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No direito brasileiro, as decisões proferidas sobre os processos judiciais são e continuarão sendo proferidas pelos magistrados. Os processos são e continuarão sendo analisados pelos especialistas de domínio, que detém o conjunto de conhecimento necessário para estabelecer os procedimentos adequados ao processo judicial. Diferentemente de outras escolas do direito, a convicção continuará possuindo um papel fundamental e decisivo na orientação dos atos processuais decisórios, restando à jurisprudência o papel de apoiá-la e fundamentá-la.

Muitos esperam que a inteligência artificial e as técnicas de aprendizagem de máquina tenham aplicação direta sobre todas as etapas do processo, mas isso não deve acontecer em um futuro próximo, devido à complexidade inerente ao domínio do direito.

Não há dúvida de que os avanços computacionais nas últimas décadas apresentaram ferramentas que podem ser aplicadas o domínio legal. A inteligência artificial ganha cada vez mais espaço na resolução de problemas complexos, uma vez que as limitações relacionadas à computabilidade destes modelos são cada vez menores, fruto da evolução do hardware e das nuvens computacionais, com ampla disponibilidade de infraestruturas para treinamento de modelos complexos, oferecendo inclusiveGraphics Processing Unit, ou Unidade de Processa-mento Gráfico (GPU) para esta finalidade. São exemplos de infraestruturas para aprendizagem de máquina: Google Cloud1, Microsoft Azure2, Amazon SageMaker3 e outros.

Por outro lado, o Direito é um domínio extremamente complexo e subjetivo por natureza, no qual devem ser analisadas inúmeras variáveis para que se possa estabelecer qualquer convicção a respeito de determinado conflito. Mesmo que caiba ao órgão julgador a aplicação da “letra fria da lei”, este se depara por muitas vezes com normas conflitantes e indeterminações, para as quais é necessário contexto adicional, pois cada caso concreto é de alguma forma inédito.

Nesse sentido, após quase duas décadas de modelagem de raciocínio legal com base em precedentes e regras, Atkinson e Bench-Capon (2019) trazem à discussão que, embora os modelos construídos até então sejam “úteis para simulação e ensino, a capacidade de raciocínio para novos casos é, e provavelmente permanecerá, inviável”. (ATKINSON; BENCH-CAPON, 2019). O conhecimento tácito possui um papel fundamental nessa afirmação, já que “sabemos mais do que podemos dizer” a respeito de algo (POLANYI, 2009), ou seja, parte do conhecimento dos 1 https://cloud.google.com/ml-engine/docs/using-gpus

2 https://docs.microsoft.com/en-us/azure/machine-learning/

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analistas processuais não pode ser modelada por meio de técnicas que implementem regras obtidas a partir de suas recomendações, sob risco de se construir um modelo incompleto. Obviamente, os modelos são apenas “aproximações da realidade”(STUDER; BENJAMINS; FENSEL, 1998, p.163), e não uma representação exata da realidade com a qual estão relacionados.

Diante destas questões, não parece ser possível nesse momento substituir as atividades realizadas por magistrados e analistas processuais por um conjunto de algoritmos e modelos computacionais, por mais complexos que sejam. A estratégia que parece ser mais adequada é subsidiar tais atividades complexas com conhecimento adicional, dando a oportunidade para que os operadores do direito se apropriem do conhecimento já disponível, otimizando suas análises e permitindo a criação de novo conhecimento.

Nesse contexto, o modelo de conhecimento baseado em tópicos de acórdãos mostrou-se bastante promissor para suportar a análise das petições iniciais. O modelo foi capaz de sintetizar uma parcela relevante do conhecimento disponível nos acórdãos através da criação de um conjunto de tópicos latentes, na forma de distribuições multinomiais sobre palavras, de modo que cada documento pudesse ser descrito como uma mistura destes tópicos.

A partir dos tópicos criados, o modelo conseguiu entregar aos analistas processuais conhecimento útil, utilizando como ponto de partida a decomposição dos documentos que requeriam análise. Essas decomposições foram submetidas ao modelo, que foi capaz de fornecer os tópicos com maior probabilidade de associação, os documentos mais representativos em relação ao documento de análise, bem como uma nuvem de termos, que ofereceu contexto adicional de forma visual.

Assim, o conhecimento pode ser disponibilizado ao analista processual antes mesmo da realização da leitura completa do documento, oferecendo como ponto de partida um posição bastante avançada em sua tarefa cotidiana de análise destes documentos, economizando tempo e esforço deste profissional.

Evidentemente que este contexto não pode servir como única fonte de análise das peças, sobretudo em um domínio tão complexo como o direito, com o agravante da subjetividade inerente à lingua portuguesa, e nesse sentido, não há como substituir a análise humana das peças.

A pesquisa realizada demonstrou que o artefato construído é viável, uma vez que as tecnologias utilizadas já estão disponíveis, assim como os dados. Sob o ponto de vista da necessidade de recursos humanos, o modelo construído tem a vantagem de ter sido construído através de um processo de aprendizagem de máquina não supervisionado, o que permitiu a utilização de documentos não anotados para construção do modelo de tópicos. Cabe esclarecer que os acórdãos, como estão disponíveis hoje, não possuem anotações semânticas, e esse tipo de anotação preliminar necessitaria de alterações nos sistemas judiciais, bem como a participação intensiva de especialistas de domínio para a realização das mesmas.

