Neste trabalho, procurou‑se mostrar, a partir do acompanhamento de uma situação real, a experiência de construção social da venda de produtos para o PNAE de Unaí, MG vivenciada pela Cooperagro. A partir da sistematização dessa experiência, na forma de referência, aspira‑se poder apoiar outras ações, que busquem apoiar o
desenvolvimento sustentável da agricultura familiar.
Os dados apresentados demonstram que a efetivação de uma política pública no nível local, mais especifi camente, o município, não é uma tarefa fácil. Muitas difi culdades não previstas e principalmente não vivenciadas pelos seus formuladores fazem com que seus efeitos sejam menores que o esperado.
Três preocupações principais com o PNAE além das já expostas no decorrer do texto merecem ser assinaladas:
1. Baixo potencial de abrangência do PNAE: no texto, foram citados alguns trabalhos que caracterizam o PNAE como uma
política promotora do desenvolvimento da agricultura familiar (MACIEL, 2008; VOGT, 2009; AROUCHA, 2012; ESQUERDO; BERGAMASSO, 2015; CIRO et al., 2015; MELÃO, 2015; CONSTANTY et al., 2013; RIBEIRO et al., 2013; SARAIVA et al., 2013; SILVA et al.; 2011). Entretanto, os dados obtidos neste trabalho questionam principalmente sua capacidade de inclusão de um número considerável de agricultores familiares. Em Unaí, MG existem 2.734 estabelecimentos de agricultura familiar (IBGE, 2012). Estima‑se, a partir dos resultados obtidos neste trabalho, que apenas 42 famílias (1,5% dos estabelecimentos) seriam suficientes para atingir os 30% previstos para agricultura familiar no programa no âmbito
municipal. Isso, somado às limitações identificadas, pode ser um fator de desestímulo a participação dos agricultores.
2. Deficiências na gestão pública local: a descontinuidade do bom funcionamento do PNAE e o atraso ou a não priorização dos pagamentos desacredita o programa. Há necessidade de uma maior conscientização do poder público local, principalmente da burocracia, que é responsável pela gestão dos programas de governo, dos prejuízos sociais causados pelo que podemos chamar de “gestão por espasmos”. Um ano o programa funciona bem e no outro não, afetando não apenas sua credibilidade como colocando em risco a sustentabilidade dos sistemas de produção da agricultura familiar.
3. Não uso de um olhar sistêmico na operacionalização do PNAE: foi mostrado que grande parte das dificuldades encontradas são fruto de sua operacionalização de forma isolada. Não é possível viabilizar o PNAE sem complementá‑lo com política séria de assessoramento técnico, acesso a crédito, disponibilização de infraestruturas necessárias se realmente se almeja a inclusão social e produtiva da agricultura familiar.
Entretanto, foi possível observar que há um potencial social, econômico e ambiental que pode ser potencializado. Em Unaí, MG, suprir as três porções de frutas e hortaliças por semana (200 g/aluno/semana) nas
refeições ofertadas a seu alunado beneficiado com o PNAE, comprando da agricultura familiar, a demanda estimada para 2015 é de 58,9 t. Considerando a quantidade média comercializada por cada agricultor, em 2013, o número de beneficiados subiria de 36 para 220 e, em 2014, de 25 para 127.
Há ainda a possibilidade de estimular e prestigiar as organizações locais dos agricultores, comprando também para hospitais, cadeias, entre outros, além de habilitar a agricultura familiar por meio da Cooperagro, a fornecer para supermercados e verdurões locais que compram no CEASA do Distrito Federal e de atravessadores.
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