• Nenhum resultado encontrado

O panorama atual do jornalismo desportivo português está recheado de estruturas narrativas necessárias ao desenvolvimento de personagens mediáticas, entre as quais destacamos o herói ou, se quisermos o herói desportivo. Esta personagem específica, tratando-se de uma construção social e interativa (Berg, 1998: 135), resulta, diretamente, do acumular sucessivo de referências positivas ou elogiosas, provindas, neste caso, do trabalho de jornalistas de diferentes órgãos de comunicação social.

A partir dessas referências e dos padrões que elas revelam, confirmamos que o herói se constrói através de conquistas e de feitos grandiosos, tal como indicado pela generalidade da literatura da área. Contudo, não podemos ignorar que aqueles que se consagram através do desporto são menos representativos (Štaud & Oborný, 2015: 327) e subentendem valias menos significativas (Berg, 1998: 135) em comparação com os heróis mais tradicionais. Ora, isto implica afirmar que houve um ajuste de critérios. Agora, o dia a dia dos três diários desportivos nacionais, sustentado na contagem de manchetes positivas por protagonista, prova que, em ordem a receber grandes destaques positivos, “basta” que uma figura se assuma como goleador de alguma das principais equipas do futebol nacional e, caso tal não aconteça, pode perfeitamente “bastar” fazer- se sobressair numa das equipas mais importantes do futebol nacional ou liderar, com sucesso ou relativo sucesso, alguma das equipas mais importantes do futebol nacional. Desta forma, entendemos que qualquer um dos principais representantes das equipas de futebol de FC Porto, SL Benfica, Sporting CP e seleção nacional é potencialmente candidato a herói desportivo em Portugal.

Para além de ajudar a provar a padronização da informação desportiva (Domingos & Kumar, 2006: 622) e o domínio total do futebol numa imprensa que se assume desportiva generalista (Domingos & Kumar, 2006: 598; Pinheiro, 2001: 277-278; 394),

esta última constatação vem justificar algumas considerações importantes sobre a figura do herói. Por um lado, reflete o enquadramento cultural do herói, enunciado por Gammon (2014: 247), pois mostra que o processo de criação dos heróis respeita os valores sociais vigentes, neste caso em particular, o interesse do povo português pelo desporto-rei. Numa outra perspectiva, é de realçar que as referências feitas ao futebol compreendem, apenas, a sua vertente masculina. Desta forma, se para os homens, nesta altura, é mais fácil aceder ao estatuto de herói, para as desportistas, em Portugal, essa hipótese nem se coloca, porque, ao invés de falarmos de uma sub-representação como Fink e Kensicki (2002: 327), este cenário já parece configurar uma impossibilidade.

Passando da seleção para a caracterização, através da análise dos principais heróis da imprensa nacional: Cristiano Ronaldo, André Silva, Jonas, Rui Vitória e Bas Dost –, detectamos um desiquilíbrio no número de artigos publicados sobre as figuras retratadas, que dá, afinal, algum cabimento à expressão “unsung hero”, marginalizada por Berg (1998: 135). Sendo verdade que continua a designar um oximoro, pode, também, ser entendida como uma hipérbole, na medida em que, aplicando um exemplo deste caso concreto, enquanto Ronaldo foi representado em 102 artigos da amostra, Bas Dost protagonizou, apenas, 15 e, portanto, foi, comparativamente, muito pouco falado. Por outro lado, ainda no que à contagem do número de artigos diz respeito, o privilégio que O Jogo deu a Silva, atleta do FC Porto, e que A Bola e Record cederam às figuras do SL Benfica e do Sporting CP dão seguimento às tendências verificadas na atribuição de manchetes e, assim, somam-se às evidências registadas de que a imprensa desportiva permanece dividida (Henriques, 2014: 62-63; Silva, 2013: 120), por razões que se relacionam com os conflitos institucionais que ocorreram nos anos 80 (Pinheiro, 2001: 421-422).

