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De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos? São questões do passado, presente e futuro da humanidade, e apesar de estarmos nos fazendo essas mesmas perguntas há séculos, ainda não chegamos a uma resposta, talvez nunca cheguemos. Justamente nesse espaço sem resposta, essa lacuna que carregamos, nos permite, das formas mais sutis, transmitir nossas faltas, contar nossas histórias, criar formas e mecanismos que de alguma maneira não nos deixe carentes de identidade.

Ao longo da história, inventamos mitos e deuses para explicar o que ainda desconhecíamos, desenhamos em paredes de cavernas o nosso cotidiano, criamos símbolos, signos, estudamos a natureza, inventamos as ciências, a arte, a filosofia, catalogamos compulsivamente tudo ao nosso redor, contamos a história de faraós, reis, presidentes e de seus povos. Todo esse legado de conhecimento faz parte da nossa memória enquanto humanidade, e é inegável a importância dela – da memória– para quem somos.

Ao fim deste trabalho de conclusão de curso surgem muito mais questionamentos do que resultados concretos, mas quando avaliamos mais de perto a memória como algo pessoal, fica mais fácil entender alguns de seus mecanismos. Seja olhando um álbum de fotografia na casa dos seus pais, ou recebendo notificações de uma rede social, informando que uma publicação completou três anos, temos a confirmação e relembramos da nossa própria existência através do olhar da memória.

Durante esse ano de pesquisa e construção da instalação O Corpo Memórico, a proposta de criar uma experiência corpórea para memórias externalizadas pela tecnologia proporcionou um contato muito íntimo com as memórias de diversas pessoas, e através desse contato, dos relatos pessoais e a interação com a instalação, notou-se que a maior experiência corpórea proporcionada pela memória é uma emoção: a saudade. Assim como neurologicamente a memória está intrínseca à emoção nos nossos cérebros, a manifestação de memórias externas a nós tem também uma resposta emocional em nossos corpos, o que nos leva a crer que somos muito mais do que os fatos que acontecem conosco ao longo da existência, somos o que sentimos e os significados que damos às nossas ações.

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Durante o período de exposição da instalação, a resposta do público foi positiva. Apesar de sua proposta conceitual, O Corpo Memórico conseguiu o engajamento dos visitantes, que além de interagir com a obra através do sensor, faziam comentário e relatos pessoais associando os objetos e histórias lá dispostas com as suas. Sente-se, portanto, que o objetivo do trabalho de discutir as relações entre memória e tecnologia foi alcançado em certo nível, visto que possibilitou reflexões e trocas entre os interatores que participaram da exposição, transpassando apenas o público acadêmico, alvo do texto. Entre os visitantes, tínhamos estudantes universitários, professores, crianças, e até mesmo pessoas que nunca haviam ido a uma exposição de arte, mesmo assim, como o tema da memória é algo comum a todos, a obra ficou acessível a diversidade de pessoas, suas experiências e interpretações (Figura 26).

Figura 26 – Visitantes do Corpo Memórico

Fonte: Do autor

Um dos pontos essenciais para a construção do trabalho foi a possibilidade de realização das mobilidades acadêmicas, primeiro através da Missão Acadêmica para New York – EUA, em 2015, promovida pelo centro de Artes e Arquitetura da

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Universidade de Caxias do Sul, coordenada pela Profa. Dra. Silvana Boone, com o objetivo de estudar a história da arte, e, também, a arte contemporânea nos principais museus de um dos centros culturais do mundo. A partir dessa viagem foi possível entender e experenciar de forma concreta os contextos históricos e atuais da arte, e foi onde começaram a surgir ideias de projetos que, no futuro, dariam o direcionamento para o desenvolvimento deste TCC.

No ano seguinte, entre setembro de 2016 a fevereiro de 2017, foi realizado um intercâmbio na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, em Portugal. Esse período foi essencial para o desenvolvimento do projeto, já que as novas tecnologias trabalham em um contexto de conectividade, nos vemos envoltos em cenário de troca de fluxos de dados e informações. Dessa forma, o intercâmbio também está inserido nesse contexto de trocas: trocas de experiências de vida, trocas culturais, de conhecimento e de visões do mundo. E, a partir disso, ocorre um enriquecimento coletivo que pode se espalhar cada vez a mais pessoas, promovendo a pluralidade, a criação e expressão de seres que pertencem a um todo gradativamente mais diverso. Através dessa troca constante e das aulas realizadas lá, foram desenvolvidos os primeiros projetos de instalações e experimentação artística com as tecnologias digitais, que deram origem ao Corpo Memórico.

Além disso, em agosto de 2017, a visita ao Festival Internacional de Linguagem Eletrônica (FILE), em São Paulo, também foi uma grande fonte de informação e inspiração, sendo um dos maiores festivais de arte eletrônica realizados no Brasil, o FILE conta anualmente com obras de artistas nacionais e internacionais, que discutem temas relevantes para os contextos da arte digital e eletrônica, como já foi apresentado ao decorrer do trabalho.

E, para finalizar o circuito de viagens que contribuíram para a construção e pesquisa do trabalho, entre fevereiro e março de 2018, visitou-se a bienal internacional de arte digital Némo, nesse ano em Paris – França, que contou com uma programação de seis meses, entre exposições e performances espalhadas pela cidade, que giravam entorno da temática do acaso. Além da bienal, a viagem proporcionou também uma visita ao cemitério Père-Lachaise, destacado na pesquisa da memória apresentada anteriormente. Vale mencionar, ademais, a visitação de grandes centros culturais da arte contemporânea realizados na ocasião, entre eles: o Centro Georges Pompidou e Fundação Louis Vuitton em Paris; a Galeria Nacional

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de Arte Moderna e Contemporânea em Roma; e o museu Stedelijk de arte moderna e contemporânea de Amsterdam. Toda essa movimentação, nacional e internacional, permitiu estar em contato com a produção e com as questões que estão sendo trabalhadas mundialmente nos campos da arte e da tecnologia.

Em tempos de computação ubíqua, vivemos em um momento em que não podemos ignorar a nossa relação com a tecnologia e como ela afeta e transforma nosso cotidiano e nossas vidas. Com o intenso interesse e pesquisa no campo da Internet das coisas (IoT), vemos que as interações entre homem e máquina se tornam cada vez mais invisíveis, muitas vezes não precisamos mais pressionar um botão para tomar uma ação, sensores e algoritmos de inteligência artificial começam a funcionar quase como adivinhos. Mas, ao contrário de um cenário místico de previsão do futuro, são trabalhados dados e análises sistêmicas. Até que ponto esse tipo de tecnologia pode nos trazer qualidade de vida sem torná-la uma sequência de protocolos?

Os objetos ganham uma nova dimensão, uma interconectividade global de informações. Tudo está conectado a uma rede global, tudo está na nuvem, e o que é essa conexão em nuvem senão uma grande memória coletiva externalizada?

Dessa forma, fica à mostra um futuro em que os ambientes respondam às nossas memórias, criem as suas próprias e perpetuem o ciclo histórico, como já vimos, do homem utilizando suas tecnologias buscando significado, dando significância e construindo a sua memória.

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