• Nenhum resultado encontrado

O papel da mulher e do homem na sociedade, de modo geral, e na educação dos filhos tem mudado ao longo dos anos. Contudo, o foco dos estudos ainda tem sido sobre a mãe e pouco ainda se tem estudado sobre o pai. Assim, apesar do número reduzido de pais no presente estudo, o que impõe limites às generalizações dos resultados, optou-se por incluí-los na análise.

As práticas educativas de pais e mães foram influenciadas de alguma forma pelas memórias de cuidado na infância, a maioria das correlações ocorreu no mesmo sentido das lembranças de cuidados recebidos na infância, no entanto, algumas se deram no sentido oposto dos cuidados recebidos, o que levanta a hipótese da existência de outros fatores influenciando as práticas educativas e que não puderam ser obtidos por meio dos instrumentos utilizados no presente estudo.

Apesar do menor número de pais e da impossibilidade de comparar os dois grupos por meio de recursos estatísticos, pôde-se constatar que duas correlações apareceram em ambos os grupos: boas condições materiais e atitude afetuosa do pai na infância implicaram na utilização da monitoria positiva tanto na amostra de pais, quanto na de mães. Entretanto, de modo geral, a relação entre memórias de infância e práticas educativas atuais foram diferentes entre pais e mães.

No grupo de mães, diversas relações entre lembranças e práticas educativas foram observadas, tanto por meio das questões de infância presentes na ficha de identificação, quanto através da aplicação do EMBU, que se revelou um excelente instrumento para avaliar os cuidados recebidos na infância, o que confirma a sua utilização em diversos paises (Perris et al., 1980; Ross et al.,1982; Huang et al., 1996; Arrindell et al., 1999; Arrindell et al., 2001; Aluja et al., 2006a; Aluja et al., 2006b).

Entre as mães, ficou evidente a importância das memórias relacionadas à demonstração de afeto e calor emocional paterno na sua relação com as práticas educativas atuais. Memórias que parecem ser fator de proteção para a terceira geração já que sua presença esteve relacionada à utilização de prática positiva (monitoria positiva) e sua ausência, a presença de práticas negativas (abuso físico e punição inconsistente). Neste sentido, a afirmativa de Prado et al. (2004) é verdadeira, realmente a qualidade da relação entre pai e filho interfere não apenas no desenvolvimento infantil, mas também na

transformação da criança em um adulto hábil para enfrentar as adversidades da vida adulta. Além disso, a qualidade dessa relação interfere ainda nos comportamentos parentais futuros com a terceira geração, o que foi observado especialmente entre as mães de estudo.

Ficou evidente neste estudo, considerando o grupo mães, que memórias da infância referentes aos cuidados paternos tiveram uma repercussão maior nas práticas educativas quando comparadas as memórias de cuidados recebidos da mãe. Assim, como apontam Dubow et al. (2003) futuros estudos devem considerar se a continuidade entre gerações é mais forte para o mesmo sexo ou de forma combinada (ambos os pais).

Na amostra de pais também foram encontradas relações entre memórias da infância e práticas educativas atuais, no entanto com conformações diferentes do grupo mães. Grande parte das correlações constatadas se deram a partir da ficha de identificação e IEP, sendo apenas uma correlação contatada entre dimensões do EMBU e do IEP. A partir deste resultado levantam-se duas hipóteses: 1) o tamanho da amostra interferiu neste resultado; 2) as dimensões do EMBU não foram sensíveis para captar as correlações e 3) existem diferenças entre pais e mães, tanto em relação às práticas educativas, quanto no modo como as memórias de cuidados de interferem nos comportamentos atuais. Alguns estudos demonstram que a terceira hipótese pode ser verdadeira: Vitali (2004) encontrou maiores níveis de exigência e responsividade entre mães e as avós. Já os pais tiveram níveis de exigência e responsividade menores e de modo similiar ao de seus pais. Dubow et al. (2003) também apontam que os 4 estudos analisados transmissão da agressidade, incluindo dois com grandes amostras (521 e 296 participantes) apontaram evidências de mais continuidade nas mulheres do que nos homens. No entanto, sugerem-se novas pesquisas que visem testar estas hipóteses e para isso considerem tanto uma amostra maior de pais e amostras pareadas entre homens e mulheres, quanto utilizem de diferentes instrumentos e métodos para avaliar memórias de cuidados recebidos na infância.

