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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nós que passamos apressados, pelas ruas da cidade, merecemos ler as letras e as palavras de gentileza. Por isso eu pergunto a você no mundo, se é mais inteligente, o livro ou a sabedoria? O mundo é uma escola, a vida é um circo... AMOR, palavra que liberta... já dizia o profeta!

MONTE, Marisa. GENTILEZA. Composição: Desconhecido

Ao iniciar esta pesquisa, tinha como objetivo compreender Uberaba como espaço composto por múltiplos atores que ocupam, de formas distintas e conflitantes, a cidade.

Nessa multiplicidade de sujeitos, procurava discutir o ser trabalhador de baixa renda na cidade, com destaque para seus modos de viver, morar, trabalhar e divertir-se na cidade. Procurava perceber os sonhos e expectativas depositadas por esses trabalhadores, sua participação na sociedade, bem como o tratamento dispensado a esses sujeitos pelos administradores locais.

Para tanto, busquei nas narrativas dos trabalhadores aqui entrevistados indícios que demonstrassem as preocupações ou desleixos desses administradores quanto a esses trabalhadores, que mostrassem suas interferências na cidade, seus anseios e questionamentos como componentes da cidade.

A partir das narrativas dos entrevistados, outras fontes foram sendo levantadas e discutidas, como as fotografias pertencentes aos entrevistados e utilizadas por eles para “puxar o fio” da memória, para trazer à tona lembranças de um tempo vivido e significativo. Nos jornais locais, nas Atas do Legislativo, nos Mapas e nas Atas da Associação Amigos do Conjunto Alfredo Freire (AACAF), evidências de lutas e interferências na cidade, numa construção e reconstrução de viveres pouco tranqüilos.

Ao dialogar com essas muitas fontes, deparei-me com desrespeitos os mais variados, com uma cidade forjada em ideais que tendem a favorecer determinados grupos sociais que controlam/detêm o poder. Deparei-me com segregações escancaradas e com barreiras invisíveis existentes na cidade; barreiras que dividem os territórios urbanos e impõem às pessoas que ali residem regras ou tratos nem sempre justos, que humilham e menosprezam os moradores desses territórios, tentando excluí-los da cidade.

Diante dessas constatações, muitas vezes fui tomada por sentimentos de revolta e de desânimo em relação à pesquisa, à cidade e aos governantes.

Nesses momentos, ligava o gravador e me punha a ouvir os depoimentos obtidos durante a pesquisa. Atentava para cada palavra, cada ação lembrada e narrada, para os semblantes dos entrevistados, para as emoções oriundas desses diálogos, dessas lembranças, para as

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expectativas demonstradas por eles nesta pesquisa, no orgulho de Seu Cocada, ao me dizer:

Essa é a primeira entrevista que eu tô teno agora, sobre a minha vida, sobre a vida do Conjunto, das pessoa. Mais nunca tive não, nunca tive mesmo. Por quê? Porque o pessoal num enxerga, num olha pra nóis não, e quando enxerga, faiz que num enxerga, ocê tá entendendo? É isso que acontece. Isso é uma realidade. É uma realidade da vida234.

Tais questionamentos me imbuíam de força para dar continuidade à pesquisa, desvelando realidades e ações de determinados grupos sociais, relembrando o compromisso assumido com os moradores, no sentido de trazer à tona, por intermédio das memórias dos moradores do Conjunto Alfredo Freire, as tantas histórias sobre seus viveres.

Ao mesmo tempo, preocupava-me a responsabilidade e o compromisso frente a esses trabalhadores. Lembrava-me da professora Yara A. Khoury, quando das oficinas proporcionadas pelo programa PROCAD ou mesmo em textos por ela escritos, em que indagava “de que modo temos restituído, na narrativa final que construímos, um produto que seja expressão de múltiplas vozes; no qual as pessoas, com quem conversamos, possam se reconhecer; no qual todos nós, enfim, possamos nos reconhecer no diálogo”?235

Nesse sentido, as disciplinas cursadas no ano de 2004, no programa de Pós-Graduação em História da UFU, contribuíram para o debate sobre a cidade e os movimentos sociais. Os diálogos com os trabalhadores visavam, entre outros objetivos, discutir suas várias experiências, analisando criticamente seu fazer nas diferentes práticas sociais, incluindo as múltiplas manifestações do cotidiano.

