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Toda história requer um final, uma espécie de prestação de contas de sua terminalidade. No entanto, contrariamente ao estabelecido, não é possível precisar, sobretudo, do campo da pesquisa das práticas cotidianas, como tudo terminou. Embora o acabamento final quem dê seja o pesquisador, uma vez que é ele que forja a escrita - implicado pelo o outro – é na verdade uma captura do olhar e da escuta daquele se faz afetado desde sempre pelo Outro. Esse Outro que nos coloca, mesmo sem querer, nos desvios, na contramarcha daquilo que pode parecer sob o controle do pesquisador. E neste ziguezague de idas e vindas é possível compreender que

Respeitar ao Outro é não procurar conhecê-los, classificá-lo. O respeito ao Outro não busca tematizá-lo. Não é um respeito pela diferença, mas uma contemplação da différance. A diferença é composta pelos binarismos que aprisionam e normatizam (SARAIVA, 2008, p. 45).

Deslocados deste lugar de quem “tudo sabe” (geralmente uma crença que “encanta” o pesquisador), fomos alçados, também, à posição de narradores praticantes – entrelaçados pelos nós que tramam uma rede de conversa –, desafiados, “golpe à golpe” (CERTEAU, 2009), a tirar consequências desta experiência que potencializa nossa capacidade de se maravilhar a cada instante com tudo o que vem do Outro, tal como Certeau (2009) que se maravilhava com tudo que era ordinário. Daí que é belo poder escutar o outro, dialogar, conversar, sentir, surpreender e, assim, permitir se alterar, transformar-se. Implicado por este Outro, foi ele (ou eles) que me fez revistar meu passado e da “vida” a esta produção. Daí que podemos dizer que é sempre o Outro que dá ao eu uma completude provisória e necessária.

Isso alerta, do ponto de vista teórico-metodológico, que a pesquisa com as práticas do cotidiano e os sujeitos praticantes não nos faz reféns de categorias prévias. Ao contrário, ela nos afastar deste modelo cujos percursos assemelham-se

[...] a uma viagem programada, guiada pela demonstração rígida de hipóteses de partida, a uma domesticação de itinerários que facultam ao pesquisador a possibilidade de apenas ver o que os seus quadros teóricos lhe permitem ver ( PAIS, 2003, p.17).

Assim, diferentemente da perspectiva epistemológica da modernidade, o singular – aquilo que se faz habitado de emoções e criatividade – foi o que nos

implicou e nos interrogou, em virtude de suas enigmáticas impressões. Sem as armaduras de visões reducionistas e conservadoras, a metodologia de nossa pesquisa foi sendo minada neste mundo de possibilidades. A cada passo, uma nova descoberta e um novo desafio. Então, se é possível dizer onde essa história termina nos arriscamos a dizer que ela não termina. Acreditamos que esta produção é apenas um início. O começode muitas outras produções (de pesquisadores)da área de educação que estudam e lutam pela/com classe trabalhadora, excluída e invisibilizada de nosso país e de nosso Estado de Alagoas.

Mergulhar no/sobre o cotidiano dos trabalhadores de limpeza e conservação da UFAL não foi uma tarefa tão simples e, muito menos, fácil, devido a inexistente de estudos sobre esses sujeitos na área de Educação. Suas trajetórias de vida e escolar sempre foram ocultadas, excluídas e/ou invisibilizadas nas produções acadêmicas. Dessa forma, foi fundamental trazer à tona as vozes desses sujeitos, mais que isso, dar visibilidade aos seus saberes/fazeres (CERTEAU, 2009).

Através dos diálogos, forjados inclusive nas fotografias dos trabalhadores, é possível perceber os enredamentos subjetivos nelas marcados, revelando a relação subjetiva desses praticantes – atravessada pelos seus “saberesfazeres” – com o cotidiano de seu trabalho, que os obriga a uma convivência diária com um universo cultural e acadêmico. E desta convivência que suas táticas vão sendo fortalecidas e o desejo de uma justiça cognitiva se fortalece como demanda. A partir desse lugar universitário que seus espaços são forjados como “lugares praticados” (CERTEAU, 2009).

Nesse contexto, é possível compreender, apoiados na “ecologia de saberes” que “o propósito de criar relações horizontais não é incompatível com as hierarquias concretas existentes nos contextos de práticas sociais concretas. [Até porque] nenhuma prática concreta seria possível sem hierarquias” (SANTOS, 2010).

Percebe-se que, os significantes flagrados nas falas de Ubirajara, Aboyami e Araci, Caeté, Tainará e Mara são tecidos por subjetividades. Mediado pela fotografia cada sujeito dialogava de forma particular, singular o que nos permite compreender as engenhosidades que se estabelecem e se constituem nesse jogo. O que nos faz pensar que nada está sobre controle. A única coisa que mantermos sobre controle,

de fato, é a ilusão de que temos controle sobre alguma coisa. Daí que os encontros não acontecem como esperamos, são surpreendentes, belos e impactantes.

As imagens eleitas em seu cotidiano de trabalho dão visibilidade àquilo que esses trabalhadores (re)inventam em suas histórias com “as astúcias de interesses e de desejos diferentes” (CERTEAU, 1994), em busca de uma justiça social e, sobretudo, de uma “justiça cognitiva” (SANTOS, 2004). Portanto, as fotografias transbordam sentimentos, sonhos e lembranças. Os trabalhadores de limpeza e conservação, por meio de suas memórias narrativas, na medida em que tenta narrar/trazer o passado até o presente, recria o passado, ao mesmo tempo em que projeta o futuro.

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Este texto será publicado no livro “Educação continuada, currículos e práticas culturais”, no qual consiste em um dos produtos de um PROCAD/ CNPq estabelecido entre os Programas de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Alagoas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, entre 2013 e 2015.

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