entre as fontes de informação e a atitude epistêmica do falante, em razão do fato de, em muitas línguas, os marcadores lingüísticos que codificam esses domínios semânticos serem quase sempre os mesmos. A natureza da relação entre esses dois domínios ainda é, portanto, um dos problemas enfrentados pelos estudiosos do tema.

Observamos que embora não haja dificuldades na compreensão dos atos de 1) fornecer a fonte da informação e 2) indicar o comprometimento do falante com relação à verdade da informação, o mesmo não ocorre quanto à nomeação de tais atos, tornando-se mais delicada a distinção entre os termos evidencialidade e modalidade. Esta questão dividiu os estudiosos em quatro posições que defendem a disjunção, a inclusão, a sobreposição e, finalmente, a neutralidade entre os dois domínios.

Não obstante ser mais comum na literatura a respeito da evidencialidade e da modalidade encontrá-las numa relação de inclusão, seja considerando a evidencialidade num sentido amplo, abrangendo a modalidade epistêmica, seja considerando a modalidade epistêmica como abarcando a evidencialidade, acreditamos que uma melhor postura a respeito da questão seja a posição de neutralidade. Isto porque, acreditamos que os marcadores ou estratégias evidenciais têm por finalidade indicar o grau de evidência que um determinado falante possui para a sua afirmação, cabendo ao ouvinte a interpretação do valor modal daquela afirmação. Acreditamos, assim, que a evidencialidade e a modalidade epistêmica, mesmo que por vezes recorram a uma mesma forma de marcação lingüística, constituam domínios distintos.

A atitude epistêmica do falante deve ser considerada quando se tratar de situações em que o mesmo deva de fazer juízos de valor sobre a informação. A fonte da informação, por outro lado, deve ser prestada nas ocasiões em que caiba aos participantes a negociação acerca da confiabilidade da informação. Em situações de conflito como as audiências de conciliação analisadas neste trabalho, dada a oposição entre os interesses dos participantes envolvidos, a atribuição de credibilidade e confiabilidade ao que está sendo por eles afirmado torna-se essencial. Isto porque nesse tipo de encontro, falantes e ouvintes geralmente refutam ou encaram com descrédito as informações prestadas pelo seu oponente.

Portanto, na tentativa de fazer com que suas informações sejam julgadas confiáveis, cabe aos participantes propiciarem a atribuição de credibilidade às suas informações, através do fornecimento de evidências. O falante, assim, ao fornecer a

fonte de evidência de uma informação, tem como objetivo suscitar a opinião e a crença do ouvinte, e não simplesmente adotar uma postura de avaliação daquilo que está dizendo.

Além disso, observamos que, por se tratar de uma disputa de interesses, não há um alinhamento entre falantes e ouvintes. Ao contrário, nas audiências de conciliação, o papel dos participantes, como vimos, é o de desqualificar as informações um do outro. Acreditamos que não há razões para que o ouvinte, numa interação conflituosa, comporte-se de forma passiva em relação ao que lhe é dito pelo falante; eles necessitam de elementos tais como a fonte da informação para que os seus próprios julgamentos sejam devidamente realizados.

Podemos afirmar, assim, que as evidências possibilitam ao ouvinte criar condições para avaliação da credibilidade ou confiabilidade da fala do seu oponente, participando de forma ativa da construção daquilo que deve ser considerado verdadeiro. Vemos que a evidência tem um caráter dúplice, servindo tanto aos falantes quanto aos ouvintes, possibilitando a construção e a negociação do significado e do sentido da informação. Em outras palavras, vemos que a construção do conhecimento durante a interação é realizada conjuntamente pelos participantes, o que justifica a necessidade de se fornecer evidências.

Neste estudo, no que se refere ao tratamento da evidencialidade, assumimos uma postura que a considere fonte de informação, fonte esta essencial para que tudo aquilo que seja informado pelos falantes seja aceito e considerado verdadeiro pelos ouvintes, em especial os mediadores das audiências, cujo convencimento,

através da valoração das informações, é essencial para a formulação de uma decisão.

Acreditamos que os domínios da evidencialidade e da modalidade epistêmica constituam domínios distintos, apesar de muitas vezes poderem ser sinalizadas por formas ou marcas lingüísticas idênticas. Considerando-se que em situações de conflito o que está sendo dito pelos falantes será posto em dúvida pela parte contrária, os participantes devem agir no sentido de atribuir credibilidade às suas informações. Isto é feito, na maioria das vezes, através do fornecimento de fontes de evidência.

Nesse sentido, se defendemos a idéia de que o objetivo do falante ao fornecer a evidência seja o de adquirir uma adesão do ouvinte, não nos é possível admitir que o falante, ao fornecer a evidência, esteja realizando uma avaliação daquilo que é dito. Por esta razão, adotamos no presente estudo uma postura que trate a evidencialidade em sentido estrito, ou seja, como fonte de informação.

Após todas essas reflexões, por acreditarmos numa maior eficácia da conceituação de evidencialidade em seu sentido estrito no processo de persuasão do outro, bem como o de atribuição de credibilidade às informações, reafirmamos nossa posição no sentido de um maior distanciamento em relação aos estudos da evidencialidade enquanto atitude epistêmica do falante.

2. Como se dá a manifestação da evidencialidade no português brasileiro? Após nossas reflexões teóricas a respeito da classificação da evidencialidade como categoria gramatical, vemos que esta questão carece de um entendimento

No documento mauritasartorigomesferreira (páginas 196-200)