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A cidade de quem passa sem entrar é uma; é outra para quem é aprisionado e não sai mais dali; uma é a cidade à qual se chega pela primeira vez, outra é aquela que se abandona para nunca mais retornar; cada uma merece um nome diferente; talvez eu já tenha falado de Irene sobre outros nomes, talvez eu só tenha falado de Irene.

Ítalo Calvino.

Ao final deste nosso breve passeio pela Pelotas dos anos 1950, notamos que a cidade vivencia neste período uma série de transformações que visam constituir uma nova configuração urbana, rompendo assim com seu passado colonial e elaborando uma nova imagem de cidade, uma Pelotas moderna. Três eram os elementos centrais que passaram a compor este ideal de cidade moderna: a higienização, o embelezamento e a racionalização do espaço urbano. Assim sendo, ser moderna e civilizada era ser salubre o suficiente para evitar o assombro das epidemias consumidoras de vidas, era possuir uma beleza que impressionasse em monumentalidade e requinte, era possuir uma malha urbana racionalmente prática para viabilizar a circulação rápida de homens e mercadorias. Deste modo, esta nova cidade que se constituía era um espaço privilegiado ao devir, onde os signos destes novos tempos eram os edifícios, as novas avenidas, os automóveis, a mecanização do trabalho e as novas tecnologias.

Nesse sentido, modificações como o plano de saneamento, a abertura de largas avenidas, os planos de embelezamento urbanístico, a verticalização do Centro, a remodelação das antigas construções e a automatização dos serviços telefônicos, são interpretados como as mudanças necessárias para atender as demandas geradas pelo processo de modernização urbana. Todas essas transformações contribuem para elaborar esta nova imagem da cidade, uma Pelotas que se desejava ordenada, asséptica e próspera.

Compreendemos também, que a produção de uma cidade é uma obra coletiva. Onde atuam ora, os interesses dos agentes públicos, ora os dos

agentes privados e em alguns momentos verificou-se uma confluência de interesses entre ambas as partes. A expansão das obras públicas e as negociações para a instalação do sistema de Tráfego Mútuo e automatização dos telefones da CTMR ilustram bem este fato. O Poder Público Municipal através da legislação, da criação de obras públicas e das concessões à iniciativa privada, procura estimular a modernização da cidade. Os agentes privados por sua vez, se situavam em ritmo de espera. A cada investida do poder público correspondia a uma tomada de posição da iniciativa privada, às vezes de consonância, às vezes de conflito.

Observamos que o processo de modernização urbana em Pelotas se deu de forma excludente, possibilitando que dentro de uma mesma cidade, fosse possível a existência de duas outras: Uma cidade formal, formada pelo núcleo central e alguns arredores, para onde foram direcionados as principais obras de higienização e embelezamento, cujo desfrute cabia as elites e as camadas médias. E uma cidade informal, localizada nos arrabaldes e vilas operárias, que sofria com a falta ou deficiência de serviços infra-estrutura básica, como água encanada, rede de esgotos, limpeza pública, iluminação elétrica e calçamento. É nesta segunda Pelotas, a cidade real, que reside a classe trabalhadora.

Vimos que o direcionamento dos melhoramentos urbanos para o centro da cidade contribuiu, de forma inequívoca, para a transformação deste na região mais valorizada e, ao mesmo tempo na mais tributada e fiscalizada da urbe. Em razão disso, a área central tornou-se cada vez mais proibitiva as camadas populares. Empurrados para os bairros periféricos, os pobres ficaram impossibilitados de usufruir plenamente dos equipamentos urbanos modernos instalados no centro.

Tentando identificar o perfil dos associados da companhia e os custos econômicos da automatização do serviço telefônico, ousamos nos aventurar no complexo e intrigante campo da História Econômica. Vimos que as possibilidades lucrativas geradas por investimentos, como o Tráfego Mútuo e a automatização, eram imensas. Possibilitando a companhia, nesse período e nos subseqüentes, uma excepcional fase de expansão e crescimento. Fatores estes, que foram fundamentais para que a CTMR consolidasse sua posição como companhia hegemônica na região. Conhecemos um pouco da grande

demanda pelos serviços telefônicos na cidade, onde na maioria das vezes a procura pelos serviços era maior do que a oferta disponibilizada pela companhia.

Podemos observar o processo de modernização dos serviços telefônicos da CTMR sobre uma outra ótica, revelando-nos agora, um ambiente particular, uma companhia das vivências cotidianas e do mundo do trabalho. Compreendemos, através dos depoimentos de alguns ex-funcionários da companhia, como a partir da memória são interpretadas, produzidas e resignificadas as lembranças sobre este período. Através dos relatos orais podemos avaliar também, que uso desta nova técnica introduziu significativas mudanças no universo de trabalho, acarretando inclusive uma despersonificação dos trabalhadores, com a perda do controle do processo produtivo.

Para concluir; o exercício de reflexão que acabamos de realizar sobre a modernização do espaço urbano em Pelotas, visa contribuir para a ampliação do conhecimento sobre o fenômeno da modernização urbanística no Brasil, mais especificamente sobre o contexto do Rio Grande Sul, durante a década de 50. Nesse sentido, os estudos sobre a modernidade urbana das pequenas e médias cidades do interior do Rio Grande do Sul são de grande valor para a compreensão da evolução urbana do estado, das peculiaridades que marcam a realidade de cada localidade, das razões subjacentes de nossas paisagens citadinas e da estruturação social que determina a configuração física de nossas cidades.

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