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CONSIDERAÇÕES FINAIS USOS VERSUS CONTRA-USOS: AS DISPUTAS IMPLÍCITAS PARA UMA REQUALIFICAÇÃO DO CENTRO DE FORTALEZA

O presente trabalho discutiu diversas faces em torno da questão das requalificações na experiência internacional, e em especial, as implicações da chegada destas idéias no contexto de Fortaleza. Esta nova perspectiva de tratamento das cidades, surgida a partir da segunda metade do século XX, reflete, sobretudo, a busca pela valorização das identidades culturais, a partir da tomada do espaço urbano como ferramenta de produção de um sentimento comum de reconhecimento frente ao contexto pós-moderno, cuja característica principal é a velocidade e a superficialidade das relações sociais. Neste sentido, os centros históricos representam este elemento comum que conta o processo de formação da cidade e remete, portanto, a uma história primeira dos cidadãos de um espaço urbano. Desta forma, o resgate simbólico e econômico destas áreas passa a ocupar, como vimos, grande importância nas pautas políticas dos poderes públicos e da iniciativa privada.

Todo este contexto se coliga com a mudança nos métodos de gestão das cidades, que, no último qüinqüênio, passaram a buscar modelos empresariais. Isto faz com que as políticas urbanas atuem a partir de estratégias de inserção das cidades em um “mercado global” de cidades, onde a atração de investimentos, propiciados, principalmente, por atividades como o turismo, é a meta do city marketing. Com isto, aliando de um lado, valorização simbólica do espaço e, de outro, exploração econômica dos atributos deste, se tem o par que move as requalificações nas grandes cidades.

Em Fortaleza, a chegada desta perspectiva se dá nos anos 1990, com o esforço político dos governos estadual, municipal e de setores empresariais, de inserir o Ceara e sua Capital na globalização. Para isto, o turismo foi trabalhado na Cidade de diversas maneiras, destacando-se o binômio praia/sol. Como diferencial a esta perspectiva, trabalhada, sobretudo, em Fortaleza, surge um movimento, tanto por parte dos agentes públicos como da sociedade em geral, voltados à requalificação do centro histórico da Cidade, tendo em vista, sobretudo, esta relação com o turismo crescente.

Isto convergiu para a movimentação de recursos financeiros, políticos e humanos para o tratamento da questão do Centro de Fortaleza – onde houve inclusive a criação de um Fórum Permanente (envolvendo Poder Público, CDL e intelectuais). Percebe-se daí a importância que o tema tomou, tanto na esfera pública, como privada. No entanto, nota-se,

na mesma medida que, apesar de tantos órgãos e tantos recursos humanos voltados para a questão, não se tem ainda um máster plan que deixe claro os passos a serem seguidos em um processo de requalificação do centro de Fortaleza, o que inclusive é o pré-requisito adotado em casos como o de Barcelona (o qual foi um dos modelos tidos como referência das discussões na capital cearense).

Apesar de haver tentativas disto, como é o caso dos eixos estabelecidos para o Centro no PLANEFOR, as ações ali colocadas pressupõem medidas isoladas e não um conjunto articulado e orquestrado. Isto contribuiria no sentido de uma melhoria qualitativa, tanto no que se relaciona aos aspectos infra-estruturais, simbólicos e de preservação do patrimônio histórico do Centro, como no sentido de uma proposta inclusiva para o público que o freqüenta, apontando para a superação do modelo de enobrecimento da requalificação.

É claro que não se desconsidera a importância de obras deste tipo para a Cidade, como instrumentos de melhora física e simbólica, e não se nega também a importância do incremento turístico daí incentivado, cujas benesses são tão fartamente alardeadas a partir dos processos de requalificação nas grandes cidades. Contudo, o que se coloca aqui é o caráter abrupto que estas iniciativas surgiram, as quais talvez, na ânsia de usufruir dos proveitos econômicos do city marketing das requalificações, não tiveram tempo para um processo de construção e debate coletivo que estruturasse um plano mais lento e gradual, porém mais duradouro e concreto.

Neste sentido, é no mínimo incompatível a atenção dispensada ao Centro, se compararmos o período do final dos anos 1990 com os fins da década anterior. É notória daí a busca pela construção imediata de uma imagem da Cidade que procura seus referenciais identitários para poder se reconhecer, uma vez que almeja uma face global. Para tanto, quanto mais houver uma aproximação, seja ela física ou simbólica dos referenciais identitários de uma cidade pós-moderna, mais “qualificado” ou “ preenchido de conteúdo” o espaço a ser enobrecido.

Toda esta construção voltada para o privilégio do city marketing esbarra nos ntraves das questões ainda sem solução no Centro. Como vimos, o problema do comércio ambulante, da violência, da prostituição e da mendicância na área central permanecem sem atenção integrada aos planos de requalificação, configurando este os principais obstáculos para a requalificação, ou em outras palavras, os mais claros “contra-usos” para os “usos” pensados nos projetos para o Centro.

Este é o alerta que lança os contra-usos ou reapropriações constatadas na área central, os quais trilham o sentido diametralmente oposto ao ideário dos projetos de requalificação, estes muito mais “antenados” com as tendências estéticas do pós- modernismo, do que com a dinâmica própria da realidade do Centro de Fortaleza. Daí a separação entre o que é planejado e o que se observa hoje na realidade da área central, onde os projetos são desvirtuados de seus objetivos.

Vale aqui reafirmar o papel das áreas centrais como espaços onde conflitos como estes se dão com freqüência, afinal estas são regiões por excelência de manifestação das divergências de interesses e da convergência de sentidos. É, sobretudo, o coração da cidade e, como tal, mostra o seu pulsar urbano.