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Compreender de que forma vem ocorrendoo processo deimplementaçao darede de atenção psicossocial, no contexto da política de saúde mental do município de São Carlos, é uma tarefa que pressupõe a investigação dessa etapa como tendo caraterísticas próprias e desafios que demandam, portanto, uma constante avaliação e monitoramento das estratégias utilizadas para sua efetivação. Nesse contexto, ao se introduzir novas formas de gerenciamento de processos de gestão no contexto do SUS se faz necessário considerar, por sua vez, também os enfrentamentos produzidos ao longo de uma história de constituição de uma política de saúde mental voltada para o desenvolvimento da lógica do cuidado para pessoas com transtornos mentaise com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas e suas famílias. Mais do que pensar na constituição de novos serviços do âmbito desta política, tem-se como umas das diretrizes mais importantes dessa política a garantia do acesso e da qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral e assistência multiprofissional sob a lógica interdisciplinar.

Com isso, a realização deste estudo permitiu revelar as percepções de gestores e agentes implementadores acerca da realidade atual da política de saúde mental do município; suas dificuldades e avanços; dinâmica de funcionamento e possibilidades advindas da constituição e fortalecimento de uma visão de rede. Além disso, tornou possível caracterizar e identificar fluxos estabelecidos entre diferentes políticas do município e demais entidades em relação a um dos pontos de atenção desta rede em formação. Mais do que nunca explicitou no espaço dessa política de saúde mental a existência de uma

dinâmica de conlfito que se encontra estabelecida por conta da existência de dois modelos de atenção em saúde, baseados em diferentes modos de funcionamento, que se sobrepõem, um intervindo sobre o outro e atrapalhando o seu ganho de efetividade e consolidação, devido à persistência da trajetória de fragmentação e isolamento, cujas práticas lineares e hierárquicas constrangem a adoção de procedimentos inovadores, baseados na interdependência, integração, cooperação e articulação intersetorial e multidimensional em rede. Para dar ímpeto à consolidação do modelo de atendimento em rede e vencer a força da herança da longa trajetória de compartimentação dos serviços públicos, são os agentes implementadores, burocratas de linha de frente aqui entrevistados, que esclarecem, com precisão, a necessidade e importância dos investimentos e estratégias de formação e qualificação profissional, que devem, segundo destacaram, não se restringir apenas ao conhecimento das normas e padrões, mas incluir aspectos relativos à prática e ao envolvimento destes profissionais.

Todo este processo de reflexão e análise foi fundamentado em parte da literatura que aponta, entre outros fatores:de que forma se deu o processo de descentralização do SUS e sua interface com a constituição da política atual da rede de atenção psicossocial; da perspectiva da implementação enquanto contraponto da área de políticas públicas; e da observação direta, em razãoda atuação de um dos autores desta pesquisa junto a um dos pontos que integram a política de saúde mental do município.

A diferença entre a realidade vivenciada pelos gestores a frente dos serviços e dos agentes implementadores e as diretrizes apontadas nesta política em rede, bem como na formulação de plano de ação regional, nos

permite afimar a existência de fragilidades, tanto no âmbito da gestão, no que diz respeito ao respaldo institucional para efetivação das ações necessárias para constituição e formalização desta política, mas também, por sua vez, no que diz respeito à necessária criação de mecanismos que venham a induzir processos de mudança nas práticas dos agentes implementadores em busca da adoção de processos de integração das ações e cooperação dos diferentes atores envolvidos.

Ao se prever a constituição de diferentes pontos de atenção enquanto parte integrante de uma rede de atenção psicossocial tem-se como desafio estabelecido a necessária pactuação dos diferentes serviços para assumirem, portanto novo papel. Mais do que a constituição de novos espaços de atendimento, tem-se como desafio colocado a articulação e integração das ações dos mesmos em torno do fortalecimento desta política. Corre-se o risco, caso isso não ocorra, de se tornar mais uma política advinda do Governo Federal que encontrará pouca ressonância junto aos serviços ou mesmo deixando de causar o impactonecessário na organização da política de saúde mental local.

