• Nenhum resultado encontrado

OS ESPAÇOS LIVRES DOS ASSENTAMENTOS POPULARES SÃO EFETIVAMENTE ESPAÇOS DE SOCIABILIDADE?

Os espaços livres localizados nos assentamentos populares podem ser caracterizados como espaços públicos? Foi esta pergunta que nos dispomos a responder no decorrer desta pesquisa. Usando outras palavras, este trabalho procurou analisar os espaços livres da ZEIS do Poço da Panela a fim de verificar se estes espaços poderiam ser considerados efetivamente públicos ou não.

Com o intuito de analisar os espaços livres considerando a possibilidades destes serem públicos, buscamos conceituar o que entendemos por espaço livre público, nossa variável em questão. Chegamos à conclusão, então, de que a categoria “público” a que queríamos chegar diz respeito à possibilidade de interação social a partir do livre acesso de todos os indivíduos a determinado espaço.

O espaço público foi então definido para este trabalho como principal lócus de reprodução de vida coletiva, segundo Gomes (GOMES apud ALBERNAZ, 2004)206, concebido como facilitador das práticas sociais, e ainda espaço de sociabilidade entre os diferentes grupos sociais que aí se relacionariam entre si.

Além da sociabilidade que procuramos aferir, utilizamos também outra categoria de análise: o território, pois a existência deste pode ou não interferir na sociabilidade de determinado espaço. Assim, nosso estudo se baseou em verificar a existência de territórios em tais espaços formados por diferentes grupos sociais, bem como na interação entre os mesmos para se chegar à sociabilidade.

Ao longo desta dissertação, pôde-se perceber como o estudo da sociabilidade é algo complexo que precisa ser aprofundado se quisermos chegar a resultados concretos e objetivos. Foi “preciso entendê-la como algo constantemente constituído (e dissolvido) pelos indivíduos, através de interações recíprocas” (FRÚGOLI, 2007)207 e apesar de sua complexidade, nos foi possível chegar a algumas conclusões. Vimos que para que haja sociabilidade nos espaços livres, é preciso que exista co-presença dos usuários, de diferentes gêneros, faixa etária e faixa de renda, e ainda que estes exerçam atividades coletivas e se relacionem entre si.

206

ALBERNAZ, P. Op. Cit., 2004, p. 45. 207

OS ESPAÇOS LIVRES DOS ASSENTAMENTOS POPULARES SÃO EFETIVAMENTE ESPAÇOS DE SOCIABILIDADE? 

154 Verificamos a existência de 17 espaços livres na ZEIS do Poço da Panela. Primeiramente, observamos que estes espaços são utilizados de forma intensa pelos moradores da área, seja para atividades de lazer, comumente exercidas nos espaços livres públicos, seja para atividades domésticas de cozinhar, ou lavar e estender roupas, devido à exigüidade das moradias existentes no assentamento. Notamos também que os moradores costumam passar grande parte de seus dias nas calçadas e ruas da ZEIS, apenas observando quem passa e conversando com os vizinhos, o que faz com que estes possuam uma forte relação de proximidade, constituindo assim, uma “grande família” (DOS SANTOS, 1985)208.

Pouco a pouco, no entanto, fomos nos dando conta do relativismo do termo “público” na sociedade contemporânea. Assim, buscamos analisar alguns espaços livres considerados públicos, localizados no entorno do assentamento, com o intuito de compará-los com os espaços livres existentes na ZEIS, analisados inicialmente. A conclusão a que se chegou é de que tanto os dois espaços livres considerados públicos – o pátio da Igreja Nossa Senhora da Saúde e a pracinha do “Amor” – quanto os 17 espaços livres – recantos nos quais havia algum aglomerado de gente na ZEIS – possuem restrições de usos e de sociabilidade entre os diferentes usuários.

Vimos que os dois espaços livres públicos analisados, apesar de serem considerados públicos, não atendem a todas as características do ser “público”, pois embora sejam acessíveis a todos, as pessoas que os freqüentam não interagem entre si, e se fecham em seus grupos sociais, chegando até a formar micro-territórios para uma melhor e mais pacífica utilização dos espaços. Observamos também que os 17 espaços livres encontrados na ZEIS foram sendo formados visando atender apenas à população local que vive na área, e, portanto, não sendo muito comumente utilizados por não residentes.

