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Considerações finais

No documento Por uma escrita da história do cinema (páginas 98-113)

Elementos recorrentes nessa ilmograia, a paisagem e a natureza preenchem a tela a partir de grandes planos, travellings, câmeras altas e sobrevoos que se detêm sobre a amplidão do espaço. Não à toa estão presentes. Para além de seu signiicado no desenvolvimento da narra- tiva e ambientação da história, deve-se pensar os demais signiicados gerados e suas funções na constituição da narrativa. Ou na concepção de Comolli e Rancière (1997), entender como esses elementos tirados do real pela ação da câmera se tornam dados sensíveis e signiicantes na tela por meio da montagem.

Segundo Schama (1996), a paisagem está intrinsecamente ligada à memória e aos mitos que formam uma nação. Assim, cabe pensar sobre a paisagem e os espaços nessa construção imagética do país. Ao ver esses ilmes, observa-se que eles buscam, muitas vezes, contra- por-se a uma memória estabelecida. Memória esta construída lenta e detalhadamente por textos e imagens. O próprio cinema cumpriu seu papel nesse sinuoso caminho. Por um lado, o cinema de não icção, desde os anos 1920, deteve-se em buscar uma aproximação racional, neutra e cientíica de homens e lugares com o intuito de integrar a nação, ou em explorar a diversidade da natureza por meio de ilmes educativos e cientíicos. Não é preciso correr muita tinta para lembrar que ilmagens são pontos de vista a partir de um olhar conformado e constituído por categorias sociais e culturais. Ao cinema de icção coube, em grande parte, a folclorização do país a partir da enunciação de distintos tipos humanos que ocupavam os rincões do território brasi- leiro. Parte considerável do cinema de não icção também contribuiu para essa construção, como bem apontou Paulo Emílio Salles Gomes

em seu livro Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. A natureza os- cilava entre desempenhar um papel exuberante e ocupar um lugar exó- tico nas itas.

A ruptura com esses padrões ocorreu a partir do Cinema Novo e de uma leva de ilmes que lhe são temporalmente próximos. O ideal daqueles dias consistia numa aproximação documentária da realidade, para retomar a expressão cunhada por José Carlos Avellar em seus es- tudos sobre o Cinema Novo. A análise dos ilmes corrobora o conceito de Avellar (1986). No entanto, devemos acrescentar a dimensão mítica e atemporal presente em parte signiicativa dessa ilmograia. Filma-se no sertão e apresenta-se sua paisagem. Mas tal paisagem é descolada do tempo, livre da ação humana. Lugar da imobilidade.

Nesta cinematograia recente, o espaço aparece multifacetado: o sertão não existe sem seu par, a cidade e seu espaço urbano, e, aliás, o próprio sertão não é só o campo; a água corre junto com a vegetação, pois a seca não é sua única coniguração; a falta de água encontra seu reverso na abundância que igualmente constitui problema; o moderno e sua tecnologia andam de par com antigas sociabilidades e objetos; o feminino e o masculino não se estreitam nos papéis formais de homem e mulher; os personagens pertencem ao litoral e ao rural. Tal densidade torna-se possível, entre outras razões, pela dimensão história.

Não se trata de enfocar ilmes históricos, entendidos como aqueles que lidam com momentos ou acontecimentos abordados pela historio- graia, caso, por exemplo, dos ilmes Guerra de Canudos e Baile perfu- mado. Entende-se que o elemento histórico, no ilme, é aquele que per- mite distanciar a representação do sertão e seus sujeitos de uma construção atemporal, mítica, independente da ação dos personagens.

Essas novas conigurações imagéticas compartilham códigos e re- ferências comuns com outros pensamentos sociais, como a literatura. Como exemplo, pode-se citar o livro Galileia, de Ronaldo Correia de Brito. Nele, primos se reencontram por ocasião da morte do avô. As re- ferências ao passado e as experiências cosmopolitas e contemporâneas dos primos constituem a matéria-prima do enredo do livro. Os objetos culturais existem e são vivenciados em campos de constante reconigu- ração, bem como de trocas e compartilhamentos (BRITO, 2008).

O sertão verde de abundantes águas dos cangaceiros e da volante, a cidade do interior do Ceará e o Recife/sertão sem água constroem paisagens signiicativas na cinematograia nacional. Falam de experiên- cias outras que levam a pensar o sertão sob nova ótica.

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Meize Regina de Lucena Lucas é historiadora e trabalha no Departamento de História da Universidade Federal do Ceará. Fez Doutorado em História na Universidade Federal do Rio de Janeiro. É autora dos livros Imagens do moderno – o olhar de

Jacques Tati e Caravana Farkas – itinerários do documentário

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