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Temos visto que a cidade é um conjunto de relações de poder entre os diferentes agentes que a compõem. Vimos também que a força desses agentes é diferenciada e que esse fato reflete no urbano, gerando um espaço segregado socioeconomicamente, onde a parcela da população dominante dita as regras da produção urbana.

O capital imobiliário influencia diretamente o processo de urbanização seja por meio da especulação, seja pela ação dos incorporadores imobiliários que, na falta de instrumentos reguladores, passam a enxergar a terra como um tipo especial de mercadoria.

Especial, já que não é produzida, portanto, não teria valor, mas passível de troca, uma vez que o aspecto jurídico garante o direito à propriedade da terra. Nesse sentido, seu valor será mensurado a partir das características do seu entorno como: a presença de infraestrutura viária, redes de esgoto, água e energia, bem como, uma “boa vizinhança” e/ou os aspectos paisagísticos do local.

O que percebemos é que o acesso da cidade legal e central, equipada é de preferência voltado às categorias dominantes da sociedade, cabendo à uma parte considerável da parcela dominada a ocupação de regiões não propícias à urbanização e/ou assentamentos irregulares e ilegais, sem equipamentos e infraestruturas.

Destaca-se aqui que, nem sempre as irregularidades ou as ilegalidades são exclusividades da população dominada. Como vimos em Serra, a municipalidade regularizou, por meio de uma lei municipal, dois loteamentos fechados destinados para as camadas dominantes da sociedade.

Nesse sentido, o Estado contribui, por meio da govermentalização, para a reprodução do capital imobiliário na cidade. Tendo, as cidades atuais, a função de atrair cada vez mais o investidor, bem como uma parcela da população dominante, o governo dos municípios estabelece e tenta alcançar seus objetivos, legitimando por meio das leis, principalmente o PDM, na busca de uma imagem de “boa cidade” acessível para todos.

O city marketing é umas das táticas e estratégias mais utilizadas nesse contexto de produção da cidade e, aliado a ele, os projetos âncoras e/ou as grandes propostas de remodelação urbana chefiadas por escritórios renomados, como é o caso do Projeto Lerner.

O planejador urbano participa desse processo quando elabora as propostas de intervenções para o espaço. É importante observar que o mesmo encontra-se ligado ao Estado, uma vez que este último se torna “seu cliente”, atendendo ao anseio dos governantes constroem um projeto “belo”, mas na prática impraticável, heterotópico.

O projeto se torna um discurso de promoção de imagem, um projeto aparentemente sem efeitos práticos, mas como modelo de intervenção poderá orientar a expansão dos usos da terra em Serra ou ter consequências sobre parte considerável da população, que não o escolheu. Assim, por meio de “inspiração” ele consolidaria as intervenções que mudariam a “cara” e a parcela das populações ali vivendo.

Estratégia imagética, ícone, o “projeto” provavelmente engavetado, mas terá posto sua marca e certamente terá antecipado desejos não explicitados, ou explicitados de maneira menos clara, de ocupação pelo mercado de áreas até então relativamente protegidas, a exemplo do entorno do Mestre Álvaro e das lagoas.

O governo de Serra segue à risca a govermentalidade e tem o city marketing como sua principal estratégia, apoiado pela mídia local, comercializando partes da cidade, seguindo uma cultura “desenvolvimentista” baseada no capital imobiliário e na atração da população dominante socioeconomicamente, desprezando aqueles que os elegeram.

Na cidade real de Serra, encontramos a dinâmica dos espaços ditos segregados ou auto-segregados: os processos de favelização, condomínios fechados, projetos de requalificação urbana que homogeneízam e promovem a “limpeza social” do lugar são exemplos dessa segregação espacial e ajudam a enaltecer o abismo entre uma parcela da população e outra. O Projeto Lerner, nesse contexto, talvez seja mais um destes mecanismos pela configuração que o mesmo tomou.

Por outro lado, concomitante a esse fato, vimos por parte do Estado, juntamente com a mídia, a tentativa de padronização da sociedade urbana. Enaltece-se certos comportamentos, certos espaços, os colocando como modelos a serem seguidos. Reduzem-se as aparentes diferenças e colocam-se os vários constituintes da sociedade em pacotes devidamente lacrados e identificados.

O Projeto Lerner vem exatamente de encontro com as questões postas, o projeto urbano que devia servir de instrumento para a cidade, serve ao Estado, que, por sua vez, serve ao capital, no caso de Serra, o capital imobiliário e aos donos de terra.

Nesse sentido, é preciso uma mudança de paradigma, principalmente em relação o Estado. Compreender que a instituição não está acima da sociedade e que os grupos sociais também fazem parte dela, isto é importante à medida que traz o direito e o dever à sociedade de produzir e pensar as cidades.

Entendemos que ao demostrar o processo de produção do urbano por meio de um “projeto”, aparentemente de interesse de todos, podemos perceber quais os agentes que realmente atuam na sua construção e como eles se mantem como principais agenciadores do espaço, para então tentar modificar a ordem imposta, abrindo caminhos para a participação igualitária de todos os segmentos sociais na produção da cidade, abrindo, assim, possibilidades para o aprofundamento deste trabalho nessa perspectiva, principalmente no que diz respeito a ação das sobre a governamentalidade do Estado.

Desmontando a noção do Estado maniqueísta e compreendendo que o próprio corpo da sociedade está no Estado e, ele, na própria sociedade, abrimos precedentes para a inclusão da participação social efetiva, no entanto é necessário sair das relações macro, o que fez essa dissertação, e partir para relações micro, o que pretendemos fazer em um outra etapa.