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NO OESTE DE MATO GROSSO DO SUL: reflexões que capturam a fronteira e

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esses dois estudos de caso indicam que é apenas a partir da compreensão da ação social dos indivíduos, que se torna possível superar o dogma da soberania, que pressupõe a fronteira apenas como um limite estático e monolítico do Estado Nacional ou como um território totalmente subordinado ao poder central. As cidades fronteiriças se constituem como um campo de disputas por trabalho, rotas comerciais e pelo espaço da rua (como fonte de

DIMENSÕES E “REALIDADES”: a FRONTEIRA em seus diferentes matizes Página 63 recursos econômicos e sociais), onde se dão também os processos de integração formal e informal de grupos sociais entre países. Neste sentido, a etnografia, como método de pesquisa antropológica, pode fornecer as ferramentas para entender o trabalho desses indivíduos a partir do ponto de vista dos mesmos, o que permite, por sua vez, uma melhor compreensão das relações indissociáveis entre o que se convencionou chamar de economia “ilegal” e “economia” propriamente dita. È na vida das ruas da cidade de Corumbá e das cidades bolivianas vizinhas que podemos enxergar as relações sociais envolvidas nessas modalidades de trabalho e a capilaridade deste fenômeno na vida dessas cidades de fronteira. Sendo assim, nessas pesquisas realizadas na fronteira Brasil-Bolívia, ressaltamos que as modalidades de trabalho, consideradas ilegais pelo Estado não podem ser subestimadas em sua importância na economia das cidades fronteiriças de Corumbá/ Ladário – Puerto Quijarro/ Puerto Suarez. Para termos a medida real do lugar que ocupam essas economias “informais”, “ilegais” ou “criminais” na economia urbana desta fronteira (e para além dela em seus circuitos de passagem de pessoas e mercadorias), além das formas complexas de sua imbricação na economia dita “formal” e “legal”, devemos estar atentos às formas difusas e mutantes em que essas modalidades de trabalho se apresentam no cotidiano, com grande extensão e multiplicação de atores sociais implicados, que usam o “diferencial fronteiriço” como um recurso (PERALDI, 2007). De acordo com este autor, a economia criminal funciona como um “sistema de regulação e divisão desigual”, em que “todo mundo toca um pouco nos benefícios do comércio”, o que se reflete na possibilidade de promoção social e econômica para numerosos atores sociais, implicados em uma vasta gama de negócios laterais à sua atividade “criminosa” (PERALDI, 2007: 120). Autores como Vera Telles (2009) entendem que as relações que se constroem entre o lícito, o ilegal e o ilícito constituem um fenômeno transversal na experiência contemporânea. Em suas pesquisas esta autora procura compreender de que forma os “representantes da ordem” atuam nos negócios infomais e ilegais através de chantagem e da extorsão, “definindo, em grande medida, os modos como esses mercados se organizam e se distribuem nos espaços urbanos” (TELLES, 2009: 154)

DIMENSÕES E “REALIDADES”: a FRONTEIRA em seus diferentes matizes Página 64 É neste sentido que enfatizamos a necessidade de adotar uma mudança no olhar, para compreendermos as modalidades de trabalho “ilegal” na fronteira, afastando-nos da dicotomia que associa o “Bem” ao trabalho legal/formal e o “Mal” ao trabalho ilegal/informal. Esta divisão absoluta existe, em grande medida, apenas como discurso oficial, distante da realidade empírica observada, na qual atores sociais, em graus variados de participação e aquisição de lucro “ilegal”, estão envolvidos nessas atividades. Somente a partir das pesquisas empíricas e da produção de um novo olhar sociológico diante desses fenômenos é que será possível compreender a complexidade da vida nas fronteiras e os conflitos existentes entre a lógica das populações locais e a lógica do Estado. Além disso, é preciso entender como esses discursos oficiais e de atores sociais interessados acabam por criar reforçar, na cidade de Corumbá, o estigma sobre os bolivianos, que estariam associados às práticas comerciais consideradas como ilegais pelo Estado, revelando conflitos e disputas pelo poder na fronteira.

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