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O primeiro grande aprendizado que se tem com o estudo das recomendações de regimes cambiais é o fato de que, como anuncia Frankel (2003), não há um regime- ótimo para todos os países ou todas as situações, já que as especificidades de cda país devem ser

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Segundo Prates (2002, pág. 111), o regime de currency board “torna a economia totalmente vulnerável à instabilidade financeira intrínseca à dinâmica atual do sistema monetário e financeiro internacional, constituindo o tipo de inserção financeira externa mais perverso para os países ‘emergentes’ ”.

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levadas em consideração, além da necessidade de se perceber o contexto vivido pela economia internacional. Sobretudo quando o foco são os países emergentes, as análises têm que ser ainda mais aprofundadas, dado o caráter de inconversibilidade de suas moedas e os problemas adicionais que isso acarreta sobre a gestão da taxa de câmbio.

Percebe-se, portanto, que regimes de livre flutuação cambial não são recomendáveis para países emergentes, por dois motivos básicos:

i) O potencial de variabilidade da taxa de câmbio destes países é muito maior do que nos países desenvolvidos. A principal razão para isso é a dinâmica instável dos fluxos de capitais que se direcionam a esses países periféricos, em função do caráter de inconversibilidade de suas moedas.

ii) As variações da taxa de câmbio têm, nestes países, um efeito negativo sobre suas economias que é muito maior do que aquele verificado nos países centrais. As causas disso são diversas, mas vale destacar: o risco de currency mismatches, o elevado pass-through e a ausência ou precariedade dos mecanismos de hedge.

Tendo em vista estes problemas e o fato de que os regimes de taxa de câmbio fixa implicam restrições muito grandes para a política econômica, o arranjo mais adequado para os países emergente parece, portanto, não estar em nenhum dos dois pólos, mas sim na zona intermediária. Mais do que a percepção de que a estabilidade cambial é essencial para a economia, é preciso notar que, nos países emergentes, a experiência revela a necessidade de uma ação contínua das autoridades monetárias para buscar esta estabilidade. Para tanto, ao invés de atar-se a regras e compromissos explícitos, as autoridades monetárias devem preservar a condição de atuar de maneira discricionária, quando isso se fizer preciso. Ademais, a mera conquista de um baixo patamar para as taxas de inflação não é garantia de crescimento e desenvolvimento econômicos; a administração das taxas de câmbio deve ter como finalidade última metas reais de desempenho econômico, sobretudo o crescimento do produto e a geração de emprego. Para que se logre estabelecer para a taxa de câmbio um patamar competitivo e uma estabilidade relativa, mostra-se necessário, como visto, reduzir a volatilidade dos fluxos de capitais, adotando-se certas modalidades de controle na conta financeira.

Esta não é, evidentemente, tarefa fácil e o caso brasileiro, discutido no capítulo III, mostra que, independentemente do regime cambial adotado, as dificuldades para a

manutenção de uma taxa de câmbio estável e competitiva são bastante grandes. Por vezes, esta busca acaba até mesmo sendo abandonada em benefício de outros objetivos de política econômica.

Capítulo III

A Experiência Brasileira Recente (1994-2006) III.1 Introdução

A importância que tem como intermediária de todas as transações entre uma economia doméstica e o restante do mundo confere à taxa de câmbio o caráter de um dos preços-chave da economia. Nos países periféricos esta importância é amplificada, já que, como visto no capítulo II, o perfil extremamente hierarquizado do Sistema Monetário Internacional e a característica de inconversibilidade das moedas que emitem tornam suas economias mais suscetíveis à volatilidade e ao desalinhamento de suas taxas de câmbio. Desta feita, a política cambial sempre foi uma questão central nas discussões e nos rumos da economia brasileira. Desde o padrão-ouro, passando pelo intervencionismo da Era Vargas e o sistema de câmbios múltiplos para combater o recorrente problema do estrangulamento externo e a restrição de divisas, além da política das minidesvalorizações91, é patente o uso desse instrumento como variável-chave na condução da política econômica.

Com a emergência da globalização financeira e a inserção brasileira nesta nova fase do capitalismo, a questão cambial ganha importância adicional, dado o aumento das transações econômicas internacionais – como fruto dos processos de abertura comercial e financeira – e o papel de centralidade adquirido pelos mercados cambiais, como discutido no capítulo I. A discussão sobre regimes e política cambial no Brasil a partir dos anos 1990, portanto, torna-se extremamente importante e complexa.

Este capítulo tem como objetivo analisar e discutir criticamente os regimes cambiais adotados no Brasil a partir da implementação do Plano Real. A experiência brasileira recente é bastante interessante, pois permite a observação de formas variadas de se lidar com a taxa de câmbio, tornando evidentes as dificuldades enfrentadas por países emergentes na condução de sua política cambial. Percebe-se claramente que muitas das

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A política cambial do Brasil de agosto de 1968 a março de 1990 seguiu o critério das minidesvalorizações da taxa de câmbio. Em seus aspectos gerais, esta política consistia em desvalorizar a taxa de câmbio nominal em intervalos freqüentes e a taxas pequenas, corrigindo a taxa de câmbio pelo valor da diferença entre a inflação doméstica e a inflação internacional para garantir a manutenção da paridade relativa do poder de compra. Esta política só iria mudar com o início do governo Collor, quando foi adotado o regime de câmbio flutuante. Porém, na prática, o funcionamento do câmbio flutuante no período assemelhou-se muito ao antigo regime das minidesvalorizações (Zini Jr., 1995). “Com o advento do Plano Real, esta abordagem – de metas reais para a taxa de câmbio – foi substituída pela abordagem da âncora nominal, como guia para a política cambial do governo” (CARVALHO et alli, 2000, pág. 424).

promessas teóricas sobre os diferentes regimes cambiais não são respaldadas pela experiência brasileira. O capítulo está dividido da seguinte forma: a seção III.2 discute o Plano Real e a âncora cambial vigente durante o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. Passa-se, na seção seguinte, a uma análise do regime de taxas de câmbio flutuantes e do modelo do “tripé” de política macroeconômica adotado a partir de 1999 (seção III.3). Avalia-se, por fim, a evolução da questão cambial no primeiro Governo Lula (seção III.4). Para um estudo adequado de cada um destes períodos, faz-se necessário atentar para três aspectos principais, como proposto por Prates (2006). No âmbito internacional, deve-se ter em conta a fase vigente dos ciclos internacionais de liquidez. No âmbito doméstico, por sua vez, duas esferas devem ser analisadas, uma de ordem mais estrutural, que diz respeito ao grau de abertura da economia brasileira, e outra mais conjuntural, referente às políticas macroeconômicas praticadas em cada momento.

III.2 O Plano Real e a âncora cambial: o combate à inflação pela administração da