A questão da continuidade e descontinuidade não está fechada e embora não tenha sido propósito desde estudo avaliá-las e sim verificar a influência exercida pelas memórias de cuidados na infância nas práticas atuais, observou-se a tanto entre pais, quanto mães, que apesar demonstrarem lembranças positivas na infância, utilizam práticas educativas negativas e desfavoráveis na interação com seus filhos (Gomide, 2004; 2006). Assim, na amostra de mães, bom relacionamento com sua mãe correlacionou-se a utilização da monitoria negativa com o filho, já na amostra de pais, lembranças de afetividade da mãe correlacionou-se à abuso físico e negligência e memória de super-proteção da mãe à disciplina relaxada. Resultados difíceis de serem explicados pela literatura, no entanto, semelhantes ao de

Pinheiro (2003), que encontrou entre os demais resultados, um pai que utilizava estratégias educacionais negativas, mesmo tendo tido pais positivos. Além disso, como afirma Dubow et al. (2003) futuras pesquisas devem incluir entre suas medidas potenciais moderadores e mediadores que possam explicar a continuidade e descontinuidade intergeracional.

Deve-se considerar, também, que o presente estudo utilizou-se do método retrospectivo para a análise intergeracional, criticado por alguns autores como Chen e Kaplan (2001). Esses autores argumentam que a memória pode sofrer falhas ou enganos ao longo dos anos. Entretanto, o método retrospectivo tem sido utilizado em diversos estudos (Pinheiro, 2003; Pacheco et al., 2003; Rodrigues et al., 2004; Vitali, 2004; Weber et al., 2006), além de todos os já mencionados anteriormente com a utilização do EMBU, instrumento que tem este propósito. Além disso, o método retrospectivo mostra-se menos oneroso e mais acessível comparado ao método longitudinal. Foi objetivo do presente estudo verificar a relação entre as memórias de cuidados na infância e as práticas educativas atuais, importando aqui as lembranças que os participantes tinham a respeito da sua infância e não se estas eram verdadeiras ou não, pois se partiu do pressuposto que estas poderiam interferir nos comportamentos atuais. Sobre isso, Whitbeck et al (1992) afirmam que os estudos retrospectivos das lembranças de adultos sobre sua relação com seus pais na infância podem provavelmente ser distorcidos e difíceis de serem interpretados. Whitbeck também alerta que há evidências de que relatos retrospectivos das experiências na família de origem são estáveis ao longo de curtos períodos do tempo e independentes de outros fatores como, por exemplo, sintomas depressivos atuais.

Por fim, o presente estudo trouxe contribuições ao cenário das práticas educativas parentais no sentido dos antecedentes relacionados aos comportamentos atuais de pais e mães. Pôde-se constatar que as práticas educativas parentais são influenciadas pela memória de cuidados recebidos na infância, a qual se revela como um fator, porém não o único envolvido na complexidade do tema. Assim, outros fatores devem influenciar o comportamento parentais de pais e mães entre eles, escolaridade (também observada neste estudo), acesso a informações cientificas sobre as práticas educativas, presença de outras pessoas significativas durante a infância, relacionamento conjugal atual, entre outros, que devem ser considerados em futuras pesquisas. Entre os resultados encontrados ficou clara a importância dos cuidados na infância e sua inter-relação com as práticas educativas entre as gerações posteriores, resultado que abre espaço para intervenções direcionadas a prevenção. Os resultados aqui encontrados são esperançosos neste sentido, pois demonstraram fatores relacionados à utilização de práticas positivas no futuro. Supõe-se que programas para pais

que ressaltem a importância do afeto, calor emocional e práticas positivas (monitoria positiva e comportamento moral) tragam tanto conseqüências imediatas: melhores níveis de empatia, autoestima e desempenho escolar, quanto conseqüências em longo prazo, possibilitando a estas crianças tornarem-se melhores pais e mães.

Contudo e diante dos resultados e limitações deste estudo sugerem-se futuras pesquisas com amostras equiparadas de pais mães, a fim de verificar se as diferenças aqui encontradas se mantêm e que estudos de caráter qualitativo sejam empregados, considerando as limitações do uso de questionários.

Documentos relacionados