• Nenhum resultado encontrado

Com o passar dos anos foram se confluindo vários interesses distintos que possibilitaram a formação de estruturas turísticas para receberem turistas e peregrinos, sejam em santuários, igrejas históricas ou festas populares. Inicialmente, esse fenômeno estava estritamente vinculado a ocorrências esporádicas e autônomas, ou seja, viagens de curta duração, geralmente organizadas por leigos em suas comunidades e paróquias de origem, que pouco utilizava serviços ou estruturas receptivas, como hotéis. Entretanto vem se verificando no Brasil, assim como em muitos países, o processo de racionalização do turismo religioso.

Em outras palavras, houve abandono gradual de uma prática espontânea em desvinculada de grupos em prol de outros empresarialmente especializados na realização de romarias e peregrinações. Com isso, formou-se um mercado específico para o setor. Nesse esforço de gestão empresarial do turismo religioso, os peregrinos e turistas passaram a contar com estruturas de receptividade e consumo desenvolvidas e geridas por profissionais especializados, que perceberam e vêm aproveitando a capacidade de atração e movimentação financeira do setor, também internacionalmente.

Os números são animadores e ajudam a alavancar as ações no setor que é dependente de muitos agentes para alcançar êxito. Sejam esforços da iniciativa privada, com investimentos em hotéis, transporte ou estrutura para alimentação; ou a partir das demandas públicas, sob responsabilidade dos entes governamentais responsáveis por infraestrutura urbana e intermunicipal.

Esse cenário pode ser ilustrado pelos números relativos à movimentação turística com motivação religiosa em 2014, contabilizados pelo Departamento de Estudos e Pesquisas do Ministério do Turismo, dando conta de 17,7 milhões de viagens32. Sendo que desse total cerca de 10 milhões fizeram viagens sem pernoitar no destino (excursionistas) e outros 7,7 milhões permaneceram pelo menos uma

32 Relatório de Tendências da WTN Latin America 2015. A pesquisa, em parceria com o Euromonitor

International, destaca as tendências emergentes em viagens e turismo no mercado latino-americano. Foi apresentado durante a feira WTM-LA 2015.

noite no local. Para efeito de comparação, em 2010, a religiosidade moveu 6,6 milhões de brasileiros até outros estados, 3,6% das 186 milhões de viagens domésticas registradas pelo Ministério do Turismo; e trouxe ao Brasil 250 mil fiéis religiosos de outros países, sendo 0,5% dos 5,1 milhões de turistas estrangeiros registrados no ano. No mundo, esse segmento específico atrai mais de 300 milhões de turistas.

O setor turístico com motivações religiosas no Brasil é fomentado essencialmente por três frentes: a iniciativa privada, representada por agências e operadoras de viagens; os governos, a partir de fluxos de investimentos das secretarias e Ministério do Turismo; e por fim, pela igreja, através da ação da Pastur da CNBB.

No âmbito da inserção de agências e operadoras, a consolidação de pacotes exclusivos para atender o turismo religioso nacional é evidente. Há de se ponderar que viagens internacionais já são realizadas há muito mais tempo, principalmente os roteiros de Israel e santuário marianos europeus. No Brasil, começam a se desenvolver experiências de algumas empresas que direcionam seus pacotes exclusivamente para turismo religioso, diferenciando, inclusive, interesses de turistas católicos e evangélicos.

Cada vez mais surgem pacotes que privilegiam os destinos nacionais, congregando visitas às regiões atrativas e também a participação em festas típicas, como é o caso de Trindade-GO com a Festa do Divino e Belém-PA com o Círio de Nazaré. Ou seja, o público procura pacotes que vinculem o momento de devoção, mas também proporcione lazer e diversão. Dessa maneira, não apenas empresas exclusivamente religiosas, mas também de turismo geral, passam a oferecer produtos que atendem essa demanda e que variam na escala de possibilidades financeiras.

Dois exemplos relevantes no Brasil são: a holding turística CVC, que realiza turismo geral e passou a comercializar também pacotes religiosos, em especial para peregrinações internacionais e de eventos, como foi o caso da canonização do papa João Paulo II e João XXIII, no Vaticano em 2014. No campo das empresas de

caráter religioso, o expoente do setor é a Catedral Viagens, especializada em turismo católico.

Outro braço de promoção do turismo religioso nacional são os órgãos públicos. Como dito, durante a JMJ no Brasil secretarias e o próprio Ministério do Turismo apoiaram o evento. Como destacou o então ministro do turismo, Vinicius Lajes, durante entrevista de pesquisa concedida em 2013, os caminhos para apoio público ao setor são dois: ações que são ligadas a apoio a eventos, através de editais que são lançados periodicamente e que pode favorecer algumas dessas práticas e manifestações; investimento para melhoria da infraestrutura turística, ou seja, melhoras as vias e nos centros de atendimento ao turista nesses sítios religiosos.

