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1. Da análise das reuniões de planificação ressalta a diversidade, quanto ao seu conteúdo, do tipo de problemas discutidos — respeitantes a

aspectos da Matemática, da didáctica e organizacionais — o que nos permite de imediato afirmar que neste contexto de trabalho em colaboração estiveram envolvidas diversas componentes do conhecimento profissional das professoras. Esta evidência permite-nos concluir que, mesmo quando se discute à volta do papel do professor no âmbito restrito da sua prática lectiva, não são apenas saberes da área da didáctica que estão presentes.

Os problemas do campo da didáctica foram, no entanto, aqueles que surgiram em maior número e que ocuparam mais tempo de discussão. Não é, contudo, de estranhar que estes constituam um foco privilegiado de atenção por parte destas professoras, se tivermos presente que estão a aplicar pela primeira vez um novo programa no 11º ano que se distingue do anterior sobretudo no campo das abordagens metodológicas e na diversificação de instrumentos de avaliação. Entre os aspectos inovadores, pode ler-se no novo programa:

A emergência das calculadoras com capacidades gráficas (...), e no que respeita à organização dos temas e ao seu desenvolvimento, bem como às metodologias utilizadas, há alterações significativas, não só porque foram excluídos alguns conteúdos de cada tema, mas principalmente porque foram organizados de outro modo (...) Em muitos aspectos, a organização dos temas incluem informações (...) sobre novos tipos de instrumentos de avaliação. (DES, 1997, p. 1-2)

O sentido que mais tradicionalmente se associa à palavra planificação tem a ver com a actividade de preparar a acção de ensinar do professor junto dos seus alunos (Tyler, 1950). No entanto, a evidência recolhida permite-nos encarar as coisas de outro modo. Por outras palavras, os problemas identificados não foram apenas discutidos numa perspectiva

de preparar a acção, mas englobaram também momentos de reflexão sobre a acção desenvolvida, permitindo desenvolver uma análise crítica conjunta que contribuiu para um maior aprofundamento das questões já discutidas. A reflexão sobre a acção parece ter estado sempre associada ao objectivo claro de compreender melhor a acção desenvolvida e as suas implicações de forma a encontrarem-se modos de intervenção ajustados para futuro. Falamos, por exemplo, da decisão de valorizar outros momentos de avaliação, quando se chegou à conclusão de que a forma como o primeiro teste foi elaborado pode ter levado a algumas respostas incorrectas dos alunos ou de retomar no processo de ensino- aprendizagem certos conteúdos considerados insatisfatoriamente consolidados pelos alunos. Deste modo, a evidência apontada vai no sentido afirmado por Pacheco (1996) de que “a planificação tem por função a orientação da acção do professor, abarcando as decisões didácticas tomadas pelo professor antes, durante e depois da aula” (p. 115).

2. Poucos foram os problemas que as professoras remeteram para uma via externa, o que poderá levar-nos a concluir que estas professoras, enquanto grupo, evidenciam um elevado grau de autoconfiança e de autonomia, mesmo num ano lectivo em que aplicavam pela primeira vez um novo programa.

Houve dois processos que emergiram com maior frequência e atravessaram problemas de todas as três áreas consideradas: a análise a consulta. Em particular, no desenvolvimento do processo de análise, ao longo das discussões ressaltaram dois tipos de procedimentos que as percorreram transversalmente: a negociação e a completação. A

negociação concretizou-se através da apresentação de posições com a sua respectiva argumentação e defesa. Razões de ordem didáctica acompanhadas da partilha de experiências desempenharam um papel central na argumentação, o que vem reforçar a ideia de que o conhecimento profissional do professor é um saber essencialmente prático (Elbaz, 1983). Para além disso, foram múltiplos os momentos em que uma ideia avançada por uma das professoras era completada, melhorada e desenvolvida pelas outras duas, como aliás se pode observar dos diversos extractos de reuniões apresentados. Por outras palavras, as professoras iam-se completando, podendo-se mesmo afirmar que a discussão, em muitos momentos, foi rica e profícua, devido ao facto de ter sido feita no colectivo.

Um terceiro aspecto que caracterizou diversos momentos de discussão foi a dispersão, entendida como o desviar-se a atenção para outro subtema, dentro do mesmo problema. Assim, não estamos a falar numa dispersão para assuntos de outra natureza, mas sim o iniciar a discussão sobre outra questão, que poderá envolver outras subquestões, retomando- se mais tarde o assunto inicial. Pensamos que este fenómeno é natural num processo de raciocínio, uma vez que certas ideias podem dar origem a outras, através de associações diversas e, embora isso possa igualmente ocorrer num trabalho individual, decerto que é ampliada numa situação de trabalho colectivo.