Para grande parte dos entrevistados fica evidente a necessária viabilização de mecanismos de aproximação entre os serviços ou mesmo entre os próprios profissionais que integram a rede, a fim de se vislumbrar a necessária articulação intersetorial e multidimensional em rede, que venha asuprir a demanda presente em termos de uma atenção integral em saúde, tal qual preconizada pelo SUS.

O conjunto de variáveis relacionadas ao contexto no qual essa política se insere, evidencia a necessidade de ações tanto na esfera política e

institucional, como organizacional, tecnológica, social e individual, a fim de criar as condições para a adesão a novas práticas, evitando, pois conflitos decorrentes da convivência de dois modelos (asilar e psicossocial) enquanto eixo estruturante desta política. Portanto, caberia atuar nestas diferentes esferas relacionadas a este contexto, em busca de indução de mudanças.

Para fins de garantir um efetivo funcionamento da política de saúde mental, conforme preconizado nas portarias e buscando gerar melhores condições de trabalho, para que se fortaleçam os elos de ligação dessa rede,faz-se necessário readequar as modalidades de atendimento dos serviços de referência em saúde mental CAPS-AD e CAPSII, bem como prever a instalação de novos equipamentos, tendo em vista o contingente populacional do município, bem como as realidades presentes nos territórios, que permitam uma prática assistencial vinculada às reais demandas existentes.

A perspectiva de ampliação da rede, buscando efetivação de um cuidado integral, conforme preconizado nos princípios e diretrizes da RAPS, aponta a necessidade de criação de fluxos mais bem definidos entre os serviços, seja através da criação de protocolos ou até mesmo de canais de comunicação que permitam que a rede se conheça. Nesse sentido, pensar na ampliação traz a necessidade de estabelecer dinâmicas de interação e cooperação entre os diferentes atores.

Com a caracterização decorrente do levantamento documental dos prontuários dos casos atendidos junto a um dos serviços em saúde mental do município, pôde-se constatar a existência de um fluxo definido de encaminhamento de usuários para atendimento junto ao serviço em questão. Isto, porém, não garante o funcionamento em rede, visto que mais do que

encaminhamento, busca-se o compartilhamento dos casos com o objetivo de garantir a multiplicidade de olhares e a cooreponsabilização sobre os casos atendidos. Dessa forma, tem-se como objetivo primordial promover a cooperação e rompimento com a prática usual entre os serviços doatendimento, com ênfase na doença, desconsiderando assim outras demandas que os usuários apresentem e que eventualmente contribuam para o agravamento ou mesmo perpetuação dos problemas apresentados.

Sendo assim, levando em conta o conjunto de hipóteses levantadas por este trabalho, observa-se que a adesão a uma nova forma de funcionamento em rede no contexto municipal pressupõe a adoção de medidas que venham a prover as bases necessárias para essa mudança.

Com isso, fica claro a necessidade de redefinição quanto ao funcionamento da dinâmica de gestão da Secretaria Municipal de Saúde sobre a polítca de saúde mental. Para tanto, entende-se que há necessidade de criação de uma estrutura administrativa formal que previsse a existência de cargos, permitindo a condução e acompanhamento de processos que possivelmente trariam uma maior organização dessa política em termos de seu desenho atual de implementação. Além disso, permitiria estabelecer diretrizes que pudessem ser orientadoras ou indutoras de processos de mudanças no contexto dos serviços.

Tendo em vista a busca de promover uma política de saúde mental de atenção integral, torna-se evidente a necessidade de repensar a prática de assistência em saúde com ênfoque atual na doença, e passando a considerar as diferentes demandas de cuidado trazidas pelos usuários que buscam os serviços. Nesse sentido, a expectativa dessa mudança é de não somente

reordenar o funcionamento dos pontos de atenção, mas também de alteração das práticas profissionais.

Sendo assim, a depender do eixo de direcionamento desta política de saúde mental, pode-se incentivar uma prática corrente de utilização das internações enquanto expediente assistencial; o que por sua vez vai na contramão da RAPS que se pauta por uma lógica de fortalecimento do cuidado de forma comunitária e sob a lógica do território, como forma de fortalecer a presença e o tratamento do indivíduo em meio aberto e contrário à prática manicomial.

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