Os órgãos públicos buscam apoiar e financiar a disseminação de informações sobre a atividade turística, para orientação de peregrinos. O ministério específico e as secretarias locais podem ajudar os eventos através de editais, além de orientar através de orçamentos para quem queira desenvolver uma atividade turística desse tipo; e pode também ajudar na informação, através de atividades compartilhadas, seja no Instituto Brasileiro de Turismo (EMBRATUR) ou então em departamentos de marketing.

A ação mais recente do Ministério do Turismo, no âmbito do turismo religioso, envolve a idealização da campanha publicitária #partiuigrejasdobrasil. Essa peça destaca as principais edificações religiosas, em todas as unidades federativas e foi apresentada na feira Expocatólica 2015, que contou com uma mostra internacional de turismo religioso.

Há uma postura de investimento no setor da parte da própria Igreja Católica, através da Pastoral do Turismo, vinculada ao setor de Mobilidade Humana da Comissão Episcopal para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz, da CNBB. Ela tem como objetivo anunciado ser um referencial dessa atividade turística religiosa no país. Conta com estratégias de ação que visam à criação de equipes de agentes, incentivos e treinamento para acolhimento de peregrinos e turistas, elaboração de roteiros além do fomento da informação sobre os destinos (Chiquim, 2013). Esse organismo eclesial busca marcar presença e ocupar espaço nas áreas de turismo,

sejam com motivação religiosa ou não, aonde os turistas os peregrinos irão fazer suas férias de descanso, de lazer, de cultura e sem dúvida do exercício da devoção. Como dito, tem como prelado referencial o arcebispo de Maringá, dom Anuar Batistti, e é coordenada por uma equipe de atuação nacional formada por leigos e religiosos.

Assim como algumas das pastorais do catolicismo, esses trabalhos acontecem em diferentes países, conforme as realidades locais de dioceses e paróquias. Neste caso em especial, são aquelas com potencial receptivo de peregrinos, romeiros e turistas. Num primeiro momento da instalação da pastoral no Brasil, foi assumida a postura de ênfase políticas de mercado, ou seja, o organismo assumiu a comercialização de pacotes e produtos turísticos. Com a mudança da coordenação nacional houve afastamento de tais práticas, mas por estar imersa em uma realidade concorrencial, como é o mercado turístico, tem sempre que lidar com a ambiguidade, própria do encontro ou conflito entre as das esferas: religiosa e econômica. A Pastoral do Turismo não consegue se conter à prática de apenas informar e orientar católicos que planejam e executam viagens com motivação religiosa, acabando também por realizar atividades comerciais nesse meio.

O que está em discussão é o trabalho geralmente desempenhado através de iniciativas como esta na igreja, às quais estão vinculadas a uma percepção de gratuidade, ao passo que nessa realidade da Pastoral do Turismo há a referência da concorrência comercial, cujo público alvo é o consumidor de bens turísticos. Discursivamente em prol de um trabalho pastoral, sustentável financeiramente, aprova e realiza parcerias com empresas privadas do setor.

A ambiguidade apresentada tem clara relação com o movimento de constante necessidade da Pastur de afastar-se de empresas e entidades com interesses comerciais do setor turístico. Essa situação reitera a relação de proximidade com o mercado, característica que a difere das demais pastorais sociais da igreja. Tanto no início como após a reestruturação da Pastur interesses privados estiveram presentes em suas ações, obrigando a coordenação nacional a sempre reavaliar os interlocutores e as parcerias.

Outras pastorais, como as citadas nessa dissertação: Pastoral da Criança e Pastoral do Povo do Mar, por exemplo, executam apenas ações de orientação, suporte e encaminhamento dos seus membros, deixando totalmente e lado a perspectiva lucrativa A Pastur, no entanto, além dessas atividades tem que se relacionar com braços de um setor economicamente relevante e dotado de interesses comerciais definidos.

Os desafios para o setor no país são muitos e começam dentro da própria igreja. Digo isto, pois presenciei em trabalhos de campo a falta de informações descrita por alguns agentes da Pastoral do Turismo. Essa carência vai desde o episcopado até os leigos. Esse desafio de superar uma fase autônoma e quase que desprovida de profissionalização pode ser a chave para o fortalecimento de toda a cadeia, ou seja, colocar o setor nas mãos de pessoas capacitadas para essa tarefa. Como tem sido feito nesse esforço inicial, isso pode gerar um ambiente de maior confiança e consequente credibilidade, embora na lógica de mercado, que contraria a da gratuidade, central no cristianismo. Eis o fulcro da ambiguidade estrutural dessa organização pastoral. A despeito desse caráter ambíguo, o turismo religioso e a Pastur nitidamente tende a crescer e se desenvolver.

Documentos relacionados