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Compreender os processos identitários docentes dos professores de enfermagem implica compreender que a ausência de formação pedagógica específica e o distanciamento destes de uma ciência da pedagogia, gera repercussões importantes nos saberes e escolhas individuais, afetando, consequentemente a qualidade do ensino na enfermagem.

Dentre as muitas possibilidades para compreensão de como o professor se situa em termos de identidades, como ele a vai modificando, continuamente construindo e se situando num universo distinto do seu em termos de formação, possibilitou explorar a forma como esses sujeitos se movimentam, numa estreita relação com as concepções da profissão de origem e transferências de objetos que estabelecem proximidades entre os dois universos, mesclando ideais e reforçando concepções. O exercício de síntese e interpretação tornou-se um grande desafio em função do formato de apresentação dos resultados em manuscritos, constituindo-se uma das limitações deste estudo.

A proposta de compreender os processos identitários de professores por meio das representações que esses possuem a respeito de como percebem a docência, como a desenvolvem e o que sentem sobre ela, constituiu-se em uma escolha profícua que pretende, obviamente não em definitivo, propiciar compreensão acerca da forma como se desenvolve a docência, sustentada por reflexões que desestabilizem paradigmas fortemente atrelados às duas atividades.

Desta forma, por meio da concepção de identidades de Monereo e Badía, foi possível perceber um processo desconectado dos pressupostos da ciência da educação e fundamentado na especialidade, gerando implicações nas escolhas pedagógicas e interpretações sobre a docência.

Já na realização inicial de estudos para fundamentação da proposta, ao buscar na literatura o conhecimento já produzido sobre a docência no ensino superior, percebeu-se que a formação e a organização docente ainda são objetos de tímido interesse, embora despontem como uma das temáticas mais importantes para o ensino superior, que é a formação de professores. Os conflitos entre ser enfermeira e ser professora surgiram como latentes e carentes de discussão e análise.

Com relação às representações que os professores têm sobre sua função docente, esta se mostrou centrada na especialidade, com identificação parcial ou inexistente com a docência. Percebeu-se que os professores entrevistados organizam suas práticas baseados em modelos

internalizados ou naquilo que é entendido como processo de ensino- aprendizado, desconectado de estudos ligados à pedagogia. Neste contexto, a discussão sobre teoria e prática na enfermagem emergiu como reflexo de um conflito, uma vez que ambas são interpretadas como dissociadas já na própria profissão de origem. A teoria percebida como oposta à prática, desarticulada desta, encontra eco na percepção equivocada de que basta dominar a matéria para ensiná-lo.

Com relação às representações que os professores possuem sobre os processos instrucionais de ensino, as aulas tradicionais aparecem como opção principal, mesmo na interpretação de que metodologias ativas são necessárias para ressignificar o ensino, expressas pelas dificuldades identificadas de como fazer diferente ou de que o que se faz é suficiente. A necessidade de mudanças, de melhor compreender o universo do aluno e de oferecer formação conectada aos sujeitos do nosso tempo despontam como interesse, embora ainda não representem ações efetivas em termos de modificação curricular, reflexividade e práticas pedagógicas.

Com relação às representações sobre os sentimentos associados à docência, estes se situam, assim como as escolhas pedagógicas, em modelos internalizados, em percepções que se mesclam com aquelas advindas da enfermagem, que envolvem cuidar, maternar, estar presente, acolher e ser acolhido. As professoras sinalizaram para a ocorrência de uma transferência de cuidados: dos pacientes na função de enfermeira para os alunos na função de professora. Os sentimentos associados à docência estão estreitamente relacionados às concepções que os professores têm sobre o que é ensinar e o despreparo pedagógico provoca distorções que interferem na autonomia dos sujeitos e no fortalecimento de suas identidades.

Desta forma, intenciona-se fomentar o entendimento de que ensinar e compreender a educação é condição para processos mais adequados em termos de formação qualificada de professores, com consequentes reflexos sobre a formação para a enfermagem. Estes aspectos são fundamentais e carentes na docência em enfermagem, uma vez que a enfermagem não é uma atividade simples. O domínio do conteúdo ou o estatuto da experiência não são suficientes para a validação das escolhas pedagógicas. Ensinar exige formação para compreensão do fenômeno educativo e processos identitários distantes dessa lógica, cujo eixo está na profissão de origem, gera implicações para o ensino, tais como a dificuldade de realizar mudanças ou conduzir processos.

Se sabemos que apenas enfermeiros podem ser professores de enfermagem, também sabemos que ser professor é mais que o domínio de uma especialidade. Há carências de aspectos fundamentais: a própria formação em enfermagem sustenta-se sobre inúmeros vícios ideológicos e há que se avançar inclusive neste sentido. Não se devem limitar práticas pedagógicas a cursos de manualidades ou relega-las a segundo plano, pois sempre se está muito ocupado fazendo de tudo, menos preparando aulas. “Perder” tempo com elas, compreender e valer-se das inteligências múltiplas, permitir criatividade por meio de seu incentivo irrestrito e não apenas ao que interessa a lógica do mercado, cansar-se buscando alternativas, reflexionar junto com os alunos são atividades que comportam em si a beleza do ato de ensinar. Esta dimensão da docência precisa ser mais bem desenvolvida.

Confirma-se, portanto, a tese de que o professor de enfermagem possui seu processo identitário fundamentado na Enfermagem (especialidade), em que se mesclam as características desta com o universo docente, gerando repercussões em suas escolhas pedagógicas.

Compreende-se, portanto, que professores de enfermagem serão sempre primeiramente enfermeiros e desonerando a necessidade de uma formação similar a da graduação em Enfermagem para constituir-se professor, indica-se:

 Que se atribua qualidade aos estágios de docência dos programas de mestrado e doutorado, permitindo que o pós-graduando vivencie estratégias e desenvolva autonomia e confiança;

 Que sejam endossadas a consciência pessoal e a honestidade intelectual, a fim de aproximar o que se diz daquilo que se faz;  Que as escolhas pedagógicas se baseiem no mundo desejado, não

em lembranças ou memórias afetivas, que podem, inclusive, funcionar como referenciais, de modo que se pense o processo educativo para a transformação da realidade e alunos que se tem, visando então, emancipá-los;

 Que se perceba e vivencie a teoria como campo de prática, pois a relação dialética entre elas pode desencorajar a criação de dicotomias estéreis;

A complexidade dos processos identitários certamente não se restringe às características percebidas pelos sujeitos. Estas são fundamentais, mas as mudanças sociais, políticas e culturais, para além das vontades e interpretações individuais também devem ser levados em consideração. Desta forma, para uma mudança ampla, a reflexão

individual e depois coletiva é que pode indicar caminhos para modificações profundas no cenário atual. As transformações implicam também em mudanças das relações dentro das escolas, departamentos, professores e alunos.