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Os resultados e discussões apresentados neste trabalho se originaram de alguns questionamentos acerca do estatuto da disciplina escolar Geografia, os quais nortearam a pesquisa. Nossas indagações partem do pressuposto de que os elementos que compreendem a educação geográfica, no contexto atual, resultam de um construto histórico permeado por um conjunto de elementos geográfico e educacional de cunho social, político, material e cultural que direcionam a trajetória dessa disciplina ao longo do tempo.

Os recortes e delineamentos metodológicos estabelecidos para esta pesquisa – o contexto entre as décadas de 1870 e 1910, os livros didáticos de Geografia e os sujeitos elaboradores desses livros – apontaram importantes elementos acerca da centralidade reservada ao ensino de Geografia no período aqui retratado. Dentre os enfoques observados, destacaram-se os projetos voltados para a difusão do nacionalismo patriótico, voltado para a exploração e descrição dos elementos históricos e geográficos formadores do território nacional, associados às preocupações voltadas para as inovações pedagógicas de cunho metodológicas, com base nas discussões pautadas no método intuitivo, em detrimento de um ensino livresco, tal como propõe o projeto de reforma do ensino primário elaborado pela Comissão de Instrução Pública, em 1882.

Diante dessas novas demandas, os autores de livros didáticos de Geografia do período, passaram a incorporar nesses livros novos elementos representativos daquele contexto. Contudo, tais inovações não acontecem de forma completa nos livros do período, de modo que, fica evidente a permanência de elementos representativos de uma Geografia clássica de caráter mnemônica e alheia à realidade brasileira, coexistindo com aspectos inovadores, a exemplo da disposição dos conteúdos pelo método expositivo, a valorização de uma geografia especial do Brasil e a inserção de elementos iconográficos por meio de imagens, de figuras cartográficas etc.

A dinâmica da produção de livros didáticos de Geografia nesse contexto também denuncia o lugar de destaque dessa disciplina no contexto escolar e nos programas de ensino da época, evidenciando um grande número de livros publicados no período.

Corroborando com a literatura acerca da temática, as informações catalográficas das obras levantadas, apontou uma concentração dessas publicações no município da corte, além de denunciar uma forte interação entre as empresas privadas, as instituições

governamentais e outros sujeitos sociais, tais como os autores e editores, no processo de elaboração, produção, divulgação e comercialização dos livros didáticos de Geografia. Nesse circuito, por um lado, os trâmites editoriais são de fundamental importância no processo de divulgação e comercialização, e por outro, é correspondido pelo Estado, principal comprador desse produto. Ainda no que confere ao conjunto de editores atuantes nesse mercado, apesar da iminência de pequenas editoras e tipografias, especialmente nas províncias/estados, evidenciou-se a grande atuação de renomadas casas editoriais instaladas no Rio de Janeiro – a B. L. Garnier, a Laemmert & Cia e a Francisco Alves, com destaque para esta última.

Considerando as obras catalogadas e a classificação dessas, no que compreendem aos gêneros, níveis de ensino e aspectos gerais de abordagem geográfica e de destinação da obra, observamos uma grande diversidade de títulos e gêneros, com um significativo espaço para as obras de cartografia.

O levantamento das obras didáticas apontou dois grandes cenários de análise. O primeiro compreendeu as obras didáticas destinadas às escolas em geral, não apresentando uma particularidade no que compreende a abordagem da geografia e a destinação de uma determinada províncias/estado para adoção dos livros. Neste caso, pudemos observar uma centralidade da produção no município da corte, destacando-se as produções destinadas ao ensino secundário.

Quanto aos autores desses livros, identificamos uma multiplicidade de sujeitos, com diferentes formações e atuações, naturais do Rio de Janeiro, mas também oriundos de diferentes províncias/estados.

