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O propósito deste estudo foi analisar os recursos estéticos que Monteiro Lobato emprega para reproduzir literariamente a crítica da literatura adulta na infantil.

O percurso foi estabelecido a partir dos pontos de interseção entre a crítica da voz discursiva de Emília e a das personagens dos contos reunidos em Urupês, publicado em 1918. Buscou-se nesta obra o timbre, as marcas das vozes que mais tarde ecoaram no gênero infantil.

Porto de onde sai e para onde retorna a análise, após as incursões na produção para crianças, este livro revela o processo de desenvolvimento da compreensão leitora com as especificidades requeridas pela literatura lobatiana. Assim os excertos da produção infantil são evocados e mantidos na condição de contraponto, privilegiando-se intencionalmente Urupês. Uma coletânea de doze contos que aspira ao ultrapassamento dos limites das próprias palavras e se relaciona dialogicamente com textos e discursos de outro espaço-tempo.

O confronto entre as duas modalidades literárias, embora produzidas para públicos tão diferentes, revelou categorias comuns de crítica, perceptíveis no campo discursivo das personagens. Lobato não infantiliza a criança como evidenciou a análise a partir do segundo capítulo, ele cria uma interface por meio da qual trata assuntos, antes restritos ao mundo adulto. As intersecções com a voz de Emília pontuam os contos de Urupês.

Trata-se de um sistema que conta com a articulação do narrador (em 1ª ou 3ª pessoa) em cuja habilidade descritiva o visível, oculta o invisível, o não-dito. Um narrador que ao assumir o que não sabe (ou não lhe foi dado saber), revela.

Um nó crítico desatado foi demonstrar o papel da ironia nos contos do autor não como expediente restrito à função de dizer o contrário do dito, mas como método construtor/princípio organizador do texto literário, mecanismo que dispõe da caricatura e do riso para ampliar os efeitos estéticos pretendidos.

Seis décadas sem Lobato, duas vezes morto, atestam que sua obra literária é imortal. Sua indiscutível capacidade de refletir e recusar tutelas, idéias impostas servem de espelho à prática de uma crítica literária que se pretenda coerente.

Uma característica inerente à modernidade é o fato dela já surgir como crítica de si mesma, considere-se o simbólico assassinato que se dá na torre do farol, de

Os faroleiros. Inegável em Macunaíma, os laços com o Jeca. O termo “sapo”, dos faroleiros, quando Gerebita diz que é proibido sapo na torre, reaparece em Manuel Bandeira também designando escritores.

Lobato sabia que só a mudança do paradigma da linguagem, ou seja a desalienação da palavra, seria capaz de provocar a mudança do paradigma da consciência de brasilidade.

O texto subjacente, os diferentes níveis de leitura necessários para se chegar até ele, se ocultam sob a aparente simplicidade da estrutura do conto. O Brasil autêntico continua lá em algum lugar entre o Sítio do Picapau Amarelo e a Paulistânia caipira. O farol, desde então, nunca mais foi o mesmo.

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