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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (páginas 106-110)

As redes sociais, quando da organização das manifestações das Jornadas de Junho de 2013, evidenciam lugar de conflito entre o discurso proveniente da grande mídia e o discurso dos sujeitos envolvidos nos protestos.

A exemplo do que ocorreu na Grécia em 2011 e na Turquia, esta última em momento contemporâneo ao das manifestações no Brasil, o papel das redes sociais, em especial as duas neste trabalho estudadas, Twitter e

Facebook, serviu para que os discursos provenientes das ruas possam ser

observados sob seus diferentes efeitos de sentido e sob outras condições de produção, ao serem estudadas tanto a mídia quanto as redes sociais. Alguns fatos evidenciados pela mídia jornalística sob a ótica da imprensa adquirem outras nuances através das posições-sujeito daqueles que interagem nas páginas das redes sociais.

Aparentemente, registro nosso, o estopim dos discursos contrários àquilo que a mídia divulgava como notícia iniciou-se com a declaração do jornalista Arnaldo Jabor, colunista do Jornal da Globo, na Rede Globo de Televisão e da rádio CBN, pertencente à mesma organização, transcrita no corpus desta pesquisa. Os domínios de memória presentes em algumas das materialidades colhidas a partir das manifestações evocam sentidos que remetem não só à fala direta de Jabor de que não pode ser por causa de 20

centavos, mas ao papel das emissoras de televisão de grande porte, em

especial a Rede Globo (emissora a que pertence o jornalista em questão) na divulgação de informações que remetem ao histórico da luta de classes no Brasil e que, do ponto de vista discursivo, remetem à demonização por parte de algumas posições-sujeito envolvidas nos protestos.

As comparações por parte de Jabor dos manifestantes à “organização criminosa de São Paulo” e a “filhos de classe média”, e o uso de termos que remetem ao vandalismo pelo jornal Folha de S. Paulo antagonizam com os

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discursos provenientes dos grupos Anonymous Brasil e Movimento Passe Livre.

As paráfrases constatadas nas materialidades colhidas também evocam o não-dito pela elipse de designações que indicam um apagamento social, histórico, de discursos silenciados nas formações discursivas em que se inserem, deixando transparecer que, ao contrário daquilo que se veicula como informação oficial por meio do que Althusser classifica como AIE de imprensa, existe uma série de direitos abnegados aos sujeitos. Direitos esses que (re)significam na expressão É(também) por direitos.

Essa (re)significação a partir do silêncio é a mola mestra para que se convoque a população à rua com outra opção da ordem do dizível: vem pra rua.

Ao ir para a rua, o sujeito deixa de ficar em casa. Não se torna, de acordo com o discurso, ente passivo nas manifestações. Torna-se parte integrante no aspecto visual (enquanto massa) daquilo que a formação discursiva em que se insere representa. Vai para a rua e reivindica por seus direitos silenciados.

O contraponto ao discurso veiculado pela mídia, de que a manifestação é apenas pela redução das tarifas do transporte público e que esta, a manifestação, é composta predominantemente por vândalos, faz

despertar o Gigante, uma ressonância discursiva a partir de uma propaganda

televisiva veiculada na época das manifestações e que, por sua vez, já ressoava discursos presentes no Hino Nacional Brasileiro.

Este Gigante, representado nas ruas pelo povo brasileiro e pela discursividade na posição-sujeito do manifestante, fez convergir pessoas de diferentes orientações políticas, classes sociais e credos, em um só bloco, filiado a uma mesma FD, a dos movimentos sociais. Nas ruas, os gritos de ordem misturaram desde o canto do Hino Nacional Brasileiro até o chamamento constante, entoado em forma de mantra, de vem pra rua.

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Os efeitos de sentido dessa onda de euforia por mudanças extrapolam os limites do território nacional por meio de passeatas organizadas em outros países em cuja orientação, conforme analisamos, incide uma variação em paráfrase do vem pra rua. Ao invés de simplesmente convocar, o sujeito protestante vale-se do vocativo, para mandar o outro à rua: Vá pra rua

(go to the street).

A mudança na forma verbal mostra também o deslocamento de sentido, para além da paráfrase, a partir da manifestação de uma tomada de posição do sujeito e do chamado simultâneo, do outro, a também identificar-se.

Eu já estou na rua! Vá para a rua você também!

Essa tomada de posição em mandar o outro à rua evoca outras ressonâncias que se fazem presentes a partir do Hino Nacional Brasileiro: o sujeito protestante se insere na condição de metonímia da Nação e sai de seu

status de deitado eternamente em berço esplêndido, portanto alheio aos

acontecimentos que o cercavam, apático em relação às vozes que vinham das ruas, para verás que um filho teu não foge à luta, reivindicando para si o dever

de protestar, de engajar-se na luta social que as Jornadas representavam naquele momento.

Para os sujeitos envolvidos nas manifestações, as arbitrariedades cometidas pela mídia não poderiam passar incólumes. Verificaram-se nos discursos Será que agora certas emissoras irão entender o motivo de irmos à rua? e em vandalismo mental um posicionamento claro de refutação àquilo que os manifestantes consideravam parcialidade por parte da mídia diante dos fatos que ocorriam à época e direcionamento do discurso em prol da criminalização de um movimento popular.

Por fim, a demonização da mídia antes referida fecha um ciclo de paráfrases e de ressonâncias que se puderam fazer sentir em relação às discursividades recortadas das manifestações das Jornadas de Junho de 2013. Os efeitos de sentido presentes em Não é por centavos e em uma de suas afirmações (é por direitos) levaram uma massa protestante da ordem de

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milhões de pessoas às ruas das principais cidades do Brasil para reivindicar por direitos básicos que ultrapassaram a ideia inicial da simples redução das tarifas do transporte público.

Consideramos que alguns aspectos importantes para identificar as condições de produção dos discursos das manifestações anteriores àqueles das Jornadas de 2013 poderiam ser também analisados nesta dissertação. Todavia, dada a extensão do recorte, optamos por dividi-los em dois momentos.

Este que aqui apresentamos fecha a primeira parte. A segunda parte compreenderá, em pesquisa de Doutorado, a polarização desses discursos em

pró-governo e anti-governo, ou em progressistas e em anticomunistas e que

remetem a domínios de memória que compreendem os discursos que antecedem o Golpe de 64, tanto por parte do governo do então Presidente, João Goulart, de defesa da visão do governo de linha social, quanto por parte dos oposicionistas, com os discursos da igreja, da grande mídia e do

anticomunismo americano (enviesado) nas falas dos defensores da moralidade

da época.

Esses argumentos, por ora, justificam o não aprofundamento desta dissertação nos outros recortes citados. Todavia, consideramos que o que aqui foi exposto ajudará a compreender melhor um momento histórico recente por que passou o país e todas as discursividades a ele relacionadas e, a partir daí, auxiliará a perfazer um mapeamento mais detalhado do discurso dos movimentos populares em contraposição ao discurso da mídia no país, reflexo este do discurso proveniente da luta de classes no Brasil.

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No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (páginas 106-110)

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