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trabalhava em vários cargos e projetos da própria universidade Nesse processo, já combinado antes da codocência, Marta

VI. Considerações Finais

Ao longo dessas páginas percorremos vários caminhos, desde a história do PQLP, aos referenciais teórico-metodológicos mobilizados, pela história de Timor-Leste e suas línguas, atravessando o campo ainda em movimento dos estudos de colonialidade e transnacionalização do curricular e das práticas educativas, até chegar ao PPP e às falas dos professores.

Nesse caminho, podemos notar que as relações educacionais em Timor-Leste, especialmente ao levantar a questão da língua portuguesa, são extremamente complexas. Os referenciais que tratam das sombras perpetradas pela exploração europeia do novo mundo, sua racionalidade e universalidade, chamadas colonialidades levantam ainda mais perguntas do que respostas sobre as práticas educativas no contexto timorense. Tais perguntas ainda se elevam ao pensarmos no ensino de ciências, uma área dominada pelo pensamento hegemônico eurocentrada pela própria configuração epistemológica moderna dada à Ciência.

Devido a essa forte universalidade e cariz excludente da ciência moderna, aliado ao caráter assistencialista da cooperações internacionais, era esperado encontrar práticas e discursos associados às colonialidades na codocência executada na formação de professores de ciências com estrangeiros na UNTL. Durante às análises, encontramos diferentes práticas dessa mesma “codocência”, revelando uma grande polissemia entre os cooperantes, não apenas na sua definição, mas também na sua materialização.

E não apenas a prática da codocência apresenta essas características. O PPP elaborado pelos cooperantes do PQLP também traz em sua estrutura uma heterogeneidade discursiva interessante, oscilando entre cooperação assistencialista e a superação desse discurso, em busca de uma visão de benefício e aprendizado mútuo. O PPP, também, passa de maneira rápida pelas questões de colonialidade, algo esperado devido à novidade dessas reflexões, oriundas das ciências sociais, na educação. Mesmo assim, o documento apresenta fortes influências dos estudos de Paulo Freire e da educação CTS, caracterizando um movimento em direção a práticas que tentam superar as colonialidades e a transnacionalização através da valorização do contexto local, da crítica ao modo como a ciência é retratada tradicionalmente e ao processo dialógico.

Nas entrevistas podemos perceber a valorização dos timorenses e dos brasileiros à codocência como uma prática com potencial coformativo, mesmo em momentos em que tal relação não parece se

estabelecer, através do posicionamento dos dois professores envolvidos como aprendizes. Ainda assim, a coformação parece afetar de modo diferente os professores brasileiros dos timorenses, no sentido de trabalhar áreas distintas da prática pedagógica.

A língua portuguesa e o tétum também aparecem como características chave para se pensar a codocência. Enquanto a codocência aparece como um espaço importante para a implementação do português na UNTL, ela também impõe barreiras à prática quando o professor timorense não se sente confiante em utilizá-la. De forma semelhante, a obrigação do uso da língua portuguesa fortalece as relações de poder existentes entre conhecimento científico e conhecimento local. O tétum, nesse jogo, parece limitado por não ser, historicamente, inserido no contexto científico. Entretanto, dependendo da maneira como o professor cooperante se aproxima dessa questão, pode acontecer um fomento pelo desenvolvimento da estrutura científica do tétum, especialmente pela tradução de termos científicos através da negociação de sentidos. De modo que a palavra timorense possa se tornar possível na construção do conhecimento.

Outra questão importante percebida na análise das entrevistas é a proximidade entre dialogicidade e decolonialidade. A prática dialógica freireana, além de colocar o educador como aprendiz, desestabiliza o currículo, podendo abri-lo para a realidade e desejos locais, aproximando – mas não garantido – uma crítica à colonialidade. De modo que as práticas que questionaram as monoculturas da mente estavam sempre associadas à essa aproximação dialógica na codocência. Pensando em todo esse cenário levantado, podemos indicar alguns caminhos necessários para a efetivação da codocência como prática crítica à colonialidade. A formalização da codocência, através de diretrizes, por parte da UNTL, evidenciando questões de carga horária e obrigações dos codocentes que atuam em seus cursos é uma primeira sugestão. Dessa maneira, a valorização do tétum, mesmo no nível superior, para seu desenvolvimento quanto língua do conhecimento, deveria estar colocada pela universidade. Por parte da UNTL, a adequação de carga horária dos seus professores também é interessante, a fim de não tornar a codocência uma prática de sobrevivência aos professores, mas de formação. Uma formação de pares docentes mais transparente, democrática e com conversas entre timorenses e estrangeiros antes de formar o par docente também é importante, para fomentar os laços de afetividade, conforto e empatia entre os professores. Por parte dos estrangeiros, a crítica constante ao discurso assistencialista é extremamente importante para construir relações

dialógicas e coformativas entre os professores. Por fim, a abertura do estrangeiro aos desejos do timorense, na questão de quais conhecimentos devem ser trabalhados no contexto timorense, e o abandono da universalidade de seu conhecimento devem ser indispensáveis para criar uma codocência coformativa e que busque a autonomia do professor timorense.

Através dessas sugestões e das demais questões levantadas aqui, penso que os objetivos dessa pesquisa foram alcançados. Entretanto, vejo nela algumas limitações. Apesar da quantidade de dados obtidos nas entrevistas, a quantidade de entrevistados não reflete, como pudemos perceber, o grande número de possíveis relações de codocência possíveis no contexto. A dificuldade de conseguir sujeitos timorenses e observar as interações in loco, enquanto acontecem foram limitantes na pesquisa.

A continuidade do PQLP ainda é uma incógnita. Um novo memorando de entendimento foi encaminhado e está em discussão, mas ainda não se sabe o que pode acontecer devido a todos os cortes orçamentários que ocorrem hoje. Nesse sentido, mesmo que essa parceria Brasil/Timor-Leste possa acabar, penso que essa pesquisa também tem um cunho histórico, ao tentar resgatar essa prática da codocência entre brasileiros e timorenses na UNTL. Entretanto, com o avançar da internacionalização das universidades brasileiras e possíveis intercâmbios Sul-Sul com instituições estrangeiras, as conclusões demonstradas aqui podem possuir importância em novas cooperações internacionais, através da busca de uma formação continuada mais justa para os participantes.

Com todas essas contribuições em mãos ainda sobram caminhos a percorrer. A relação entre colonialidade e ensino de ciências demonstram ricas possibilidades de pesquisas. Não apenas ao pensar o encontro entre culturas estrangeiras, mas, inclusive, ao se pensar como um país tão culturalmente diverso como o Brasil, na educação indígena bilíngue, por exemplo, e com produção intelectual centrada em algumas regiões/universidades.

Esse debate se releva ainda mais no momento atual, em que é debatida a Base Nacional Curricular Comum (BNCC). Além da transnacionalização do currículo já evidenciada, outro processo semelhante que pode ocorrer através da BNCC é o silenciamento das periferias do Brasil, em especial nossas regiões norte e o nordeste, em um processo de transregionalização curricular. Dadas as condições sócio-históricas de nossa produção de conhecimento e estabelecimento de modelos internos de desenvolvimento, esse processo pode privilegiar

as regiões sul e sudeste como produtoras do conhecimento e detentoras dos modelos a serem seguidos, em um movimento semelhante ao que acontece em países como Timor-Leste.