Nas experiências narradas sobre o viver na cidade, a garra e a forma como esses sujeitos elaboram suas trajetórias chamou minha atenção. É uma luta contínua, uma luta pela VIDA, numa disputa por vezes desacreditada, desequilibrada e desarmoniosa, onde se aprende a fazer o jogo dos dominantes, a se fazer de dominado sem o ser, a resistir e persistir frente aos próprios ideais, a não cruzar os braços e aguardar providências de fora, fazer-se presente e ativo na cidade.

Nesses mais de vinte anos de convivência, os moradores do Conjunto Alfredo Freire se fortaleceram como grupo e como amizade. Fizeram-se presentes na cidade, interferiram em sua dinâmica, questionaram e mudaram os rumos dos acontecimentos, conquistaram dignidade e respeito, quebraram barreiras, demonstraram valores e alargaram convivências.

Por três mandatos consecutivos (desde 1997) elegeram representantes do Conjunto

234 Sr. José Nogueira, apelido Cocada, 66 anos. 235

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Alfredo Freire para o Legislativo, o que não é comum em outros bairros da cidade. Essa façanha demonstra a seriedade com que a questão política é tratada no Conjunto, a união dos moradores em prol de seus ideais, a força que possuem e o olhar aguçado sobre si e sobre a cidade.

A constante vigilância e cobrança das ações realizadas por seus representantes políticos é um ponto positivo, bem como a responsabilidade do candidato eleito pelo Conjunto Alfredo Freire, visto que os moradores exigem posturas firmes e propostas que visem reduzir as dificuldades ainda presentes no Conjunto, bem como elevar a qualidade de vida dos moradores.

Vigilância realizada por todos os moradores e em todos os momentos. Cobrança que, no dizer de Dona Maria Elvira, não é difícil de resolver, porque “se eles num cumpre o que eles prometeram, a gente exige. E se num fizé, ah! Aí a gente num vota neles de novo, cê num acha? Que a gente num é bobo não, eles é que acham que a gente é, mais num é não. Aí num ganha, num ganha mesmo!”236.

Nas interpretações acerca das dificuldades por que passaram, fica expresso o sentimento de vitória, a certeza de que valeu a pena ter suportado e trabalhado em prol dos objetivos do grupo. Nesse sentido, remeto-me às palavras de Raul Seixas ao dizer que “Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade237.

Os sonhos que esses moradores depositaram na cidade não foram concretizados da noite para o dia, muito menos foram dados pelos governantes e outros agentes da cidade, como por vezes nos querem fazer acreditar os documentos oficiais.

Ao contrário, foram conquistados com muito esforço, com sofrimento e ousadia, numa luta que se fez no dia-a-dia, ao longo dos anos, ao longo da vida.

Sonhos que impulsionaram as ações de todos os moradores, que lhes deram forças para lutar e acreditar que, juntos, iriam transformá-los em realidade, tranformá-los em Vida!

Vida que se faz na batalha do dia-a-dia e em seu movimento, exigindo adaptações, readaptações e mudanças constantes; mudanças que geram ações, reações; que parte de mim, que parte de você, que se junta a nós.

Como nos faz refletir Gabriel, o Pensador, na música “Até quando?”:

Muda, que quando a gente muda o mundo muda com a gente, a gente muda o mundo

236 Dona Maria Elvira de Jesus, 57 anos.. 237

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na mudança da mente, e quando a mente muda a gente anda prá frente. [...] Na mudança de atitude não há mal que não se mude nem doença sem cura, na mudança de postura a gente fica mais seguro, na mudança do presente a gente molda o futuro238.

Este trabalho se encerra. Mas não se encerra a vida, muito menos os sonhos. Estes continuam impulsionando as novas gerações a lutar, a contruir uma cidade melhor, a interferir na dinâmica social da cidade, a lutar por seus objetivos, entendendo que esses objetivos, na cidade, precisam ser propostos, discutidos e batalhados por todos, numa mudança sem fim.

238 Gabriel, o Pensador. Até quando? CD: Seja você mesmo, mas não seja sempre o mesmo. Rio de Janeiro: Sony, 2001.

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