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O sobrepeso corporal é uma representação especular, como uma figuração que está fora do sujeito, ainda que próxima, pois, se pensa e se sente o corpo pesado para o trabalho. Para as marisqueiras, a gordura do corpo não faz parte do eu. Fica evidente em vários enunciados que a mulher obesa leva seu peso, como se este não fosse dela própria e sim de uma imagem a carregar. Nessa idéia há uma separação entre a gordura do corpo e o eu, a identidade. Nesse sentido, não se sentem obesas como explicitaria a dimensão ética. Sentem-se lentas, pesadas, fortes, “fofinhas”, vistosas, feias, bonitas, pois se misturam valores que contradizem sua identidade nem sempre deteriorada pela obesidade.

Hipoteticamente, pode-se dizer que na dimensão êmica, a obesidade para as marisqueiras não é uma doença, não tem relação com a alimentação, mas prejudica a prática da mariscagem porque reduz sensivelmente os movimentos físicos dificultando a extração de mariscos em que a mulher necessita contorcer o corpo, abaixar-se e cavar para a captura do animal.

Mantência no trabalho significa a permanência, disposição. Para a mulher e marisqueira o corpo magro pode ser doente pela experiência de fome contada pelos ancestrais (ainda que a fome aguda de um corpo esquálido não se encontre com freqüência na ilha). Observa-se uma fome crônica pela carência de nutrientes essenciais a complementar a dieta monótona rica em carboidratos e gorduras. Come-se mariscos e pescados, mas necessita-se também vender estes produtos para comprar outros alimentos básicos como, farinha, óleo, açúcar e feijão.

De fato, na observação participante e nas análises narrativas, constatou-se que na dimensão êmica, da linguagem, a obesidade para as marisqueiras não é uma doença nem faz vínculos com a alimentação. Pois, é da natureza humana ser magra ou ser gorda. Depende também de alguns fenômenos físicos, como a influência da maré e da lua sobre as pessoas que as fazem mais gordas ou não. A explicação é ainda uma construção como se ainda não refletissem este assunto ou não dessem o valor que um profissional de saúde dá.

No entanto, reconhecem que o corpo obeso prejudica a prática da mariscagem porque não conseguem movimentar-se dificultando a extração de mariscos. Realmente, conforme se verificou nem sempre conseguem contorcer o corpo, abaixarem-se e extrair mariscos. Também, em alguns casos, a mulher obesa é esteticamente rejeitada por outros que a considera feia e sem atração. Mas este nem sempre é um valor da própria obesa. Para ela não há necessidade de reduzir seu peso para sentir-se bem. As crenças que envolvem marés e movimento lunar são relevantes para essas pessoas, mas a obesidade não é uma condição preocupante para elas e por isso rejeitam quaisquer

informações sobre as conseqüências desta enfermidade por parte dos profissionais de saúde da Secretaria Municipal de Saúde - Distrito Sanitário de Itapagipe - que eventualmente fazem oficinas educativas para a promoção da saúde e imunização em crianças.

Conclui-se que é fundamental para quaisquer práticas de saúde conhecer a comunidade, seu cotidiano, crenças, condições de trabalho, linguagem e modos de sobreviver. Nesse aspecto, este exercício etnográfico com análise das narrativas focalizando fragmentos de histórias de vida foi a obtenção possível dos significados socioculturais do corpo, enfatizando a obesidade de marisqueiras. Com isso espera-se colaborar com os diversos programas de saúde pública que envolve a temática.

SUMMARY

In Brazil, more than 600,000 people, mainly women, rely their living on collecting shellfish. Classical craftsmanship activity is marked by family work and it is based on empirical knowledge, transmitted by their elderly. These populations derive the major source of livelihood from the natural environment, the tide, providing many social demands that remain unanswered by the Government. The tide shapes attitudes, beliefs and dictates work rhythms. The objective of this study was to understand the meanings of the body at work, particularly of the obese body, as conceived by shellfish collector women, in a community descending of slaves from Ilha de Maré, State of Bahia, Brazil. The qualitative approach used tools of ethnography and hermeneutic dialectical analysis to understand the complexity of daily scavenger seafood routine. In-depth interviews were carried out with these women about the relationships between their body and their work, and about body and health and working conditions. It was noted that these shellfish collector women do not feel obese. Obesity is a technical nomenclature barely present in their daily world. Despite the pain of labor that punishes the workers, there is a necessity for survival that makes them stay in the drudgery of the tide. Having an obese body does not bother them, but the fatigue and exhaustion that dominate the body, working exposed to the sun, in the mangrove, usually for more than ten hours a day. To them, fat means health and enough strength for the job. Shellfish collector women live in a situation of social and economic vulnerability. They referred feeling obliged to work in this job since childhood. They consider their body as an extension of the mangrove and claim that the mangrove and their bodies are interlaced by the force of the tide.

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APÊNDICES

Roteiro de Entrevista

Bloco Inicial – Dados de identificação

Apresentação do propósito da entrevista, do termo de consentimento e acordos (tempo, uso de gravador e a utilização de material produzido);

Dados gerais: nome, idade, escolaridade, religião, estado civil, comunidade onde mora) Bloco I – Ambiente e cotidiano no trabalho

Me fale sobre o seu trabalho, desde quando você começou até hoje (quantos anos), relate as mudanças que aconteceram, as boas e as ruins.

Relate o seu dia de trabalho (deve ser relatado todo o processo de trabalho: horas de trabalho por dia, a ida pra maré, a forma como catam os mariscos, catar lenha, catar mariscos, o preparo do marisco pra vender, a venda, como vendem, onde); Observar a presença de ajudantes da família, se as crianças ajudam, como, se são mais meninas do que meninos, que idade elas começam a ajudar e horários das atividades.

A senhora identifica algum problema no seu ambiente (ou espaço) de trabalho (saúde e ambiente)? Quais?

Qual o maior problema enfrentado no processo de trabalho? Bloco II – Corpo e trabalho

Neste bloco é importante identificar durante o relato da marisqueira se há outros problemas de saúde.

No final do dia, quando você chega em casa, como você se sente?(explorar sensações) Como você vê seu corpo; O que acha dele;

Como você percebe seu corpo no trabalho, você acha que o corpo ajuda? Bloco III – Corpo e Saúde

O que você entende por saúde?

Como cuida do seu corpo no dia a dia?

Você acha que existe alguma relação entre o corpo e a sua profissão.

O que você acha por corpo obeso/obesidade? (esta pergunta só será feita se algum momento a entrevistada fizer alguma referência à obesidade);

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