Numa acepção geral, os heróis desportivos tendem a ser poupados de representações negativas na imprensa desportiva nacional, mesmo quando ficam aquém das expetativas, o que retira o conceito de “herói danificado” ou “herói defeituoso”, empenhado por Lines (2001: 286), do horizonte. Nos artigos selecionados para amostra, somente Jonas se viu retratado negativamente nos títulos e foi-o, apenas, numa única ocasião, apesar de ter baixado o seu rendimento de forma abrupta, desde o início da temporada de 2016/17 até ao final do ano. Ademais, as duas estórias que motivaram artigos escritos sob o tema “conflitos profissionais” não prejudicaram, particularmente, os heróis. Aquando do incidente de Cristiano Ronaldo com um jornalista da CM TV, a imprensa da especialidade mostrou-se mesmo pouco interessada em abordar o caso, dedicando–lhe não mais do que três notícias pouco destacadas e, deste modo, contradizendo, de certa forma, a sua propensão para abordagens sensacionalistas (Domingos e Kumar, 2006: 618-622).

Inversamente, a tendência identificada para o imediatismo (Domingos e Kumar, 2006: 618-622) mantém-se incontestada. As notícias – forma privilegiada para tratar a atualidade e o imediato – são, claramente, o género jornalístico dominante e isso constata-se ao ponto de tomarmos como exceções quaisquer tipos artigos que não se enquadrem nessa categoria.

Dando, uma vez mais, cobro à ideia de que os heróis são consagrados à luz das suas proezas, destacamos, neste estudo, a importância dos assuntos relacionados com o rendimento individual para a sua caracterização. As personagens mediáticas de Ronaldo, Silva, Jonas e Dost constroem-se, principalmente, com base nos seus méritos profissionais e na influência que têm nas respetivas equipas, deixando claro que o futebol, apesar de ser uma modalidade coletiva, compreende a presença de indivíduos mais aptos do que os outros dentro de cada competição e dentro de cada conjunto. Vitória, por sua vez, distancia-se não só do perfil traçado pelas restantes figuras em análise, como, igualmente, de noções de herói caracterizadas pela coragem ou energia, que alguns dicionários postulam. Ele legitima-se, sobretudo, por feitos com uma dimensão grupal e, sendo treinador, aquilo que ressalta não são os seus golos, defesas ou assistências, mas, antes, a sua capacidade de gerir, liderar e representar a equipa principal de futebol do SL Benfica.

No entanto, por vezes, a construção do herói desportivos vai além da descrição dos seus resultados. Os artigos acumulados sobre curiosidades, que noutros contextos teriam pouco ou nenhum valor informativo, provam que, conforme relatava Hughson (2009: 86), o lado estético da performance, também, é valorizado na construção das figuras heroicas e que essas são, realmente, objetos de grande escrutínio mediático (Lines,

2001: 287; Berg, 1998; 139; Boorstin citado Berg, 1998: 137).

Finalmente, e ainda que se confirme o recurso insatisfatório a fontes de informação já característico da imprensa da especialidade (Rowe 2015: 387-388), vale a pena registar que a grande maioria dos testemunhos que se identificam nos artigos protagonizados pelos heróis desportivos citam o próprio retratado ou, então, o seu entorno profissional. Desta forma, entendemos como natural a tendência para que se acumulem referências favoráveis/oportunas à perspectiva do herói representado.

Referências bibliográficas

Aguiar, A. D. R. (2015). Evolução da Imprensa Desportiva Portuguesa (1946-2006). Dissertação de Mestrado, Universidade Fernando Pessoa, Porto, Portugal.

Berg, L. R. V. (1998). The sports hero meets mediated celebrityhood. In MediaSport (chapter 9, 134-153). Consultado em novembro 30, 2016, em

https://books.google.pt/books?hl=pt-PT&lr=&id=aGfQ-

lCe4xkC&oi=fnd&pg=PA134&dq=The+sports+hero+meets+mediated+celebrityhood& ots=LcpqIZHyqD&sig=QRXPHiMMDM-

P65mvmqfDSLsyHt0&redir_esc=y#v=onepage&q=The%20sports%20hero%20meets% 20mediated%20celebrityhood&f=false

Carroll, J. (2010). The tragicomedy of celebrity. Society, 47 (6), 489-492. Consultado em dezembro 7, 2016, em https://link.springer.com/article/10.1007/s12115-010-9366-7 Correia, F. & Baptista, C. (2007). Jornalistas do ofício à profissão: mudanças no jornalismo português (1956- 1968), (1). Lisboa: Caminho.

