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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL SÃO PAULO (páginas 103-106)

Essa dissertação foi um trabalho difícil de realizar. Causada por uma experiência prática de atendimento técnico a adolescentes autores de ato-infracional, em cumprimento de medida socioeducativa de liberdade assistida, deu origem a um pré-projeto bastante ambicioso – com uma dupla de conceitos polêmicos –, e reduzido a questões clínicas. Afinal, ao se supor uma relação entre a responsabilidade e a terapêutica na psicanálise, estava-se considerando apenas a responsabilidade subjetiva.

O problema, então, foi que a responsabilidade, desenvolvida por Lacan e pensada junto ao campo da criminologia – que envolve as medidas de responsabilização previstas aos adolescentes infratores –, não se restringia a clínica psicanalítica, forçando-nos a compreender o que os teóricos do direito pensavam a respeito. E foi então que captamos, por um lado, com Lacan, que se tratava de um conceito fundamentalmente jurídico e, por outro, com os autores que se dedicam ao Estatuto da Criança e do Adolescente, que era uma idéia carente de interlocução com outras disciplinas.

Desse modo, não tivemos como escapar de enxergar mais além da clínica e de estabeler uma conversação interdisciplinar. Aliás, dispor-se a isso era de certo atentar a orientação lacaniana, apontada no início do texto “Introdução teórica às funções da psicanálise em criminologia”, que se preocupava com os limites legítimos da psicanálise nessa área e com a possibilidade de recolhimento dos efeitos, sobre o saber psicanalítico, da relação com esse novo objeto.

Logo, nossos primeiros obstáculos foram a percepção da complexidade do problema e a necessidade de abandono de uma parte da pesquisa. Isso significou um esforço de leitura de uma linguagem, de determinada maneira, estranha e de reencontro daquilo que animava a investigação dentro dos novos contornos.

Feito isso, deparamo-nos com uma certa escassez, na psicanálise, de bibliografia específica ao tema da responsabilidade, que nos levou a aproximar da problemática pelas beiradas, pelas questões acerca da relação do homem com o crime e a Lei. Desse modo, entramos numa discussão sobre a culpa – que nos exigiu uma diferenciação entre culpabilidade e sentimento de culpa – e provocou outras necessidades de diferenciação, entre superego e consciência moral e entre gozo e satisfação pulsional.

Hoje, talvez, possamos considerar que nem tudo nessa caminhada aos arredores fosse indispensável, mas, ao mesmo tempo, entendemos que esse era o percurso da psicanálise em relação à questão – pelo menos o itinerário que conseguimos ver durante o mestrado – e que, contribuiu, inclusive, para o nosso alcance dos textos principais, os de Lacan sobre a criminologia.

Em outras palavras, é como se o feitio desse caminho ajudasse-nos a esclarecer, para nós mesmos, alguns pontos que se referem a noção de responsabilidade, embora nem sempre de modo direto, como é com a idéia de culpa. Até porque, como diria Célio Garcia, existe “responsabilidade sem culpa”235.

Vejamos que nosso trabalho talvez não nos permita, de todo, atingir essa inferência de Garcia, mas é curioso perceber que o assunto da culpa aparenta de fato lateral e que, segundo Cristiane Barreto, em certos momentos, poderia ser pensado mais como medo, ansiedade social, do que propriamente culpa.

De qualquer maneira, conseguimos extrair alguns resultados que nos parecem importantes. O principal diz respeito a essa, já falada, constatação de que o conceito de responsabilidade é múltiplo, envolvendo a formulação de saberes distintos. Isso, sem dúvidas, ajuda a nos localizar melhor nos nossos debates e ações do cotidiano com outras disciplinas, no campo socioeducativo, como, por exemplo, o de não propriamente defender o castigo, mas sim uma concepção de jovem que leve em conta a presença inevitável e incurável do fora da Lei na natureza humana e a veemente confimação dessa condição “natural” e “social” no tempo da adolescência.

Melhor dizendo, entendemos que um limite da psicanálise nesse campo é o de não se arvorar a estabelecer qual o tipo de responsabilização que cabe ao Estado

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imputar ao criminoso, mas o de estar atenta a qual é a noção de infrator que está em jogo, se ela condiz com a verdade de que o homem não é todo Lei, mas pode responder pelos seus atos, saber dessa qualidade de sujeito castrado e, quem sabe, até – mas não de forma necessária –, aprender a se virar com ela sem os recursos da ilicitude.

Um outro efeito da escrita da dissertação foi a clareza de que o ECA é, de certo, uma legislação inovadora, também quanto ao conceito de responsabilidade, ao se servir de uma variedade de compreensão sobre o que é o cumprimento de uma medida socioeducativa – se é o acatamento de um castigo limitado e regrado, se é a forma singular de um jovem se virar com os limites impostos pela lei – e, ainda, ao responsabilizar a todos pela garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes, entre os quais estão os direitos à liberdade, à ampla defesa, ao contraditório, etc.

Assim sendo, não nos parece interessante, apesar de compreender a legitimidade das preocupações de Mendéz, pensar a responsabilidade dos adolescentes autores de ato infracional como responsabilidade penal, mas convidar as pessoas a enfrentarem com seriedade – e com responsabilidade – o conceito de socioeducação, que apesar de incluir a dimensão do castigo, não se reduz a ele.

Aliás, o caso Ruana mostrou-nos a importância de uma abertura à responsabilidade subjetiva – que pode advir de um bom encontro do sujeito com um analista –, enquanto a situação de Ruído alertou-nos para um outro importante limite da psicanálise nesse campo, o de não fazer da responsabilidade do sujeito uma exigência ao cumprimento da medida, mas entendê-la, simplesmente, como uma possibilidade a mais de resposta do adolescente durante a sua passagem pelo sistema socioeducativo.

Por fim, foi difícil, mas valeu muito a pena. “Achei”236 que não conseguiria e

também tive a certeza que faria o trabalho ao qual me propus. Concluo com a convicção de que eu teria muito mais por explorar e de que a devida apreensão da concepção de responsabilidade era fundamental a uma possibilidade de se pensar direito as questões clínicas envolvidas numa política de execução de medida socioeducativa.

236

Quisemos, nesse trecho final, usar a primeira pessoa do singular, para enfatizar nossa sensação particular com o término desse trabalho.

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL SÃO PAULO (páginas 103-106)

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