Em termos globais foi seguido ao longo das planificações um modelo cíclico e não linear, através de fases sucessivas de elaboração, confirmando o defendido por outros autores (Broeckmans, 1984; Yinger, 1977, in Pacheco, 1996). A exploração de tarefas a propor aos alunos

tomou um lugar de destaque entre outros temas igualmente discutidos, como sejam, os conteúdos, as abordagens metodológicas e a avaliação.

O recurso a diversos tipos de materiais foi uma constante. Em particular, a consulta ao programa feita de forma sistemática, tanto como ponto de partida, como de validação de hipóteses formuladas, faz pensar que estas professoras tiveram uma grande preocupação em serem tão fieis quanto possível às novas orientações programáticas. Os campos onde incidiu esta consulta disseram respeito tanto aos conteúdos matemáticos, como às metodologias, muitas vezes concretizadas através de tarefas retiradas das brochuras.

3. Tendo em conta o número de problemas resolvidos poder-se-á dizer que nestas reuniões se verificou um elevado nível de resolução dos problemas. Nem todos foram, contudo, resolvidos de imediato. Alguns deles tiveram de ser retomados por diversas vezes, podendo isto querer dizer que estamos perante problemas que, embora resolúveis, apresentam níveis de dificuldade diferente.

Da evidência recolhida houve um grupo constituído por dois problemas — “Estatística não leccionada no 10º ano” e “Formas de recuperação da matéria não leccionada” — que se caracterizou por ser de nível de dificuldade muito elevado, tendo sido retomado três vezes, em cada caso. Duas ordens de razões explicativas desta situação poderão ser avançadas. Por um lado, as professoras não sentiam urgência na resolução destes problemas, pelo que se permitiram desenvolver um processo de construção e de maturação das suas ideais. Por outro lado, estes dois problemas estão fortemente relacionados com aspectos inovadores, isto é, com domínios claramente distintos daqueles onde

incidem as suas práticas. Deste modo, parece-nos possível poder concluir que a inovação está directamente relacionada com o grau de dificuldade do problema e do tempo que leva a ser resolvido.

Como já foi anteriormente afirmado, o reduzido número de problemas identificados do saber sobre a Matemática, nenhum deles retomado e em grande parte resolvidos, leva-nos a concluir que esta área não levanta muitas questões a estas professoras. Este facto é confirmado pelo modo como discutem os temas matemáticos ao longo de outras discussões. Assim, podemos afirmar que estas professoras revelam um elevado grau de preparação na área do conhecimento sobre a Matemática escolar. A elevada experiência de Carmo e Rosa no ensino secundário pode, em parte, explicar este facto. Recorde-se que são professoras que têm leccionado há vários anos este ciclo de escolaridade e são vistas pelos seus pares como professoras competentes. Maria muito embora seja, das três professoras, aquela que tem menos anos de experiência profissional, aliás é a primeira vez que lecciona o 11º ano, já trabalhou com estes temas através de algumas explicações que dá a alunos de outras escolas. Para além disso, a forma responsável pela qual parece encarar a profissão, que lhe foi permitindo adquirir progressivamente um lugar de respeito profissional no grupo disciplinar da escola, poderão, em parte, explicar por que é que para ela a área do saber sobre a Matemática também não constitui um campo especialmente problemático.

4. O objectivo à partida na discussão de qualquer um dos problemas pareceu ser o da procura de uma solução comum. No entanto, nem sempre tal foi possível, quer devido à especificidade das turmas destas professoras, quer às características particulares pessoais que as

distinguem. Este é, por exemplo, o caso do forte interesse pessoal de Rosa em utilizar o computador nas suas aulas ou de alguma resistência de Carmo em pôr em prática abordagens que sejam totalmente distintas das experiências de ensino por si vividas.

O facto de se verificar, por vezes, diversidade na prática lectiva destas professoras não pareceu nunca ter sido visto como um factor negativo, nem tão pouco como revelador de uma qualificação negativa destas reuniões. Antes pelo contrário, sempre que foi discutida a possibilidade de se fazerem coisas diferentes nas turmas, esta ideia foi aceite com naturalidade pelas três professoras. Cada professora sempre gozou das margens de liberdade que o grupo sempre reconheceu como imprescindível. O direito à diferença parece ser um pressuposto à partida, respeitado ao longo deste trabalho em colaboração. Isto, contudo, não quer dizer que não se tenha verificado ao longo de todo o ano a preocupação de se tomarem decisões conjuntas.