Os territórios e micro-territórios existentes no bairro do Poço da Panela, bem como as práticas sociais que ocorrem nestas áreas, fazem os espaços serem vivenciados de forma diferente e fragmenta o bairro em “pequenos mundos”. Essa é a dinâmica da cidade que reflete, por conseguinte, na dinâmica do bairro. Ainda assim, verificamos que existem espaços livres com potencial para se tornarem públicos na ZEIS, mas não o são devido aos territórios demarcados na mesma que fazem com que estes espaços sejam de uso apenas aos moradores da área. Ao nosso entender, existem alguns motivos para que isso ocorra:

208

155 (1) Os espaços livres da ZEIS, em geral, não têm atrativos suficientes para incitar

um grupo de usuários mais diversificados que não moram na ZEIS. São espaços que foram sendo criados para atender a uma população local mais restrita. Inclusive dentro da ZEIS, o único espaço livre que atende a toda comunidade é o campo de pelada;

(2) Além dos espaços livres potencias não serem atrativos o suficiente, o restante do bairro elitizado do Poço da Panela, se caracteriza por alguns fenômenos existentes na sociedade contemporânea, como a privatização dos espaços livres públicos, com fechamento de ruas e condomínios e o conseqüente emuralhamento da vida social (GOMES, 2002)209;

(3) Mesmo que as pessoas de outros estratos sociais freqüentassem esses espaços livres, muito provavelmente não haveria interação entre os diversos grupos sociais. Fato que foi constatado ao analisar os dois grandes espaços livres públicos situados no entorno da ZEIS.

Passamos, então, a refletir sobre a validade desse questionamento: será que existe na cidade do Recife espaços efetivamente públicos, no sentido mais amplo da palavra?

Assim, pensamos no parque da Jaqueira, espaço livre bastante citado entre os moradores da ZEIS ao qual nos dirigimos com questionários e que a princípio era o mais próximo da concepção de “espaço público” que adotamos como parâmetro ao longo deste trabalho. O parque da Jaqueira, por exemplo, é público, mas existe um pacto de uso no qual é implícito que durante a semana ele é utilizado pelos moradores de estratos sociais mais altos que vivem em suas imediações e que durante os finais de semanas, pessoas de estratos sociais mais baixos o freqüenta.

Posteriormente, procuramos refletir sobre outro espaço público de máxima importância em nossa cidade: a praia. Logo percebemos que na praia também existe um pacto de uso. Aos domingos é dia da população mais pobre freqüentá-la, e isso já está implícito em todos os usuários. Além do mais, na praia, nota-se claramente a existência de territórios demarcados, os quais são acessados por pessoas de diferentes níveis sociais, não havendo, desta forma a “co-presença” dos usuários (SIMMEL, 1983)210.

209

GOMES, P. C. C. Op. Cit., 2002. 210

OS ESPAÇOS LIVRES DOS ASSENTAMENTOS POPULARES SÃO EFETIVAMENTE ESPAÇOS DE SOCIABILIDADE? 

156 Poderíamos citar vários outros exemplos nos quais ocorreriam o mesmo. Portanto, chegamos à conclusão de que todo “público” tem restrições, ou seja, não são totalmente públicos como deveriam. Na sociedade atual, o uso dado aos espaços ditos públicos tornam-se cada vez mais exclusivos, e o caráter público passa a não existir. Segundo Albernaz (2004)211, “muitos autores admitem que o espaço público deixou de assumir o papel que teve outrora como suporte e condição para a interação social”.

Verificamos então que os espaços livres públicos remanecentes já não possuem mais o seu caráter de “público” que os definiu previamente, pois as pessoas de distintos níveis sociais já não interagem neles e consequentemente não é exercida a sociabilidade. De acordo com Serpa (2007)212, “há uma necessidade de se repensar o futuro das cidades contemporâneas, cada vez mais segregadas em espaços privatizados, sendo rechassados os espaços públicos existentes”.

211

ALBERNAZ, P. Op. Cit., 2004, p. 48. 212

157

Documentos relacionados