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Tendo por objetivo analisar o processo de intertextualidade ocorrido em Aquela

Canção: 12 Contos para 12 Músicas, trouxemos, neste trabalho, uma discussão sobre a

correlação entre os aspectos material, interartístico e intertextual. Discutimos a ligação entre o livro e o CD, focando o olhar para a nossa canção e sua importância na cultura popular brasileira. Por conseguinte, constatamos o diálogo entre literatura e música, que, longe de ser uma particularidade contemporânea, perpassa pela história literária desde os tempos remotos. Percebemos que essa correspondência interartística, no livro aqui pesquisado, recai especificadamente sobre dois gêneros textuais, conto e canção. Por isso, buscamos, nas mais variadas concepções, o conceito de intertextualidade, o que permitiu chegar até a análise dos doze contos, e compreender sua relação com a canção.

É com base em toda essa trajetória que tecemos nossas considerações finais, observando algumas conclusões evidenciadas no decorrer de nosso trabalho. Podemos, assim, apresentar as seguintes afirmações: O processo de intertextualidade é inevitável em qualquer texto. Os doze contos compilados na obra Aquela Canção: 12 Contos para 12 Músicas apresentam, indiscutivelmente, ligação direta com as doze canções que lhe serviram como fonte de sugestão. A canção da nossa música popular faz parte do nosso patrimônio cultural, constituindo-se como gênero discursivo. A releitura das canções dentro do conto recai sobre a reconfiguração de seu significado original. Na relação de diálogo com a fonte, os contos trazem outros textos, que, direta ou indiretamente, dialogam com a canção. Nessa manifestação intertextual, o conto mantém relação dupla entre a tradição e a contemporaneidade. Não perceber a intertextualidade ocorrida com relação à fonte de criação, não implica, necessariamente, na impossibilidade de leitura do conto.

A intertextualidade é inevitável na produção e recepção de qualquer texto. Nenhum texto é uma entidade autocontida. Ao contrário, ele é sempre produzido a partir de outros textos. Nos jogos com os mecanismos intertextuais, uma verdadeira rede de conexões múltiplas se estabelece, na medida em que um texto remete a outro, que remete a outro, e a outro... E assim por diante. Na busca pela intertextualidade, somos levados cada vez para mais distante do texto, e, encontrando outros textos com os quais ele dialoga, paradoxalmente, nos aproxima ainda mais dele.

Assim, quando encontramos a relação intertextual do conto com sua respectiva canção, entramos nos discursos que ela promove, e, conseqüentemente, a outros discursos.

A nossa canção popular é um dos patrimônios culturais que mais influenciam nosso modo de ver, sentir e estar no mundo. Sendo textos carregados de discursos - pessoais

ou coletivos, ideológicos, sociais ou políticos - como quaisquer outros gêneros discursivos -, ela carrega em si a força de uma tradição. Assim, quando um texto literário se propõe a dialogar com uma canção da nossa música popular, está também, concomitantemente, dialogando com todo o discurso nela embutido.

Ao mesmo tempo, esse processo de intertextualidade propõe uma via de mão dupla. Dialogando com as canções, os doze autores de Aquela Canção: 12 Contos para 12

Músicas constroem novos sentidos para elas. É por meio dessa ressignificação, que a canção

se apresenta nos contos aqui analisados, seja de forma explícita – por meio de citações ou alusões – seja de maneira implícita, quando a intertextualidade é estabelecida para além da fonte, remetendo a intertextos da própria canção.

A intertextualidade pode ser compreendida como a tese de que nenhum texto existe fora de sua contínua interpretação e reinterpretação. Nunca pode haver uma leitura definitiva para um texto, pois cada leitura gera um novo texto, e ela própria torna-se parte da moldura dentro da qual o texto original é interpretado. (EDGAR, SEDGWICK, 2003, p. 185)

Assim, o conto remete à canção que, por sua vez, remete a outros textos, os quais se apresentam em diálogo com o próprio conto. É o que acontece, por exemplo, com “É doce morrer no mar”, de José Eduardo Agualusa. Quando buscamos a presença da canção homônima no conto, encontramos a presença do romance de Jorge amado. Acontece também em “Ciranda”, de Paulo Rodrigues, em que, buscando “Juazeiro”, encontramos “Ciranda Cirandinha”.