Crepeau, R. C. (1981). Sport, heroes and myth. Journal of Sport & Social Issues, 5 (1),

23-31. Consultado em dezembro 7, 2016, em

http://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/019372358100500103

Cunha, L. Entre ideologia e propaganda: a construção do herói nacional. “Jornadas Interdisciplinares Poder e Sociedade, Lisboa, 1995, (1-12). Braga: universidade do Minho.

Dicionário da Língua Portuguesa, 6ª Edição. Porto, Porto Editora

Domingos, N., & Kumar, R. (2006). A grande narrativa futebolística. Sociologia da

Leitura em Portugal no Século XX. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, (1), 575-

638.

Fidalgo, J. (2000). Novos desafios para a imprensa escrita e para o jornalismo.

Consultado março 3, 2017, em

https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/7637/3/Fidalgo%2520J%2520(200 0)_Cronologias%2520media_95-99.pdf

Fink, J. S., & Kensicki, L. J. (2002). An imperceptible difference: Visual and textual constructions of femininity in Sports Illustrated and Sports Illustrated for Women. Mass

Communication & Society, 5(3), 317-339. Consultado a dezembro, 7, 2016, em https://ir.canterbury.ac.nz/handle/10092/636

Flores, R. (2004). Quando o jornalista vira torcedor, como fica a cobertura esportiva?.

Revista Mediação, 5 (4), 63-72. Consultado em março 3, 2017, em http://www.fumec.br/revistas/mediacao/article/view/241

Gammon, S. J. (2014). Heroes as heritage: the commoditization of sporting achievement. Journal of Heritage Tourism, 9 (3), 246-256. Consultado em novembro 30, 2016, em http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/1743873X.2014.904321

Gual, C. G. (2011). Mitos, viajes, héroes (Vol. 187). Madrid: Taurus.

Henriques, T. R. C. (2014). Jornalismo desportivo em Portugal: notícia ou

especulação?: análise das fontes nos diários" O Jogo"," A Bola" e" Record".

Dissertação de Mestrado, Universidade do Minho, Braga, Portugal.

Hughson, J. (2009). On sporting heroes. Sport in Society, 12 (1), 85-101. Consultado em

novembro 30, 2016, em

http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/17430430802472327

Hume, J. (2000). Changing characteristics of heroic women in midcentury mainstream media. The Journal of Popular Culture, 34 (1), 9-29. Consultado em dezembro 7, 2016, em http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.0022-3840.2000.3401_9.x/full

Lines, G. (2001). Villains, fools or heroes? Sports stars as role models for young people. Leisure studies, 20 (4), 285-303. Consultado em novembro 30, 2016, em

http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/02614360110094661

Martins, H. M. L. (2008). Imprensa desportiva: uma análise comparativa entre

Portugal, Espanha e Itália. Dissertação de Doutoramento, Instituto Politécnico de

Setúbal, Setúbal, Portugal.

Maurois, A., & Roberts, S. C. (2014). Aspects of biography. Cambridge: Cambridge university press. Consultado em dezembro 2, 2016, em

https://books.google.pt/books?hl=pt-

PT&lr=&id=yYdxBAAAQBAJ&oi=fnd&pg=PA1&dq=Aspects+of+biograph+Maurois ,+A.,+%26+Roberts&ots=PlhC-

_l3xo&sig=4Vkpot3vRllaDPouS27AljNcQ0I&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false

Mesquita, M. (2003). A personagem jornalística – da Narratologia à Deontologia. M.

Mesquita, O quarto equívoco –O poder dos media na sociedade contemporânea, (1),

Coimbra: Minerva.