5. Em termos de tarefas a propor aos alunos decorrentes do trabalho realizado no contexto destas reuniões foram identificados três processos: a utilização de tarefas retiradas de material disponível; a adaptação/reformulação de tarefas recolhidas a partir da mesma fonte; e a criação de novas tarefas. O material que serviu de fonte de recolha de tarefas foi muito variado, nele incluindo-se as brochuras do Ministério de Educação, o livro adoptado na escola, outros livros de texto, fichas de trabalho e testes de avaliação elaborados, quer pelas professoras em anos anteriores, quer por outros professores, da escola ou não, e exames nacionais.

A opção pela utilização directa ou pela adaptação de tarefas decorreu da apreciação que, em cada caso, as professoras fizeram das tarefas, em particular se ia ou não de encontro aos objectivos que com cada uma queriam atingir. Esta apreciação decorreu de um processo de discussão e exploração da tarefa, acompanhada da sua resolução feita, quer em termos gerais, quer passo a passo. Quando se tratou de adaptar tarefas, esta actividade ficou a cargo de uma ou outra professora a ser realizada fora do espaço das reuniões.

A criação de novas tarefas surgiu, ainda a nível do grupo, em duas situações especiais: quando se elaboraram instrumentos de avaliação ou se propuseram aos alunos trabalhos a desenvolver fora da sala de aula, com objectivos muito específicos. Mais uma vez, a conclusão da elaboração de novas tarefas foi feita individualmente e fora do espaço das reuniões.

Em nenhum dos casos observados foi reconhecido que se optou por utilizar algo já feito em detrimento da sua reformulação ou criação de um nova tarefa por razões ligadas ou à vontade de não se ter mais trabalho ou por sentimentos de incapacidade. A evidência recolhida leva-nos a afirmar que este grupo de professoras revela autonomia e capacidade para construir ou adaptar tarefas a propor aos alunos sempre que razões pedagógicas assim o determinam.

6. Tendo em conta a evolução ao longo do tempo, algumas diferenças detectadas poderão tomar um novo sentido. Quanto ao conteúdo dos problemas discutidos ao longo das reuniões parece poder-se falar de uma tendência que parte de uma maior diversidade de temas em discussão para uma maior concentração em torno de um número mais reduzido. O

número de problemas foi sendo reduzido ao longo do ano lectivo, mantendo-se, no entanto, a duração das reuniões. Esta variação não é contudo linear. São caso de excepção as reuniões tidas em 22 de Março e 27 de Abril (última do 2º período e primeira do 3º), onde se verifica novamente uma maior variedade de temas em discussão. Se, no entanto, esta análise for feita por áreas e subáreas dos problemas, a tendência é confirmada para algumas delas. Verifica-se um decréscimo claro nos problemas da área do saber sobre a Matemática (maior concentração no 1º período, perfazendo 15% do total dos problemas nesse período, enquanto no 2º período perfaz 7%, e no 3º, 10%); uma concentração clara no 1º período e princípio do 2º nos problemas da subárea da avaliação (15% no 1º período, 21% no 2º e 10% no 3º), surgindo no que respeita a construção de testes de avaliação 2 problemas no 1º período, 1 no 2º e desaparecendo totalmente no 3º período ; o mesmo acontecendo com os problemas da área dos saberes organizacionais relativos às concepções (15% no 1º, 7% no 2º e 0% no 3º).

Há dois grupos de problemas que não seguem a tendência apresentada. O do saber didáctico, respeitante ao currículo, que teve uma expressão muito significativa no 1º e 2º períodos (40% e 42% respectivamente) e que sofreu um decréscimo no 3º período (30%). Este decréscimo foi sobretudo devido ao elevado aumento, em termos relativos, verificado no número de problemas dos saberes organizacionais, relativos a aspectos funcionais (15% no 1º período, 21% no 2º e 50% no 3º).

Quanto aos processos identificados não foi observado qualquer tipo de evolução, mas sim foram reconhecidos padrões associados às subáreas a que pertencem os problemas, isto é, os processos dependem da natureza dos problemas e não do período de tempo em que estes foram

desenvolvidos. Há, no entanto, um caso de excepção. Diz ele respeito aos usos dados ao programa. Começando por ser visto como uma fonte importante e indispensável de recolha de informação, com o tempo, foi-se acrescentado uma perspectiva de análise crítica. As professoras passaram não só a procurar compreendê-lo e a interpretá-lo, como também a criticá--lo.

