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Em uma época na qual os editores se perguntam sobre o futuro dos jornais diante da instantaneidade da Web, a arte de contar histórias, ancestral e perene, demonstra que o homem precisa alimentar-se de formas menos apáticas de relato para sobreviver. O jornalismo diário tem uma função social e não pode ser desconsiderado, sofre com as limitações do tempo e é ao próprio tempo a quem está sempre respondendo. Só que, para além da precisão numérica dos dados, existem pessoas. E, é ao falar de pessoas, promovendo a humanização de um discurso que pode referir-se também a lugares e a números que a literatura toma sua parte no jogo do texto. O lucro dessa rica convivência é do leitor.

No Brasil, existem poucos estudos acadêmicos sobre o Novo Jornalismo. Por outro lado, muitos escritores-jornalistas brasileiros são temas de pesquisas nas universidades. Em parte desses trabalhos, o fato de terem sido jornalistas aparece quase como nota de rodapé. O trabalho nos jornais soou inglório até mesmo para alguns desses escritores brasileiros, que, romanticamente, viam-se assombrados pelo fantasma do artista menos digno ao ingressar no mercado para garantir a féria no final do mês.100 Clarice Lispector, em seus tempos de cronista no Jornal do Brasil, justificou-se: escrevia porque precisava sobreviver. Assinou colunas femininas com pseudônimos por temer o comprometimento de sua produção literária. Entretanto, a contribuição dos jornais para a formação desses escritores não pode ser reduzida aos salários. O trabalho com a língua, a disciplina dos prazos, a imposição do deadline, e a habilidade na manipulação e transcrição de falas cuja fonte é a linguagem coloquial são ganhos advindos da prática dos jornais.101

Nos Estados Unidos, até a década de 60, a aspiração de parte dos jornalistas-escritores era abandonar os jornais depois de deixar o estilo mais enxuto, para investir no romance. O Novo Jornalismo acabou fazendo com que textos caudalosos publicados em periódicos ganhassem as páginas dos livros. Mesmo negando o furor de novidade propalado por Tom Wolfe, Talese insere-se de maneira fundamental no Novo Jornalismo, preferindo o anônimo na constituição de suas histórias e escrevendo o perfil de Frank Sinatra, um dos mais famosos

100 Sobre esse tema, vale a leitura de Pena de aluguel, de Cristiane Costa.

101 Chamo a atenção para a criação de uma Academia Brasileira de Jornalismo Literário (ABJL), oficializada em

2005, com o objetivo de melhorar a qualidade da reportagem na imprensa nacional e formar autores de não- ficção. Celso Falaschi, Edvaldo Pereira Lima, Sérgio Vilas Boas e Rodrigo Stucchi são os fundadores da ABJL.

do mundo, que é exemplar em relação às potencialidades do jornalismo literário. Cabe ressaltar que, como visto ao longo da dissertação, definir o traço distintivo do texto literário é uma missão praticamente impossível. Nesse intercruzamento de fronteiras, o jornalismo mantém a clareza da busca pela precisão de dados.

Para a investigação do mundo, o jornalista deve deixar o conforto do doméstico e sujar os sapatos nas ruas. Esse mergulho permite a descoberta da vida real, que pode ser mais estranha que a ficção e igualmente arrebatadora. Nesse universo de novas pessoas, o nome próprio atua como validador de existência, a universalização de conhecimento acerca desse nome é o que opõe a fama ao anonimato. A metrópole, que pode contribuir ainda mais para a sensação de anonimato, por atomizar os indivíduos, aparece na obra de Talese como sendo doce e voraz. Ao mesmo tempo em que isola as pessoas pela pressa, pelas distâncias e pelo excesso de trabalho, é permeada por pontes e personagens capazes de sensibilizar por não se inserirem como mais um na multidão.

Talese também é bastante perspicaz ao escrever sobre o ofício dos jornalistas, vende as redações como um ambiente especial, mas consegue falar sobre os vícios da profissão junto às virtudes. Tanto que transformou o The New York Times em pauta de um dos seus maiores sucessos editoriais, O Reino e o Poder. Ainda entre os jornalistas, o nome próprio exerce uma importante função através da assinatura das matérias. Assinar um texto significa, por um lado, responsabilizar-se pelo mesmo e, por outra via, dar um caráter de permanência ao nome. Para além do nome próprio, existe o nome do autor, carregando uma complexidade que não reside no primeiro. Essa singularidade é devida ao fato de o nome do autor ligar-se à apropriação de status de um certo discurso relacionado à função autor.

Dentre as múltiplas funcionalidades do nome no texto está, também, a articulação entre discurso e pessoa na escrita autobiográfica. Narrador, autor e personagem são o mesmo sujeito e o estabelecimento dessa identidade pode ser implícito ou patente. A intenção de honrar a assinatura é dada pelo pacto autobiográfico, instituído junto ao leitor. Os textos autobiográficos apresentam certo risco de se verem contaminados pelo discurso narcísico e, ironicamente, pela autodepreciação. Além da impossibilidade de miniaturizar a complexidade de uma vida sem apresentar limitações. Talese não conseguiu fugir de nenhum desses riscos e acabou caindo em outra armadilha ao desviar sua história para um mosaico de textos dele que foram abandonados em momento anterior.

É interessante notar o desejo manifesto por Talese de lançar mais uma obra de cunho autobiográfico após Vida de Escritor. A herança católica italiana parece impelir à confissão, sobretudo com o correr do tempo e o avançar da idade do escritor. Resta saber se é esse

mesmo o desejo de Talese que afirmou em certo momento de O Reino e o Poder: “Um escritor raramente agrada as pessoas sobre as quais escreve, se tenta fazê-lo com honestidade (...)” (TALESE, 2009d, p.390). Acreditamos que o mesmo valha para as escritas de si.

Finalizamos este trabalho recorrendo a Barthes, o mesmo autor utilizado na abertura:

Gostando de encontrar, de escrever começos, ele tende a multiplicar esse prazer: eis por que ele escreve fragmentos: tantos fragmentos, tantos começos, tantos prazeres (mas ele não gosta dos fins: o risco de cláusula retórica é grande demais: receio de não resistir à última palavra, à última réplica. (BARTHES, 2003, p.109).

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