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Em sua obra, Jane Austen escreveu sobre a situação das mulheres de seu tempo, suas identidades, possibilidades e limitações. Apesar de fazer parte de uma família que apoiava sua carreira, Jane Austen sofreu com as imposições sociais da sociedade inglesa. Para preservar a família, ela não assinava os próprios romances, que faziam sucesso. Após sua morte, seu irmão esforçou-se em perpetuar uma imagem inocente e passiva da autora.

Imposições sociais, embora sensivelmente amenizadas, ainda fazem parte da realidade das mulheres do século XXI. O comportamento em sociedade e as expressões da sexualidade ainda são fatores utilizados para julgar as mulheres. Mas muito maiores são suas possibilidades pessoais e profissionais. E as personagens de The Lizzie Bennet Diaries quebram e subvertem imposições e normas sociais assim como as expectativas do público que esperava repetição e se deparou com a variação, para utilizar os termos de Linda Hutcheon (2006). É importante ressaltar, porém, que da mesma maneira que Austen escreveu sobre a mulher burguesa de seu tempo, Hank Green e Bernie Su escreveram sobre mulheres modernas de classe média e que vivem em uma sociedade liberal.

Os produtores da websérie optaram por se concentrar em um aspecto do texto adaptado, Orgulho e Preconceito, pouco explorado em outras adaptações, as relações femininas. Em The Lizzie Bennet Diaries, existem não apenas mulheres de variadas personalidades, visões de mundo e ambições, elas também são muito importantes nas vidas umas das outras. Cada uma é apresentada ao público de forma que ressalte sua individualidade e sua importância na vida das irmãs e amigas.

Lizzie, nossa protagonista, valoriza muito sua vida profissional e deseja fazer alguma diferença no mundo. Ela passa pelo mesmo tipo de aprendizado que sua contraparte literária, compreendendo melhor as pessoas ao seu redor e reavaliando seus próprios julgamentos. Jane Bennet, apesar de uma aparente fragilidade, luta por sua independência, trabalha duro por uma carreira e se impõe quando magoada ou ameaçada. Charlotte Lu é pragmática e extremamente profissional, e também uma amiga dedicada que se esforça para ver aqueles que ama atingirem seu potencial. Gigi, que esconde um trauma com a sua alegria, encontra forças quando alguém precisa de ajuda. Lydia parece apenas uma jovem festeira e inconsequente, mas é carente e insegura e sempre tenta apoiar as irmãs e a prima.

Assim como Jane Austen utilizou um meio relativamente novo, o romance, para contar uma história da perspectiva feminina, e essa história soava familiar ao público apesar de

conter elementos subversivos, Hank Green e Bernie Su utilizaram um meio inovador – a narrativa transmídia – para adaptar o romance de Austen e apresentar sua visão. Foi através desse meio que eles puderam dar voz e vez a várias personagens, não apenas Lizzie. The

Lizzie Bennet Diaries é uma narrativa coletiva, construída por perspectivas múltiplas, apesar

do título.

A obra se destaca entre as adaptações da obra de Jane Austen por seu formato inovador e pelo foco nas personagens femininas, e são essas características que a fazem relevante para um estudo. Cada adaptador é um autor e cada adaptação uma nova obra, mesmo que com aspectos reconhecíveis, e tanto aspectos familiares quanto os subversivos são dignos de nota.

O objetivo deste trabalho era fazer uma leitura crítica da websérie, discutindo as relações femininas e o papel da mulher na sociedade e investigando os caminhos escolhidos pelos adaptadores. Foi então traçado um panorama dos aspectos pertinentes à criação da websérie, partindo das características da escrita de Austen, passando pela discussão de outras adaptações e a introdução do formato escolhido por Green e Su, e chegando às escolhas ideológicas feitas pelos produtores e a forma como elas foram inseridas no produto final.

Os responsáveis por The Lizzie Bennet Diaries criaram uma obra que adapta o romance de Austen, homenageando a bela narrativa, mas também criticando o julgamento moral e o destino dado a algumas personagens – e que eram comuns na sociedade inglesa do início do século XIX. Além do foco nas personagens femininas, dando destaque aos diferentes ideais de felicidade e às variadas formas de alcançá-los, os produtores mostraram a importância que a cumplicidade e o respeito têm na vida das mulheres. Após conquistar a independência, as mulheres do século XXI precisam reconhecer o poder da união.

REFERÊNCIAS

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