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A dignidade da pessoa humana encontra-se no centro do sistema constitucional brasileiro, constituindo-se como fundamento supremo para todo o ordenamento jurídico e para a administração pública federal, estadual e municipal.

O respeito à dignidade define a preferência dos direitos fundamentais sobre as demais disposições normativas, o que segundo Luís Roberto Barroso (2008a, p.

109), é consensual entre a doutrina e a jurisprudência atual, assumindo a dignidade a posição de centralidade no ordenamento jurídico constitucional.

O direito fundamental à saúde e necessário para se atingir a dignidade da pessoa humana, garantido constitucionalmente no artigo 196 e seguintes, é classificado como direito à prestação em sentido estrito, a saber, a prestações materiais, efetivadas por meio de complementação legislativa e de políticas públicas a serem implementadas pelo Estado, conforme certificado por J. J. Gomes Canotilho (2003) como prestações densificadoras da dimensão subjetiva essencial dos direitos sociais. Constituem, portanto, a partir de uma dimensão objetiva, num primeiro momento, imposições legiferantes, apontando a obrigatoriedade de o legislador complementar o direito constitucional posto e, num segundo momento, atuando pelo fornecimento de prestações aos cidadãos.

De acordo com Luís Roberto Barroso (2008a, p. 161), a obrigatoriedade por parte do Estado para a proteção dos direitos fundamentais surgiu na jurisprudência alemã e estava ligada à idéia de vinculação dos poderes públicos, pressupondo que o Estado não apenas deve abster-se de lesar os bens jurídicos fundamentais, mas também pelo dever de atuar positivamente promovendo-os e protegendo-os de quaisquer ameaças. O citado conceito liga-se à imposição ao legislador de desenvolver e tutelar os direitos fundamentais, bem como ao dever dos juízes de promover a sua efetivação por meio da atividade hermenêutica.

O direito à saúde, nesse sentido é parte essencial da dignidade da pessoa humana e não poderá ser subjugado à reserva do possível, sob pena de ofensa à

Constituição Federal e a outros Princípios constitucionais, como a vedação de retrocesso social, a garantia do mínimo existencial, e o direito à vida e à saúde.

Dentro da complementaridade legislativa encontram-se dispositivos infraconstitucionais que dizem respeito à dispensação de medicamentos componentes do sistema básico, excepcional e extraordinário nas esferas Federal, Estadual e Municipal, para todos os tipos de patologias.

A ausência de norma infraconstitucional regulamentadora no que diz respeito aos medicamentos de alto custo, dentre esses, os medicamentos para tratamento do câncer, desenvolvidos mais recentemente, ou ainda a inércia do Estado na implementação de políticas públicas, não retira do dispositivo constitucional a sua força normativa e por este motivo, enseja em todo o País a proliferação de ações judiciais para a obtenção dos referidos medicamentos, em que pesem as políticas de dispensação dos medicamentos oncológicos já existentes.

A omissão estatal também no que se refere à implementação de tais direitos por meio de políticas públicas, autoriza o julgador, intérprete máximo da Constituição, da mesma forma, a promover a sua efetivação, garantindo, por meio da atividade hermenêutica, a fruição dos direitos constitucionalmente previstos, tendo em vista o princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos fundamentais, dentre eles o direito social à saúde.

As ações judiciais para a garantia do direito à saúde por meio de medicamentos de alto custo visam o fornecimento de medicamentos de eficácia comprovada, não incluídos nas listas de fornecimento do SUS, por serem medicamentos relativamente novos, não contando com a aprovação no Brasil, para o fornecimento pelo SUS.

A proliferação das ações individuais para obtenção de medicamentos têm recebido de vários autores e julgadores críticas por esgotar as já escassas verbas públicas e contribuir para a limitação na implementação de políticas públicas, ou seja, têm como único limitador a reserva do possível do Estado, que depende da arrecadação de impostos e da administração de tais verbas para a prestação do

direito à saúde, em equilíbrio aos demais direitos sociais constitucionalmente previstos.

Daniel Sarmento (2008) assevera que a cada vez que uma decisão judicial concede uma prestação material, por outro lado estará necessariamente movendo recursos destinados ao atendimento de outros direitos fundamentais, impedindo com isso, implicitamente, que se promovam as necessárias políticas sociais.

Afirma em conjunto a grandes estudiosos do direito e parte considerável do Judiciário brasileiro, ser cabível a condenação estatal para a garantia do direito individual à vida e à saúde, tendo em conta a ausência de comprovação por parte do Estado do prejuízo financeiro com o custeio de determinado tratamento ou fornecimento de medicamento, o que ainda não impede à administração pública a racional efetivação do direito a todos, além de possibilitar a proteção judicial daqueles direitos, em contrapartida à proibição de retrocesso social.

Negar a um doente uma prestação de saúde ou um medicamento não incluído no mínimo existencial ou nas políticas públicas postas pelo Estado, levando-se em conta que tal medicamento pode determinar a manutenção da vida e da sobrevivência tem sido uma decisão evitada pela maior parte dos juízes.

Não é facultado ao julgador o conhecimento das finanças do Estado, que tão somente alega em sua defesa, em juízo, a impossibilidade da prestação da saúde, nas demandas individuais, mas que, por força de decisões judiciais, vem cumprindo as referidas determinações.

