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O objetivo central desse estudo foi compreender como a mudança de gestão de uma instituição prestadora de serviços de saúde – Hospital São Rafael - trouxe repercussões para a organização do trabalho das assistentes sociais que a ela estão vinculadas. Para isso foi feita uma análise sobre o trabalho das assistentes sociais do referido hospital a partir da categoria processos de trabalho, a qual indica que o trabalho do assistente social só pode ser compreendido se este estiver situado nas relações sociais e institucionais que lhe determinam e lhe dão significa social diferente.

O trabalho do assistente social, independente da instituição ao qual ele está vinculado, sofre a dupla determinação do trabalho concreto e do trabalho abstrato, dimensões estas que ao considerar as particularidades da instituição empregadora ganham especificidades nas atividades desenvolvidas, como também na relação de comprar e venda dessa força de trabalho diante do empregador.

Assim, o que podemos concluir desse estudo é que ao mudar de uma gestão filantrópica para uma gestão privada, o trabalho do assistente social ganha particularidades nos processos de trabalho nos quais se insere no Hospital São Rafael. A empresa detentora dos recursos para a efetivação do trabalho profissional, no atual contexto tem como finalidade na prestação da assistência à saúde o lucro. Essa mudança ocasionou na redução do papel das assistentes sociais nas atividades desenvolvidas na instituição. A demissão de 75% do quadro de profissionais pela atual gestora trouxe impactos para a qualidade dos serviços prestados e para a sobrecarga de trabalho, caracterizando o trabalho das assistentes sociais como atividades imediatas e sem muita possibilidade de acompanhamento ao usuário que adentra na instituição.

Nessa direção é valido destacar que entendemos esse processo de venda de uma unidade de saúde filantrópica para uma empresa com finalidade lucrativa como um fenômeno, que expressa o próprio movimento da sociedade capitalista e do neoliberalismo, cujas medidas, desde a década de 1990 são marcadas pela privatização das políticas sociais e, nesse caso específico, o próprio processo de “empresariamento” das entidades filantrópicas. A saúde, na perspectiva do projeto privatista, não mais vista como um direito de todos e um dever do Estado, passa a ser o campo de investimento de muitas empresas capitalistas, entre elas a Rede D‟OR, inclusive, com a ajuda de medidas tomadas pelo governo, como permissão de investimento estrangeiro no campo da saúde. O processo de mudança do São Rafael é uma

expressão da predominância dos princípios neoliberais no cenário brasileiro, a tendência cada vez mais a privatização, tendo o mercado como o principal fornecedor de bens e serviços.

Nesse estudo também foi identificado que o atual sistema de saúde brasileiro, marcado pelas características e predominância do setor privado, tem sua base de desenvolvimento no período do governo militar e ganhou forças na década de 1990 com o ideário neoliberal. Isso revela as dificuldades o Sistema Único de Saúde, pautado nos valores da RSB, tem para se concretizar no cenário atual. A predominância do setor privado acirra as expressões da questão social que se manifestam na desigualdade de acesso aos bens e serviços de saúde, o que repercute diretamente no trabalho profissional do assistente social.

No espaço do hospital privado o assistente social está imerso em contradições. Além, de ter uma dinâmica de trabalho marcada pela emergência de resolubilidades dos “problemas”, também está inserido em uma lógica de prestação de serviços que diverge completamente daquilo que, hegemonicamente, defende a categoria. Nos hospitais privados a saúde é acessada por aqueles que têm condições de pagar pelos serviços ofertados; enquanto que o assistente social, em seu Código de Ética tem como princípio fundamental o “posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática” (CFESS, 1993).

Assim, a análise realizada aqui compreende que o trabalho do assistente social no HSR está inserido em processos de trabalho amplos, que não dependem, na maioria das vezes, da vontade e da capacidade prático-operativa dos profissionais para solucionar ou oferecer respostas eficientes aos usuários dos serviços da instituição. Contudo, em tempos como os atuais em que as expressões da questão social se acirram pela preponderância dos interesses do capital na sociedade, o enriquecimento do debate teórico e o conhecimento da realidade de modo mais fundamentado em teorias e pesquisas comprometidas com o rigor acadêmico- científico e com os interesses da população brasileira por parte dos assistentes sociais é imprescindível para formular estratégias de ação.

Nessa direção apesar dos limites e contradições dos diversos espaços ocupacionais do assistente social, não se pode perder de vista que ao mesmo tempo e pela mesma atividade o assistente social atende a interesses tanto do capital como do trabalho (IAMAMOTO, 2014). Esse entendimento possibilita a formulação de estratégias de atuação para superar alguns limites postos pela dinâmica institucional, quando o assistente social busca realizar atividades e/ou elaborar projetos que favoreçam aos interesses da instituição, demostrando para esta a

importância da ação profissional naquele espaço, para assim garantir o seu espaço de atuação e viabilizar os direitos e acessos aos usuários.

Contudo, novos desafios são postos cotidianamente para o trabalho profissional do assistente social. A conjuntura política, econômica, social e institucional na qual se insere esse profissional, em diferentes momentos históricos, tem disponibilizado diferentes recursos para operacionalidade das atividades dos assistentes sociais, bem como tem tensionado o trabalho profissional de acordo com os valores do seu Código de ética; como tem exigido respostas práticas operativas em diferentes formatos. Desse modo, o desenvolvimento de pesquisas no campo do trabalho profissional contribui para ampliar a compreensão acerca de uma atuação do assistente social pautada no “sentido social da operação e a significância da área no conjunto da problemática social” (NETTO, 1996, p. 126). Além disso, enriquece o debate teórico acerca da necessidade de consolidar uma formação de assistentes sociais com capacidade teórico-crítica, capazes de “identificar a significação, os limites e as alternativas da ação” (NETTO, 1996, p. 126) desenvolvida, independente do espaço onde se desenvolva o trabalho.

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APÊNDICE A – Roteiro de Entrevista

1. A partir da implantação do novo modelo de gestão operacionalizado pela Rede D‟OR houve impactos para o desenvolvimento do trabalho profissional? Se sim, quais?

2. Quais as principais demandas institucionais?

3. Quais as principais demandas trazidas pelos usuários do Hospital São Rafael que chegam para o serviço social?

4. De que modo a questão social se expressa no seu cotidiano de trabalho?

5. Quais as principais atividades desenvolvidas por você nessa instituição?

6. Quais são as principais dificuldades e potencialidades do exercício profissional no atual contexto do Hospital São Rafael?

7. Você avalia que as condições éticas e técnicas do exercício profissional do assistente social estão em conformidade com a Resolução CFESS nº 493/2006?

8. Quais são os principais meios e instrumentos de trabalho acionados no seu cotidiano de trabalho?

9. Quais os principais determinantes para o desenvolvimento do seu trabalho na instituição?

10. Como você compreende o significado social do trabalho do assistente social neste novo modelo de gestão?

11. De que modo o conhecimento teórico/acadêmico contribui para a realização do seu trabalho profissional?

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