Ainda sob o ponto de vista da viabilidade, a pesquisa demonstrou ser possível construir um artefato totalmente funcional, com base em tecnologias consolidadas e dados que estão disponíveis publicamente, muito embora não estejam disponíveis no formato de dados abertos,

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o que poderia ter contribuído para uma melhora em sua precisão e ampliado também a sua cobertura em relação aos diversos casos que se apresentam ao judiciário, contribuindo para a sua generalização.

Aqui cabe retornar aos objetivos dessa pesquisa, e estabelecer um paralelo sobre o que se pretendia fazer e o que foi realizado efetivamente.

Como objetivo geral da pesquisa, pretendia-se a concepção de um modelo de conheci-mento baseado em tópicos de acórdãos para suporte à análise das petições iniciais, o que foi realizado e apresentado no capítulo 3.A concepção do modelo foi realizada, permitindo inclusive a implementação de um protótipo funcional (objetivo específico 3), verificado posteriormente por especialistas de domínio (objetivo específico 5).

Foram identificadas também fontes de conhecimento explícito disponíveis dentro da ins-tituição (objetivo específico 1), que foram utilizadas na composição do modelo de conhecimento, bem como as características fundamentais dos acórdãos e petições iniciais que poderiam ser utilizadas para estabelecer relações de proximidade (objetivo específico 2).

O modelo de conhecimento criado foi verificado quanto à sua aplicação em 3 cenários, sendo capaz de recuperar conhecimento relevante para a análise das petições iniciais (objetivo específico 4).

Retornando-se ao cenário apresentado no início desta pesquisa, no qual a capacidade produtiva do judiciário era inferior à sua demanda, com pouca ou nenhuma perspectiva de aumento do quadro de pessoal, parece evidente que as soluções para reversão deste quadro devem permitir o aumento da capacidade produtiva, sem prejuízo da qualidade das tarefas realizadas. Não se trata apenas de produzir mais sem qualquer tipo de critério, mas otimizar o trabalho que é realizado, apropriando-se de conhecimento já disponível no judiciário, com o devido suporte de ferramental tecnológico adequado. O projeto, construção e obtenção de um modelo viável, verificado por especialistas de domínio, pode contribuir para este fim.

Assim, pode-se dizer que os objetivos desta pesquisa foram alcançados.

Segundo Simon (1996), o propósito de um artefato produzido pelo homem é o de resolver um determinado problema no mundo real. Nesse sentido, o modelo de conhecimento construído cumpriu com o seu propósito, apresentado no título desta pesquisa: criar um “modelo de conhecimento baseado em tópicos de acórdãos para suporte à análise de petições iniciais”.

No entanto, é necessário caracterizar também o aspecto científico da pesquisa realizada, sobretudo no avanço do conhecimento. Para isso, não se deve desviar o olhar do que caracteriza uma pesquisa científica: imparcialidade, rigor na sua execução, e confiabilidade nos resultados obtidos. O que possibilita o cumprimento destes critérios é a utilização de uma metodologia adequada por parte do pesquisador, que permita: i) responder ao problema de pesquisa formulado; ii) ser avaliado pela comunidade científica; iii) evidenciar os procedimentos utilizados, de forma que a pesquisa possa ser reproduzida e validada, dando assim a robustez científica desejada (LACERDAet al., 2013).

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decorrer do processo de design e construção do artefato (DRESCH; LACERDA; ANTUNES JR, 2015). Nesse sentido, as discussões apresentadas na seção 4.5 integram o conhecimento científico obtido no decorrer do processo de construção do modelo de conhecimento, evidenciando a natureza científica desta pesquisa.

5.1.1 Generalização dos resultados

Como já apresentado nesta pesquisa, os modelos baseados em tópicos são bastante versáteis, e podem ser utilizados nas mais diversas aplicações que vão desde a recuperação de texto (HALL; JURAFSKY; MANNING, 2008) à sumarização automática de textos (LEE; BELKASIM; ZHANG, 2013; WANG; ZHOU, 2010; KANAPALA; PAL; PAMULA, 2019).

Pela suas características de construção, baseadas em aprendizagem de máquina não supervisionada, esses modelos podem ser adaptados para subconjuntos de dados diferentes em um mesmo domínio, utilizando o mesmo processo construtivo com pequenas adaptações. Dessa forma, o modelo pode ser generalizado para uso em outros tribunais, a partir de conteúdo próprio

destes, ou até mesmo integrando-se os conteúdos de forma a construir um corpus único de

acórdãos para uso comum.

Os modelos baseados em LDA utilizam distribuições probabilísticas multinomiais, de forma que os documentos são decompostos em misturas de tópicos latentes, constituindo-se em representações semanticamente significativas destes documentos. Nesta pesquisa, o modelo foi utilizado para analisar as petições iniciais, uma vez que foram observadas características em comum entre a composição de palavras que integram tais petições e os acórdãos. Considerando que possam existir outras relações intra processuais entre os diversos documentos que integram os processos, é possível que o sistema de conhecimento possa ser generalizado para recuperação de informação baseada nestas relações, que precisariam ser identificadas.

O modelo proposto poderia ser generalizado para uso na advocacia, uma vez que permitiria analisar os documentos produzidos pelos advogados frente à jurisprudência disponível, utilizando o modelo para recuperar esta informação com base nos documentos produzidos antes mesmo deles serem submetidos à corte.