Nessa manifestação intertextual, o conto mantém relação dupla entre o presente e o passado. A tradição é representada pelos discursos trazidos da canção, pelos intertextos nela presentes, e pela presença dela no conto. Já a contemporaneidade evidencia-se na própria narrativa. Os contos apresentam, cada um a sua maneira, relato da vida urbana, demonstrando os conflitos do homem moderno. Até mesmo aqueles que tomam como fonte de sugestão uma canção caipira, como é o caso “Duas Canções”, de Moacyr Scliar, e “Zezé Sussuarana”, de Beatriz Breacher, apresentam a cidade como fator importante na construção da narrativa, bem como a alusão a alguns conflitos que afligem o homem moderno. Alguns contos, como “Vem” de Eucanaã Ferraz, propõem uma reflexão sobre as fronteiras entre gêneros literários, derrubando paradigmas pré-estabelecidos.

Ao se constituírem como uma representação da representação da realidade, tomando por base um outro texto ficcional, as doze narrativas apresentam características

antimiméticas, e uma linguagem recheada de ambigüidades, em que as remissões tanto podem se referir ao sentido literal da canção tomada como fonte de sugestão, como também podem trazer discursos de outros textos. Tudo depende da localização da referência intertextual, que, como dissemos, nem sempre se apresenta explícita.

Encontrar a remissão implícita a outros textos não é tarefa fácil. Implica um certo conhecimento enciclopédico compartilhado com o autor. É impossível que dois seres partilhem exatamente dos mesmos conhecimentos, que tenham vivido as mesmas experiências de leitura. Por isso, muitas das remissões passam despercebidas.

Mesmo assim, ignorar a intertextualidade ocorrida na obra Aquela Canção 12

Contos para 12 Músicas entre o conto e sua fonte não implica, necessariamente, na

impossibilidade de leitura. Ainda que o leitor não tenha conhecimento de que cada narrativa da obra foi criada a partir de uma canção, pode caminhar por outras leituras possíveis. Isso nos remete à questão da ironia intertextual.

Tomemos como exemplo dessa ironia intertextual o conto de José Eduardo Agualusa. Quando buscamos a canção no conto, encontramos a presença de um romance. Mas essa remissão não é explícita, e nem todos os leitores podem se beneficiar dela. Contudo, a leitura pode ser prosseguida, mesmo que não se perceba as referências à narrativa de Jorge Amado, nem conheça que a canção que inspirou a criação do conto originou-se do romance. Assim, José Eduardo Agualusa brinca com os jogos intertextuais, sem, contudo, privar o leitor menos avisado da relação com outros textos por ele estabelecida. Mas, certamente, quem reconhece as remissões, compreende o tom paródico do escritor, e pode saborear melhor a leitura.

Terminamos aqui nosso trabalho com a convicção de que no processo de criação literária são inevitáveis os jogos com os mecanismos intertextuais, sejam eles explícitos ou alusivos, conscientes ou não, diretos ou em forma de ironia intertextual.

Quanto ao processo de recepção – leitura –, consideramos também inevitável o diálogo intertextual. Contudo, sabemos, a remissão encontrada, ou estabelecida pelo leitor, nem sempre coincide com os textos que o autor, consciente ou inconscientemente, pretendeu aludir.

[...] um texto (como um romance, poema ou documento histórico) não é uma entidade autocontida e autônoma, mas é produzido a partir de outros textos. A interpretação que um leitor específico fará de um texto dependerá do reconhecimento da relação entre o texto dado e outros textos (Edgar, Sedgwick, 2003, p. 185)