Ainda em termos evolutivos, a evidência recolhida aponta para um aumento do nível de resolução dos problemas relativos às tarefas de planificação. Uma maior apropriação do programa e um maior conhecimento, quer das regras e formas de funcionamento do trabalho colectivo, quer das próprias turmas, poderão ter contribuído para esta evolução.

7. A análise apresentada evidencia a complexidade e a exigência de uma planificação conjunta. Iremos apresentar dois exemplos ilustrativos. Um deles diz respeito à reflexão sobre o primeiro teste de avaliação. Se atendermos ao que constituiu esta reflexão, apresentado anteriormente um seu extracto, ficamos cientes das dificuldades de uma tarefa deste tipo. Note-se que estas professoras já tinham ocupado grande parte de uma reunião anterior a elaborar o teste, o nível de discussão não tinha sido superficial, tiveram a preocupação em definir um conjunto de aspectos relativos ao instrumento de avaliação e, no entanto, muitas questões não foram abordadas, como sejam, as implicações da forma como se questiona e da ordem pela qual as perguntas são apresentadas, aspectos estes que foram apenas identificados pelas professoras na fase de reflexão. Deste modo, embora tenha havido cuidado e profissionalismo na elaboração do teste, esta ficou aquém da qualidade que as próprias

professoras desejariam, tendo em conta as críticas que elas mesmo mais tarde formularam.

Um segundo exemplo ilustrativo diz respeito ao facto de, embora se tenha procurado manter a realização destas reuniões ao longo de todo o ano, tendo a taxa de presença de cada professora sido elevadíssima (93% para cada professora), nem tudo foi conjuntamente planificado. Esta conclusão decorre do facto de, em diversas reuniões, se ter pedido a uma ou outra professora para dar conta daquilo que tinha feito nas suas aulas.

A dificuldade em planificar decorre também de um outro aspecto directamente relacionado com o facto do trabalho ter sido desenvolvido em conjunto. Este contexto leva à necessidade de uma maior explicitação de aspectos, não sentida quando se trabalha individualmente. Mas maior explicitação leva à emergência de novas questões que implicam nova discussão e assim sucessivamente.

Em todas as reuniões ocorreu aprendizagem, alguma dela explicitada mesmo pelas professoras. No entanto, o facto destas se reunirem durante largo período de tempo e trabalharem seriamente não é condição necessária e suficiente para a realização de um trabalho de planificação acabado e para elas totalmente satisfatório.

8. Não é possível afirmar-se, caso não tivesse havido este trabalho conjunto ao longo do ano, se estas professoras não iriam elaborar um documento de reflexão sobre o decorrer do ano lectivo. É, no entanto, possível dizer-se que este contexto de trabalho em colaboração foi favorável ao surgimento da necessidade de elaborar um texto deste tipo, bem como à sua concretização. Outra razão que certamente pesou, e que está directamente relacionada com a anterior, diz respeito ao facto de se

estar a aplicar pela primeira vez um novo programa, sentindo estas professoras dificuldades várias para a sua concretização em tempo útil, levando-as mesmo a sentirem-se preocupadas e ansiosas. Tal como referem, “existe um sentimento de ansiedade pois as professoras sentem que não estão a cumprir o programa na sua globalidade” (versão final do documento, p. 1).

Da reflexão desenvolvida e da análise apresentada ressalta haver, por parte destas professoras, uma boa aceitação das linhas orientadoras gerais do novo programa e a comunhão de um sentimento de esperança no futuro, depois de ultrapassada esta fase de transição. O empenho e dinâmica que imprimiram no desenvolvimento deste documento, levou à implicação das suas colegas do 10º ano, alargando assim o seu âmbito de adesão.

Não é habitual, nas escolas portuguesas, ver-se professores a escrever documentos de reflexão sobre a sua prática endereçados ao Ministério da Educação. Assim, consideramos que a interface realizada entre estas professoras e o contexto, relacionado com o trabalho conjunto desenvolvido, é um aspecto a ressalvar.

9. A partir da análise apresentada é possível tecer algumas considerações sobre o contributo que cada professora individualmente parece ter dado ao trabalho em colaboração. Podemos avançar com a hipótese de que as competências de organização de Maria contribuíram decerto para o elevado nível de resolução dos problemas, evitando, nomeadamente, um alto grau de dispersão; que a importância que Rosa atribui à reflexão, ajudou ao aprofundamento das discussões e à existência de balanços retrospectivos realizados; e que a larga experiência

de Carmo, acompanhada pela sua sistemática preocupação em validar as propostas com o programa, permitiu associar às decisões tomadas um sentimento de auto-segurança por parte das professoras.

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