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Objetivamos determinar aproximadamente a medida da eficácia e da duração da “teoria das relações humanas” como ideologia na realidade brasileira. As dificuldades são múltiplas e ainda persistentes. Existem também muitos aspectos a serem considerados, mas que ultrapassam os limites de um artigo. Expusemos, no entanto, alguns importantes achados que permitem apontar provisoriamente para uma efetividade consideravelmente limitada de tal teoria como ideologia.

Do mesmo modo como a psicotécnica, os vestígios reais de eficácia se encontram em exemplaridades mais singulares, embora o problema da racionalização do

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trabalho tenha transbordado muitíssimo mais os limites fabris e revelado efeitos de maior extensão – assunto para outra ocasião, como já deixamos indicado. No caso do “humanismo”, por mais que encontremos muitos traços de sua circulação, a efetividade parece ser identificada nos limites de grande corporação multinacional, mas que não se torna uma mediação geral. Mesmo os cursos de relações humanas aos operários não foram capazes de frear o movimento grevista mais intenso que surge na década de 1970, precisamente na região do ABC paulista marcado pela presença das grandes empresas multinacionais do setor automobilístico.

Além da concretude particular de um capitalismo hipertardio que não cria as condições objetivas para o desenvolvimento de um ideário próprio e atinente aos seus problemas reais e da relativamente baixa resistência do operariado, vimos como a força direta e o direito funcionaram decisivamente mais como mediações ideológicas potentes em dar direção ao conflito social. Não se pode abstrair fatores objetivos como a taxa média superior dos salários no caso da multinacional indicada. Não obstante, é preciso determinar com a continuação da pesquisa se as teorias da administração não possuem um caráter muito mais limitado aos muros fabris se comparada com o direito, mais universalizante por médio do estado capitalista e de sua burocracia. Essa comparação entre elementos de potencial ideológico pode nos ajudar a explicitar futuramente a

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especificidade das teorias da administração e seus efeitos na realidade brasileira frente a outros candidatos a desempenhar a função ideológica sobre conflitos sociais.

Nesse sentido, as constatações de Bendix e Braverman a respeito do baixo efeito da “teoria das relações humanas” nos Estados Unidos, somadas às indicações que fizemos na presente exposição, implicam considerarmos, a título de hipótese de trabalho, um aspecto relevante na comparação com outras expressões teóricas, como o taylorismo e os desdobramentos dados pelo fordismo e toyotismo, anos mais tarde. As teorias que expressam mais nitidamente os problemas práticos de determinado momento nos ciclos de acumulação possuem mais potencial de funcionar como ideologias, pois precisam acomodar uma nova e às vezes drástica modificação na organização do trabalho como resposta às alterações nos padrões de acumulação. Como esses padrões tendem a dominar amplos setores produtivos por efeito da concorrência entre os capitais individuais, movimentam massas humanas, implicam inúmeros efeitos e acionam reciprocidades dos aparelhos estatais como resposta às novas condições produtivas. Os conflitos provenientes dessas modificações alcançam níveis para além de casos singulares, demandando uma resposta num plano mais elevado de cobertura. Entram nessa equação não apenas teorias da administração, mas também a política, o direito etc.

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Outro é o caso da “teoria das relações humanas” e expressões correlatas. O grau de abstração maior, num território mais movediço como o da antropologia social, implica um potencial menor de se converterem em ideologias – a despeito de seu caráter ideológico, nos termos que apresentamos antes. Existe para esses casos um aspecto nada desprezível: o nexo causal entre a efetivação desses ideários e as condutas humanas por eles esperados é muito mais suscetível a resistências passiva e ativa, e ao acaso, do que modificações objetivas na organização técnica do trabalho (taylorismo, fordismo...) como resposta a um estágio específico dos padrões de acumulação. Mas tudo isso não dispensa a pesquisa das particularidades por meio das quais se objetiva os processos capitalistas, pois o modo como, no caso, o Brasil se conectava aos ciclos de acumulação numa formação atrófica do capital implica – como no geral – uma “relação desigual do desenvolvimento” (MARX, 2011, p. 62) entre as condições produtivas e as “expressões teóricas” com potencial ideológico. O exemplo de Simonsen é emblemático nesse sentido, pois a particularidade brasileira permitia que fosse um contemporâneo intelectual de um estágio do capitalismo que imprimia as exigências de racionalização (combinando elementos estadunidense e germânico, com preponderância do segundo), mas em condições atróficas de desenvolvimento. E isso vale também com considerável grau explicativo para a situação brasileira no período investigado, quer dizer, a eficácia e duração das teorias da administração, e a “humanística” em particular, como ideologias não se

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encontram no grau em que circulavam no ideário dos homens práticos e seus ideólogos, mas nas condições de possibilidades reais que tornam tais ideologias necessárias e possíveis. Tais homens práticos e ideólogos, ao menos os que poderíamos chamar de vanguarda da burguesia ascendente, eram contemporâneos do resto do mundo no plano teórico, mas viviam uma miséria material particular de um capitalismo de objetivação hipertardia. O potencial ideológico precisa, portanto, ser apreendido da realidade concreta e não tomado como suposto.

Isso nos leva a algumas questões importantes e que servirão de guia para a continuidade da pesquisa. A primeira é não superestimar as teorias da administração como ideologias. Seu caráter ideológico desvendado não confere automaticamente potência resolutiva ou diretiva aos conflitos sociais. A segunda é não tomar o modelo de funcionamento das ideologias em território estadunidense para transpor para a realidade brasileira. É a concretude da particularidade que cria as condições objetivas para determinadas práticas e torna determinadas exigências operativas e obstrui outras. A terceira é considerar decisivo a ruptura com apriorismo conceitual sobretudo no caso da ideologia. É a realidade material que precisa mostrar se um conjunto de teorias e práticas funcionam ou não como ideologias independentemente de sua retidão e do conteúdo de seus resultados.

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Por fim, cabe dizer que o cuidado em não superestimar não deve nos levar ao erro oposto, uma subestimação de tais teorias como absolutamente desimportantes na realidade nacional. Mas é a pesquisa histórica que deve mostrar essa medida.

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Resumo

O objetivo do artigo é determinar a presença da “teoria das relações humanas” como ideologia na particularidade brasileira. Retomando o debate sobre as teorias da administração como ideologias, o texto explora por meio de pesquisa histórica a realidade nacional em busca de evidências da eficácia e da duração de tal teoria na realidade brasileira apreendida como formação hipertardia do capitalismo. Os resultados apontam que, por mais que existam traços de sua circulação, a efetividade daquela teoria como ideologia parece ser identificada nos limites de grande corporação multinacional, mas que não se torna uma mediação geral sobre os conflitos sociais.

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