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Faz-se o que se pode, os chás, unguentos e preceitos tem respondido pelos tratamentos imediatos de problemas de saúde que acometem a sociedade franciscana há séculos. O “progresso” chegou acelerado a partir da RELAN, Petrobrás, mas não consegue atingir a totalidade dos moradores deste municipio, que possui áreas de extrema pobreza e de isolamento considerável, pois os serviços essenciais lhe são negados; a feira pública foi ao longo dos tempos sucateada, não passa de meia dúzia de barracas, quem quer comprar tem de ir a Candeias ou Santo Amaro; o grande número de desempregados é relevante, como também o grande número de empregados da Prefeitura que vivem em constante instabilidade e insegurança devido aos revézes da politica. São chamados de “largartas” pois vivem de folha (de pagamento), e só constam nas listas, mas não trabalham, ganham pouco, logo não podem reclamar.

As expressões culturais do município como o Samba Chula, Samba de Campinas, Paparutas da Ilha do Paty, o Lindro Amor, a Capoeira, dentre outras, estão empresariadas pela Prefeitura, controladas e engessadas pelos líderes, cabos eleitorais desse ou daquele candidato. As festas religiosas - São Francisco Xavier, Nossa Senhora da Conceição e Nossa Senhora de Fátima - gozam de apoio público, enquanto a Festa de Santo Antônio tem uma base popular forte que mantém a procissão, é auxiliada por este ou aquele político, a depender do ano de eleição ou não e da vontade do prefeito vigente. Felizmente, a festa de Santo Antônio é mantida por essas pessoas que resignificaram Santo Antônio como Santo de negros: o mantiveram como casamenteiro, mas o vincularam a Ogum, Orixá guerreiro, protetor dos exércitos e da maioria das cabeças dos rezadores aqui trabalhados. Eles sabem separar o que é da igreja Católica e o que é do Candomblé, sem que um tenha que excluir um ou outro. Construiram assim uma dupla pertença resignificada e capaz de abarcar as qualidades e fundamentos do Santo e/ou Orixá, mantendo de cada um, o que eles acham que tenha de melhor.

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Os jovens são assolados por ondas culturais contínuas, arrocha, pagode, forrós, shows de popstars da musica nacional em eventos faraônicos, vivem de pequenos trabalhos, bicos, consomem avidamente as motocicletas, celulares e etiquetas de marcas que conheceram pela televisão.

A violência das drogas; da “pedra” (crack) e cocaína, assola a região; o alcoolismo é alarmante. Somam-se a isso os baixos níveis de qualificação e os altos indices de desemprego que acabam por configura um paiol de pólvora ao lado do vulcão social que é Salvador.

A ineficácia do sistema oficial de saúde, as dificuldades para obtençaõ de consultas, medicamentos e exames especializados, e cada vez mais tecnológicos e mais caros, as condições de acesso aos postos de saúde e hospitais, a forte tendencia da biomedicina em indicar especialistas para cada parte do corpo, (nem sempre encontrados na cidade) acaba por encaminhar o paciente para Salvador, dificultando ainda mais um possível tratamento.

O entendimento de saúde por parte da população, a distância social entre o médico e o paciente, a distancia temporal entre o necessitar e o ser atendido, a dificuldade de entender as receitas, os exorbitantes preços dos medicamentos e unido à dificuldade de encontrar dinheiro, contribui para a manutenção de uma demanda para o atendimento etnomédico.

Em São Francisco do Conde as Rezadeiras/Rezadores de Preceito são muito procuradas por pessoas afligidas pelas mais diversas enfermidades. Todas as sete entrevistadas vêem os seus atendimentos a essas pessoas como uma “missão” e não cobram nada por ele. Outros aceitam velas, ervas contas, santinhos e “agrados” e consideram o seu trabalho como uma “missão”, “dom”, “responsabilidade” e “retribuição”.

Observei que uma das coisas que move e mantém a Rezadeira/Rezadores de Preceito é a sua fama, notariedade, prestígio social que é alcançado. Este prestígio serve de combustível para a manutenção dessas práticas. Ser Rezadeira/Rezador não é para qualquer um, tem que ter ensinamento e fé. Os suplicantes e as próprias rezadeiras diferenciam as rezadeiras pelas rezas que estas executam, pois há rezadeiras de algum tipo de reza e há rezedeiras que rezam tudo. Estas últimas, localmente chamadas de “Valetes”, são as mais fortes e mais reconhecidas. Saliento a importância da trajetória comum a elas no Candomblé. E isto se torna importante, sobretudo quando se trata de curar a Espinhela Caída e o Ar-do-Vento. Nestes casos tem que ser rezas fortes, logo a Rezadeira/Rezadores de Preceito deve ser amparada por Deus, Santo e Orixá,

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deve ter e manter o corpo fechado.

O apego a determinada Rezadeira/Rezador de Preceito acontece pela lida cotidiana em situações de convivência, pela construção de uma amizade baseada na gratidão e na reciprocidade. Depende também da capacidade de cura da Rezadeira. O que observei nas rezas proferidas onde as mazelas são avisadas a sair sob o olhar e prece de determinado santo, o vento é avisado a retirar-se e a levar consigo o mal que trouxe, que as dores se vão, que os ossos e cartilagens se reagrupem e colem para que a dor de cabeça se vá, que o fogo se apague. Todos os pedidos, as súplicas, avisos, ordens são precedidos de menção a Deus e a Virgem Maria, colocando assim a Rezadeira/Rezador de Preceito, como sendo mensageiros, mediadores, viabilizadores, canalizadores e catalisadores da fé, verdadeiros instrumentos pelos quais os suplicantes rogam e esperam alcançarem a cura de seus infortúnios.

Os relatos e conversas evidenciaram a grande capacidade de agência das Rezadeira/Rezadores de Preceito. Destarte, neste trabalho a voz foi dada a quem de direito, pois o que importa é evidenciar suas percepções de mundo, evidenciar como suas trajetórias, lutas e lidas sociais sobrevivem em nossa sociedade. Foi até aqui que consegui chegar.

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