O demandante, por sua vez, deve fazer prova da doença que o acomete, da eficácia comprovada do medicamento postulado, da sua necessidade e dos riscos à vida e à saúde ante a sua privação, da impossibilidade de substituição por outro e por fim, da hipossuficiência econômica que o impede de adquirir o medicamento necessário por recursos próprios.

Diante desse quadro, a maioria dos componentes do Poder Judiciário têm considerado válidas as disposições esculpidas na Carta Magna em relação ao direito

invocando a aplicabilidade direta e imediata de tais normas, que confere a máxima efetividade ao texto constitucional, em substituição ao Poder público diante da omissão em implementar os referidos direitos por meio legislativo ou por efetivar políticas nesse sentido.

O Constituinte originário não apenas consagrou os direitos sociais, como também estabeleceu o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, deixando ao Poder Judiciário a tarefa de suprir as lacunas não solucionadas pelo Poder Público.

A discussão acerca do direito constitucional e da política depende das opções formuladas pelo Constituinte, em 1988, de modo que, embora passíveis de críticas ou de interpretação mais ou menos restritiva, não se pode retirar a força normativa dos dispositivos originários.

Com relação a essa força normativa, deve ser buscada uma alternativa intermediária entre a política e o seu controle jurídico. A inconveniência na efetividade do direito, garantido pelo Poder Judiciário não altera o fato da sua existência na Carta Maior.

Ainda que as ações individuais signifiquem uma sobrecarga ao Estado, já que os recursos são escassos, a determinação judicial para o fornecimento de determinados medicamentos de alto custo, não impede que o Estado, concomitantemente, faça a revisão das listas de dispensação de medicamentos ou ainda, promova a inclusão destes nas listas de fornecimento, diante dos critérios estruturais do Sistema de Saúde. A implementação de políticas públicas pode ser realizada pelo Estado com ou sem a existência de ações judiciais para a obtenção de medicamentos. Não é a existência de tais ações a causa determinante da atuação política do Estado, nem tampouco, impede que o administrador faça o necessário de forma a promover a racional distribuição de recursos, preventiva ou concomitantemente.

O princípio do resgate, desenvolvido por Ronald Dworkin não foi endossado incondicionalmente pelo ordenamento jurídico constitucional brasileiro, que elevou à

categoria de princípio máximo a Dignidade da pessoa humana, e que se constitui como fundamento para todos os direitos e garantias fundamentais, refletindo a tendência mundial para a proteção dos direitos humanos.

O que se tem diante da maior parte das demandas visando o direito à saúde e a obtenção de medicamentos não é a proteção de um direito supérfluo ou dispensável, mas a luta para a garantia de uma condição de sobrevivência.

Grande parte das ações propostas é repetitiva quanto aos medicamentos que pretendem garantir: como os anticorpos monoclonais Rituximabe e Trastuzumabe, para tratamento de linfoma e câncer de mama, de eficácia comprovada pela FDA (Food and Drug Administration, do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos da América do Norte), referência mundial para a aprovação de novos medicamentos para comercialização e uso, contando com mais de 10 anos de aprovação e uso no Brasil.

No Brasil, a reticência por parte dos poderes públicos para a inclusão desses medicamentos fundamentada na reserva do possível, condiciona os necessitados a aguardarem do Judiciário a tutela pretendida, como único meio de garantir-lhes a vida e a dignidade.

A dignidade humana está diretamente vinculada ao mínimo existencial, sendo o direito à saúde, parte integrante do mínimo existencial, e que deve receber especial proteção do sistema jurídico e do Estado. Nesse sentido, o Poder Judiciário tem o dever de atuar positivamente, promovendo e protegendo os bens jurídicos fundamentais de qualquer violação.

Ainda que pesem todas as críticas a respeito da judicialização da saúde no Brasil, o Poder Judiciário em todas as esferas deverá continuar atuando no sentido de garantir efetividade da Constituição Federal de 1988, de forma a evitar que seu texto se torne simbólico, a exemplo do ocorrido com textos constitucionais anteriores.

Admitir a rejeição da apreciação pelo Poder Judiciário de questões atinentes à saúde pública, por supostamente afetarem a esfera administrativa e o comprometimento da implementação de políticas públicas, significa, em última análise, subtrair da Constituição Federal a sua força normativa e admitir o retrocesso no Direito Constitucional brasileiro.

O Judiciário deverá continuar garantindo a efetividade de tais direitos amparado em critérios racionais, que estejam em conformidade com a Constituição Federal, com a legislação infraconstitucional e ainda com os valores morais que lhe servirão de parâmetro.

O tema do trabalho ora elaborado não esgota todas as abordagens possíveis a serem enfocadas no âmbito da justiça brasileira e a favor dos direitos dos interessados e portadores de enfermidades oncológicas. Abre-se para outros profissionais, estudiosos do tema ou afins a oportunidade de se aprofundarem no mesmo assunto, com diferentes nuances e outras perspectivas oportunizadas por suas experiências profissionais, pela evolução dos entendimentos jurisprudenciais e por novas normas legais pertinentes a esse estudo.