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Considerações finais sobre o protocolo “MBKeta”

III. COMPONENTE PRÁTICA

4. Discussão

4.4. Considerações finais sobre o protocolo “MBKeta”

A adição de butorfanol à combinação de quetamina e medetomidina, já de si eficaz e poten- cializada, acrescenta algumas vantagens ao protocolo quetamina-medetomidina, discutido anteriormente nesta dissertação . Ao incorporar-se o butorfanol, é possível reduzir a dose de medetomidina necessária para imobilização e, assim, minimizar os efeitos secundários car- diovasculares desta (bradicardia; Chickitt et al, 2001). O butorfanol é um opióide com fortes

propriedades sedativas e alguma capacidade analgésica (Burroughs, Meltzer & Morkel, 2012) e, tal como a quetamina e a medetomidina, apresenta grande disponibilidade comer- cial, sendo facilmente encontrado na clínica de pequenos animais.

Chickitt et al. (2001) avaliou os efeitos cardiopulmonares desta combinação de fármacos (quetamina-medetomidina-butorfanol) em nove gazelas de Thompson (Gazella thomsoni) em cativeiro. Recordando as doses do protocolo “MBKeta” (1,5 mg de quetamina, 0,05 mg de medetomidina e 0,05 mg de butorfanol por quilograma de peso vivo), o protocolo anesté- sico avaliado por Chickitt et al. (2001) consistia numa dose de quetamina e butorfanol subs- tancialmente superior à utilizada no protocolo (“MBKeta”) em estudo (5 mg/kg e 0,40 mg/kg, respectivamente) e uma dose de medetomidina ligeiramente inferior (0,04 mg/kg). Este pro- tocolo apresentou um tempo de médio de indução semelhante ao resultado que obtivemos com dosagem adequada do “MBKeta” (cerca de 5 minutos e meio), mas bastante inferior ao resultado obtido para o total dos resultados (cerca de 8 minutos). O fato do protocolo avalia- do por Chickitt et al. (2001) apresentar apenas 22% de subdosagens anestésicas (dois ca- sos num total de nove) enquanto o protocolo em estudo apresenta 35% (nove casos num total de vinte e seis), justifica o aumento do tempo médio de indução, no protocolo “MBKe- ta”, para o total das imobilizações químicas. Em relação aos parâmetros de monitorização, os valores médios de FR situaram-se entre as 10 e 30 rpm, enquanto as FC apresentaram valores superiores a 45 bpm mas sempre inferiores a 60 bpm. Os valores de saturação san- guínea em oxigénio foram consideravelmente inferiores aos apresentados pelo protocolo em estudo, com três gazelas a apresentarem valores inferiores a 90%. Por fim, tal como os res- tantes parâmetros, a temperatura apresentou uma ligeira diminuição durante o procedimento anestésico. O tempo médio de recuperação apresentado por este protocolo foi ligeiramente superior a nove minutos. Para avaliar este resultado é necessário considerar as diferenças na administração do antídoto: no protocolo avaliado por Chickitt et al. (2001) realiza-se a antagonização da medetomidina e do butorfanol (com atipamezol e naloxona, respetivamen- te) e a via de administração utilizada é unicamente a intramuscular; por sua vez, o protocolo “MBKeta” indica unicamente a utilização de atipamezol na reversão anestésica, adminis- trando metade da dose por via intramuscular e a segunda metade por via endovenosa. Ain- da assim, o resultado apresentado por Chickitt et al. (2001), uma média de 9,3 minutos, é bastante superior à do protocolo em estudo (3,5 minutos). As complicações anestésicas re- portadas foram idênticas às que ocorreram no protocolo em estudo: alguns casos de hiper- salivação (efeito secundário da quetamina) e timpanismo (associado à medetomidina). Comparando os dois protocolos, o protocolo MBKeta apresenta um tempo de indução, com dosagem anestésica adequada, semelhante ao apresentado pelo protocolo estudado por Chickitt et al. (2001) e um tempo de recuperação inferior. O protocolo MBKeta apresentou uma distribuição da temperatura corporal, FR e FC semelhantes (ainda que os valores mé-

dios de FC se tenham situado num intervalo maior) e os valores de saturação da hemoglo- bina em oxigénio substancialmente superiores, não apresentando casos sugestivos de hipo- xemia. Ainda assim, a principal desvantagem do protocolo anestésico avaliado por Chickitt el al. (2001) recai sobre o grande volume de butorfanol necessário para uma dose de 0,4 mg/kg. Tal volume torna impraticável a administração remota da solução anestésica, funda- mental em animais de vida livre.

O protocolo “MBKeta” apresenta um conjunto de características que permite o seu reconhe- cimento como um método alternativo na imobilização de ungulados selvagens de pequeno e médio porte, durante um período entre 45 minutos a uma hora. O seu tempo de indução é ótimo (supondo que todos os animais sejam submetidos a uma dosagem adequada ao seu peso real) e a reversão anestésica bastante rápida (após 30 minutos de anestesia), possibili- tando a sua utilização em animais de vida livre. As operações apresentam, na generalidade (com exceção dos gamos [Dama dama]), um relaxamento muscular adequado e um plano anestésico estável e suficiente para realização de pequenos procedimentos cirúrgicos. Com a adaptação do protocolo para gamos (Protocolo B), também estes alcançaram planos anestésicos mais profundos. Os valores dos parâmetros de monitorização confirmam a in- dução de um plano de anestesia estável e sem grandes complicações anestésicas. As prin- cipais alterações das funções cardíacas e respiratórias encontram-se associadas a situa- ções de subdosagem e sobredosagem. Ainda assim, em todas as situações de subdosagem foi possível imobilizar o animal, e apenas em três casos houve necessidade de reforço anes- tésico. Os animais com sobredosagem anestésica apresentaram uma anestesia algo pro- funda mas bastante estável, assegurando a grande margem de segurança deste protocolo. O animal de menor porte imobilizado com o protocolo em estudo apresentava 24 kg (mu- flão), enquanto o de maior porte foi um búfalo africano de peso estimado em 650 kg. A grande margem de aplicação apresentada pelo protocolo “MBKeta” foi também confirmada pelos bons resultados apresentados na imobilização química de três animais com a mesma dose de solução anestésica formulada para 100 kg: um muflão de peso de 95 kg, um gamo de 70 kg, e um chital de 77 kg. A mortalidade e morbilidade do corrente estudo foram nulas. Por fim, para que este protocolo de imobilização química possa ser utilizado por médicos veterinários envolvidos na área, é necessário o acesso aos fármacos descritos, numa con- centração superior à disponível no mercado português, principalmente da medetomidina (disponível apenas em 1mg/ml). Encontram-se, porém, disponíveis na Europa, formulações de medetomidina, que podem ser importadas com relativa facilidade, em concentrações de 20 mg/ml, o que permite (nas doses descritas) imobilizar um animal até 150 kg com um dar- do de 3 ml, utilizando butorfanol em concentração de 10 mg/ml e quetamina a 100 mg/ml, formulações estas amplamente disponíveis no mercado português.