A partir de uma intersecção feita entre os autores que escreveram para os diferentes gêneros e níveis de ensino foram destacados importantes nomes representativos da geografia do período, apontando para os autores que mais se destacaram na produção didática no período, todos vinculados às grandes editoras instaladas no Município Neutro. Analisando esses autores em seu conjunto, identificamos a atuação de literatos, jornalistas, políticos, sócios de instituições científicas e culturais, a exemplo, do IHGB, das Sociedades de Geografia, das academias literárias e, sobretudo, aqueles que atuaram como professores de Geografia (e História). Alguns se destacaram mais pela prevalência na escrita de livros didáticos de Geografia como é o caso de Joaquim Maria de Lacerda, que teve sua obra reeditada até a década de 1930, e Alfredo Moreira Pinto, por ter escrito vários títulos e por ter

recebido vários prêmios nas exposições pedagógicas. Outros autores, ainda, são anunciados, em primeiro lugar, pelo exercício do magistério e por desenvolver uma atividade intelectual mais variada contemplando os diferentes gêneros e temáticas, como foi o caso do Prof. Raul Villa-Lobos, que publicou importantes obras abordando, dentre outras temáticas, o ensino das ciências naturais a partir do método do ensino intuitivo.

O outro cenário observado resultou do levantamento das publicações de livros didáticos de Geografia regional. Neste caso, apesar de fontes esparsas denunciarem que os livros produzidos no eixo central do Rio de Janeiro circularam no contexto das províncias/estados, por outro lado, foi demonstrada a participação das províncias/estados na produção da Geografia que era ensinada nas diferentes regiões, a partir do fomento de produções locais e escritas por autores naturais do lugar. E, ainda pudemos constatar que, dependendo das relações, interesses e articulações dos sujeitos/instituições - autores, editores e instituições governamentais – de determinadas regiões, há um movimento contrário oriundo das províncias/estados para o centro, conformes pudemos observar no caso da obra do baiano Jerônimo Sodré Pereira e do paraense Carlos Novaes.

No contexto das províncias, ao contrário das obras publicadas no centro, constatamos que as obras destinadas ao ensino primário, foram bem mais expressivas em número do que aquelas destinadas ao ensino secundário. Enquanto este nível teve uma representatividade de 12% das publicações, aquele apresentou 33%.

Em referência à análise do conjunto de autores representativos do contexto regional, assim como no contexto central, em geral, esses apresentavam diferentes formação e atuação, tendo uma grande representatividade o setor educacional, a exemplo de diferentes funções exercidas na Secretaria de Instrução Pública, além dos professores e daqueles que eram diretores e donos de escolas.

Também tiveram bastante significância, no conjunto desses autores, sujeitos com posição social de destaque, a exemplo, de homens com representatividade política no governo, advogados, médicos, engenheiros, militares e pesquisadores, constituindo uma rede de intelectuais entre as diferentes regiões e o centro a partir dos diferentes institutos científicos e culturais, como os IHG e os Gabinetes de Leituras de diferentes províncias/estados, ou ainda, por representações políticas.

Diante do exposto, consideramos que os diversos lugares vivenciados pelos autores de livros didáticos de Geografia, constituem os seus âmbitos de referência, orientando sua atuação enquanto construtores dessa disciplina, direcionando seus posicionamentos, acerca das concepções, da seleção dos conteúdos e metodologia que constituíram historicamente o estatuto dessa disciplina. Assim, esses autores, enquanto sujeitos constituintes da disciplina, se apropriaram de diferentes conhecimentos oriundos desses diversos lugares, descontextualizando-os e recontextualizando-os para o contexto escolar a partir do livro didático.

Para finalizar, ainda salientamos, que o contexto histórico aqui retratado e os elementos por nós abordados ainda merecem outras pesquisas complementares, visando aprofundar a discussão aqui apresentada. Ademais, além da etapa de elaboração e de comercialização do livro didático, lembramos que na outra ponta, ou seja, no contexto social e espacial de apropriação deste produto cultural (seja o professor, seja o aluno ou demais sujeitos) o livro passa a incorporar outros elementos representativos, devido as suas múltiplas faces, além de compreender os elementos históricos, pedagógicos e culturais dos diferentes contextos espaciais e sujeitos.