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É admissível afirmar que a província de Minas Gerais teve um quadro relativamente positivo de buscas de estratégias para organizar o ensino público, na primeira metade do século XIX. É também admissível afirmar que estas estratégias, articuladas à construção do Estado imperial, procuraram atuar com mais consistência sobre dois aspectos: os métodos de ensino e a formação de professores. Apesar das províncias não gozarem de competência constitucional para legislar sobre o ensino nos primeiros anos pós independência, durante o Primeiro Reinado a instrução foi ponto constante no Conselho–Geral dessa província, onde encontrou em Bernardo Pereira de Vasconcelos, o propugnador de projetos para expandir o número de escolas públicas, reformular o método de ensino e regularizar o trabalho dos professores.

Na fomentação ilustrada e liberal de dar à população o acesso à instrução elementar, que emergiu no Brasil após sua independência política, sobressaiu o ensino mútuo, sustentado pela crença da elite dirigente de que se tratava de um método econômico, porque prescindia de muitos professores para ensinar a um número grande de alunos, e porque prometia ser eficaz no controle da disciplina e da ordem na sala de aula. Como por todo o Império, em Minas, o ensino mútuo esteve articulado à expansão da instrução elementar num projeto mais amplo de estruturação do Estado, que visava inserir o Brasil numa civilização – nos moldes europeus –, despertando nessa população os “espíritos industriosos” e disciplinados. Disciplina que primava preparar um corpo de trabalhadores livres e libertos para atuarem de acordo com as concepções modernas de relações de trabalho, tornando-se imprescindível o aprendizado das primeiras letras e das regras de comportamento social que se pretendia consolidar.

A partir do Ato Adicional e, em decorrência desse, da criação das assembléias legislativas, as províncias passaram a definir os rumos da instrução pública através dos interesses e ideias político-pedagógicas de uma elite dirigente provincial, na sua maioria de tendência liberal, que foi se formando com o surgimento dessa nova instância de poder. Na província de Minas, a lei de 1835 estabeleceu as normas de organização da instrução articulando-a em dois graus de ensino, criando escolas de instrução primária, e regulamentando o funcionamento daquelas que já existiam. Essa lei regulamentou também o

trabalho dos professores primários e instituiu os cargos de delegados de círculos literários, que passavam a fiscalizar esses professores.

No entanto, o ponto focal dessa legislação foi, sem dúvida, o estabelecimento de novos métodos de ensino visando superar certa descrença na aplicação do ensino mútuo, e a criação da Escola Normal de Ouro Preto como locus de formação intelectual e moral dos professores. Nessa perspectiva, os dirigentes políticos acreditavam que o uso de novas metodologias, com resultados eficazes nos paises europeus, aplicados agora no Brasil, por professores habilitados na Escola Normal fariam coros aos interesses do governo imperial, vinculados à necessidade de governar essa população e de convencê-la a cooperar com o projeto de nação que se instituía.

Mas, dadas as ambiguidades inerentes ao próprio jogo político que se armou no Estado imperial, que primava por um lado, formar cidadãos e inserir o Brasil no rol de uma civilização e, por outro lado, manter ainda certos padrões de tempos coloniais (como escravidão, propriedade), os meandros de organização da instrução pública foram sendo tecidos de acordo uma visão conceitual ambígua da elite dirigente sobre os conhecimentos que julgava necessário civilizar o povo. Instrução e educação representavam as duas faces da mesma moeda, porém, enquanto ela chegava para algumas pessoas nas escolas de 2º grau, para boa parte da população ela não ultrapassava as escolas de 1º grau. Tal foi a dinâmica do ensino que se instaurou em Minas. Nesse contexto, entendemos que os impasses que se interpuseram no processo de instrução da população mineira, pobre, estavam menos articulados à ineficácia dos métodos de ensino, e muito mais à própria ambiguidade conceitual daquilo que os dirigentes políticos e legisladores entendiam como instrução civilizatória para esse povo.

A boa aplicação e a eficácia dos métodos dependiam também de ter na província professores bem habilitados, formados na Escola Normal. Entretanto, a centralidade do saber pedagógico e a dimensão moral que atravessaram a construção do perfil do professor, no período por nós analisado, também esbarraram nos impasses políticos que afetaram o campo educativo provocando indefinições no processo de formação de professores. A Escola Normal de Ouro Preto, criada em 1835 e estabelecida em 1840, viu abalado, com Revolução Liberal de 1842, seu significado de portadora “de um sentido em relação à profissão docente”,353

quando se somou à lista das instituições e de professores perseguidos pelas forças legalistas,

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vitoriosas da revolução. Reaberta em 1846, sua centralidade continuava a ser a dimensão metodológica da prática pedagógica. Mas, esse percurso foi novamente marcado por seu fechamento em 1852, tendo agora que esperar pela legislação de 1871 para sua reabertura definitiva. De todo modo procuramos admitir nesse estudo que, apesar de ter sido implantada no período em que predominava no poder do “centro” o grupo conservador, a Escola Normal de Ouro Preto cumpriu, em certa medida, com os propósitos e as práticas do governo provincial no período analisado, pois, sua implantação em Minas se deu sob o auspício da pedagogia liberal vigente nas propostas dessa elite aqui acolada.

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