Oates, T. P., & Pauly, J. (2007). Sports journalism as moral and ethical discourse. Journal of Mass Media Ethics, 22 (4), 332-347. Consultado em maio 30, 2017, em http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/08900520701583628

Pérez, J. P. D. (2009). Ensayo sobre la cuádruple espectacularidad del periodismo deportivo. Razón y palabra, 69. 1-15. Consultado em maio 30, 2017, em

http://www.redalyc.org/html/1995/199520330048/

Pinheiro, F. (2005). Imprensa desportiva portuguesa: do nascimento à consolidação (1893-1945). Ler História, 49. 171-190. Consultado em jeneiro 29, 2017, em

http://web.b.ebscohost.com/abstract?direct=true&profile=ehost&scope=site&authtype= crawler&jrnl=08706182&AN=43314977&h=0t7sPjN%2fbd%2fstaQ9TOcq19jMDeg% 2frwJwFsBPAozbYidINs3pCMP2hV9wxRPFajPzGlUchc%2bcrkqko4o7hIDBnA%3d %3d&crl=c&resultNs=AdminWebAuth&resultLocal=ErrCrlNotAuth&crlhashurl=login .aspx%3fdirect%3dtrue%26profile%3dehost%26scope%3dsite%26authtype%3dcrawler %26jrnl%3d08706182%26AN%3d43314977

Pinheiro, F. (2001). História da Imprensa desportiva em Portugal. (1). Porto: Afrontamento.

Pité, J. (1997). Dicionário Breve de Sociologia. (1). Lisboa: Editorial Presença.

Queirós, E. (2015). “Gazeta dos Desportos” – 20 anos depois. Record. Consultado em janeiro 2, 2017, em http://www.record.pt/opiniao/linha-direta/detalhe/gazeta-dos- desportos--20-anos-depois.html

Reis, C. (2013). The Special One. Fenomenologia do herói desportivo. Comunicação &

Educação, 18 (2), 63-74. Consultado em novembro 30, 2016, em

http://www.periodicos.usp.br/comueduc/article/view/68331

Rowe, D. (2007). Sports journalism: Still thetoy department'of the news media?. Journalism, 8 (4), 385-405. Consultado em maio 30, 2017, em

http://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/1464884907078657

Silva, A. S. B. (2013). O clubismo na imprensa desportiva portuguesa. Dissertação de Doutoramento, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal. Silveira, P., & Marôpo, L. (2014). Jornalismo e Construção Social da Realidade: um contributo para o debate teórico. Revista Comunicando, 3, 7-19. Consultado em 12 dezembro, 2016, em http://www.revistacomunicando.sopcom.pt/ficheiros/20141219- 0_2.pdf

Sobral, L., & Magalhães, P. (1999). Introdução ao jornalismo desportivo. (1ª edição). Lisboa: Cenjor e SNID.

Štaud, O., & Oborný, J. (2015). Hermeneutics of (sport) heroism. Jounal of Human

Sport and Exercise, 10 (1), 320-329. Consultado em novembro 20, 2016, em http://rua.ua.es/dspace/handle/10045/52350

Strate, L. (1995). The faces of a thousand heroes: The impact of visual communication technologies on the culture hero. Atlantic Journal of Communication, 3(1), 26-39.

Consultado em janeiro 2, 2017, em

http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/15456879509367275

Vargues, I. N. (2003). A afirmação da profissão de jornalista em Portugal: um poder entre poderes?. Revista de História das Ideias, 24, 157-175.

Whitt, D., & Perlich, J. (2014). Myth in the Modern World: Essays on Intersections with

Ideology and Culture. Consultado em dezembro 1, 2016, em

https://books.google.pt/books?hl=pt- PT&lr=&id=ikZXAwAAQBAJ&oi=fnd&pg=PP1&dq=Myth+in+the+Modern+World: +Essays+on+Intersections+with+Ideology+and+Cultur&ots=eodaaYgvvO&sig=uZkv- OG- aYge3OFZiBIZmkN7NVk&redir_esc=y#v=onepage&q=Myth%20in%20the%20Moder n%20World%3A%20Essays%20on%20Intersections%20with%20Ideology%20and%20 Cultur&f=false

Yánez, C. I. (1995). El balón puede esperar. Chasqui. Revista Latinoamericana de

Comunicación, 51, 48-51. Consultado em maio 30, 2017, em http://chasqui.ciespal.org/index.php/chasqui/article/view/2264

Documentos relacionados