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Considerações finais: um processo de acúmulo de experiências

No documento v. 06, n. 01 (2011) (páginas 96-101)

the brazilian State and the international relation of brazilian Subnational Units

4. Considerações finais: um processo de acúmulo de experiências

Soldatos (1990) desenvolveu a seguinte representação gráfica dos processos políticos que per- meiam a atuação internacional de unidades subnacionais – por ele definida como paradiplomacia:

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CARTA

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Sobre tais processos, Soldatos (1990) firmava, à época:

“So far, no political system has developed new effective processes or institutions to handle the new subnational governmental initiatives or responses as they traverse the national boundaries, coming from both within and without. We observe that, in response to these various percolations of national sovereignty, some national elites, as could have been expected, advocate a tighter centralization in the conduct of all external relations to prevent predominance of one territorial sector at the expense of another. Some other elites, taking into account the inevitability of the contemporary porousness of sovereign boundaries, appear resigned to the concept of inevitable segmentation of the conduct in non-security fields of foreign policy.” (SOLDATOS, 1990, p. 3)

É possível verificar que as dinâmicas que se estabelecem entre o Estado nacional brasileiro e as unidades subnacionais brasileiras diante da intensificação da atuação internacional subnacional tendem à cooperação e à racionalização em detrimento da crise e do conflito. A diplomacia federativa deve ser entendida como uma política elaborada e emplementada sob a sombra do receio do Estado nacional brasileiro diante da atuação paradiplomática. Portanto, tratou-se de uma política que visava coordenar – e, no limite, constranger – a ação internacional subnacional. Contudo, é preciso ressaltar que este receio vem sendo paulatinamente superado.

Pode-se ainda concluir que, diante do cenário descrito por Soldatos (1990), a posição do Estado brasileiro é, hoje, significativamente próxima àquela advogada pelas elites que, resignadas diante dos processos transnacionais contemporâneos que desafiam fronteiras nacionais, reconhecem a atuação internacional subnacional como prática válida e legítima em matéria que não interferem na estratégia internacional do governo central, não se opõem às opções econômicas do Estado e não tocam em questões sensíveis do ponto de vista da segurança nacional.

Procurando avançar no entendimento de como o Estado brasileiro percebe a inserção internacional de unidades subnacionais e quais as dinâmicas que se estabelecem entre o Estado brasileiro e suas unidades constituintes neste contexto, constatamos que o receio diante da ação de unidades subnacionais no exterior que definiu a elaboração e execução da primeira política de Estado brasileira concebida para lidar com atuação internacional subnacional, por fim, vem sendo paulatinamente superado em função de um acúmulo gradual de experiências em todos os níveis de governo. Este acúmulo se dá em dinâmicas de stop and go e é determinado por dois fluxos simultâneos de experiências: a intensificação da atuação internacional empreendida pelas unidades subnacionais brasileiras, de um lado, e as sucessivas tentativas de acomodação desse processo desenvolvidas pelo Estado nacional brasileiro, de outro.

Por fim, o estudo do processo adaptativo que culmina no paulatino amadurecimento da percepção do Estado brasileiro frente à inserção internacional de suas unidades constituintes permite duas conclusões importantes.

Quanto à primeira conclusão, Cornago (2010) afirma que o processo mútuo de ajuste e adaptação entre as os governos central e locais pode ser descrita nos termos utilizados para descrever o processo de socialização internacional – tal qual definido por Checkel (2007). Ou seja, o Estado nacional, inicialmente, calcularia custos e benefícios, meios e fins e – seguindo uma logic of consequences – reconheceria a atuação internacional de unidades subnacionais como uma prática válida. Em seguida, o Estado nacional adotaria uma nova postura e agiria de acordo com

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novas regras, normas e protocolos – seguindo uma logic of appropriateness (CORNAGO, 2010; CHECKEL, 2007).

Para o caso brasileiro, enfim, podemos constatar que a percepção de que a atuação internacional subnacional implicaria necessariamente riscos à eficiência da política externa brasileira e, no limite, à unidade federativa vem sendo, em suma, superada e, em setores relevantes do Estado brasileiro, substituída pela percepção de que tal modalidade de atuação oferece mais oportunidade que riscos e deve, portanto, ser apoiada ao invés de constrangida. No entanto, a falta de consenso a respeito de questões centrais ligadas à atuação internacional de unidades subnacionais em setores relevantes do Estado brasileiro, permite concluir o amadurecimento da percepção de tal Estado diante da intensificação da inserção internacional subnacional não corresponde, ao menos até o momento, à adoção de uma logic of appropriateness. Ao contrário, tal amadurecimento corresponde, enfim, a um processo adaptativo que, em função do acúmulo de experiências, obedece a uma logic of consequences.

Quanto à segunda conclusão, por fim, verificamos que o processo adaptativo que culmina no amadurecimento da percepção do Estado brasileiro frente à inserção internacional subnacional não se trata de um processo que obedece a uma lógica de causalidade – não há um elemento determinante que resulta em tal amadurecimento. Trata-se, em oposição, de um processo definido por elementos contingentes cuja resultante é a maturação da percepção do Estado brasileiro diante da atuação internacional subnacional; a adoção de novas posturas; a construção e multiplicação de novos discursos e o desenvolvimento de novos arranjos administrativos e novos instrumentos institucionais. O presente trabalho buscou, finalmente, documentar e examinar os eventos que desempenharam papel catalisador em tal processo para compreender os mecanismos de diálogo, mediação – e, por vezes, controle – federativo concebidos pelo Estado brasileiro no que diz respeito à inserção internacional subnacional; avançar no entendimento de como a atuação internacional de unidades subnacionais é percebida pelo Estado nacional brasileiro e contribuir para o desenvolvimento da agenda de pesquisa a respeito da atuação internacional de unidades subnacionais brasileiras e da política externa brasileira; bem como contribuir para a consolidação do tema da inserção internacional de governos subnacionais na agenda científica das relações internacionais.

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Excepcionalismo americano e as violações de direitos humanos no pós-11 de setembro | 101

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Excepcionalismo americano e as violações

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