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2.1 Processos de Amostragem Aleatória

2.2.6 Considerações Importantes para a Elaboração das Questões

Quando elaboramos uma questão estamos tentando encontrar uma forma de obter informações dos entrevistados com a mínima distorção possível. Deste modo, precisamos ter em mente as dificuldades que os entrevistados terão em entender as questões e formar uma “imagem interna” de suas próprias respostas ou reações, e o grau no qual isto pode ser afetado por suas restrições internas sobre privações ou informações de auto-incriminação, por falta de concordância, pelo desejo de manter uma fachada social e pela expectativa da resposta que a questão pode sugerir. Em outras palavras, é difícil obtermos uma resposta relativamente sem nenhum viés, até mesmo daquelas pessoas mais esclarecidas que entenderam corretamente os objetivos da pesquisa. Portanto, esta seção tem o objetivo de levantar algumas considerações sobre as formas de elaborarmos as questões a fim de minimizarmos os vieses em nossa pesquisa.

Para OPPENHEIM (2000) o problema da elaboração da questão é semelhante a um processo de amostragem, uma vez que estamos coletando amostras particulares do universo de conteúdos existente na mente do entrevistado. Nós não pretendemos obter todo este universo, mas apenas o suficiente para que possamos entender suas características, direções gerais (positiva ou negativa), sua profundidade ou intensidade, e talvez a presença ou não de opiniões específicas. Nossas questões precisam estar adequadas a este processo de amostragem; elas não podem ser

unilaterais, e elas precisam ser fáceis para que os entrevistados a respondam completamente. Isto significa, primeiramente, que o foco e o conteúdo da questão precisam estar certos; segundo, as palavras precisam ser adequadas; e terceiro, que o contexto, seqüência e as categorias das respostas devem auxiliar o respondente sem influenciar suas respostas e involuntariamente causar algum viés.

Cada questão também possui uma função implícita: motivar o entrevistado a continuar cooperando. Uma questão que seja rude e difícil de compreender pode afetar não apenas a sua própria resposta, mas também a atitude da pessoa com as próximas questões e com a pesquisa como um todo. Logo, precisamos nos esforçar para encontrar um meio termo para os entrevistados e manter o sentimento de que eles devem ser tratados com respeito e consideração. Não podemos esquecer de que os entrevistados estão nos fazendo um favor dedicando seu tempo para responder às questões.

Um modo de manter a motivação do entrevistado é pela eliminação dos defeitos e pela criação de ‘fatos positivos’. Assim, podemos eliminar a humilhação dos respondentes, a chateação com terminologias, a sua esnobação ou fazê-los sentirem-se no caminho errado. A utilização de frases educadas é muito importante, assim, ao invés de utilizarmos frases diretas como ‘tamanho da residência’, ‘estado civil’ e outros, poderíamos escrever a questão inteira, por exemplo: 'Qual é o tamanho da sua residência?'. Algumas questões podem necessitar de uma frase introdutória de explicação, mas não convém utilizarmos termos técnicos ou abreviações que os entrevistados possam não entender. Considerando que podemos lidar com pessoas de diferentes níveis culturais, nossas questões devem ser claras para que pessoas com baixo nível cultural possam entendê-las, mas sem serem muito vagas ou simplórias para pessoas com nível universitário. O uso de gírias ou linguagem popular, e a liberação de erros gramaticais num esforço para manter a concordância, requer o maior cuidado para que não haja desentendimentos ou ambigüidades. Além disso, algumas pessoas podem se incomodar com o uso deste tipo de linguagem o que pode comprometer a resposta das questões.

Outra maneira para manter a cooperação dos entrevistados é fazendo o questionário e o processo de respondê-lo mais atrativo. Em questionários auto- administrados e questionários por correio o layout, impressão, escolha do papel,

espaçamento, direcionamento para respondê-lo e outros, devem ser cuidadosamente considerados e, se possível, previamente testados. No caso de questões de múltipla escolha pode ser coerente utilizarmos durante o processo de resposta do mesmo questionário: tanto circular, assinalar ou sublinhar, e sempre tanto na direita quanto na esquerda. Questões abertas, que requerem tanto ler quanto escrever, devem ser colocadas no menor número possível. Considerando que ler é muito mais rápido do que escrever, e todo o esforço deve ser feito para poupar o tempo e o incômodo do entrevistado, assim é importante o uso de linhas apropriadas, diferentes fontes, cores, cabeçalhos, e etc.

Por fim, outro atributo implícito de todas as questões é a sua ligação com a estrutura conceitual do estudo. Deve haver sempre uma resposta clara para cada uma destas questões: ‘Por que estamos fazendo esta pergunta? O que ela está fazendo aqui? Como pretendemos usar as respostas?’ A medida em que vão sendo realizados os testes e as revisões, é muito fácil perdermos a visão do propósito das questões, por isso a necessidade de termos sempre em mente estes questionamentos citados acima.

2.2.6.1 Questões Factuais

Questões factuais são aquelas que se baseiam em fatos, e, portanto, são consideradas mais fáceis de se projetar, do que questões que podem lidar com conhecimentos, motivos ou atitudes. Entretanto, muitas vezes, as questões factuais são usadas para abordar os problemas mais deselegantes ou desagradáveis para o pesquisador, pois se não forem bem explicadas podem implicar em alguns problemas. Considere, por exemplo, o uso da palavra comprar, se não for devidamente explicado como saberemos se: Inclui comprar para outros? Inclui comprar com cartão de crédito? Inclui comprar presentes?

Em vista deste e outros exemplos, vale ressaltar que quando escrevemos um questionário tendemos a esquecer quão restrita é nossa experiência, e achamos que o significado que conhecemos de uma palavra é o mesmo que todos conhecem. Assim, em alguns casos é importante apresentarmos definições e evitarmos qualquer desentendimento.

A seguir, citaremos alguns pontos importantes relacionados às questões factuais:

¾ Em geral, devemos dar preferência para questões curtas com no máximo 20 palavras, logicamente, precisamos ter cuidado para não sermos muito vago.

¾ Na utilização de lista ou múltipla escolha estamos sujeito a correr o risco de viés ordinal.

ª Por exemplo, se a pessoa for requisitada para responder a uma estimativa numérica há a tendência de se escolher algo em torno da média ou perto da média de uma série.

ª Numa lista de opiniões as alternativas do início e fim têm mais poder. ª Quando houver 2 alternativas há uma tendência em escolher a última.

Para resolver estes problemas podemos deixar grupos de entrevistados distintos com seqüências de alternativas diferentes.

¾ Evitar questões duplas e questões com dupla negativa. Por exemplo: ‘você tem tido dor de cabeça ou doença nos últimos dias? (uma resposta positiva estaria se referindo a dor de cabeça, doença ou ambos?)’; ‘você costumava não usar um shampoo não medicado? (qual o significado de uma resposta positiva?)’. Estes tipos de questões confusas devem ser evitados.

¾ Evitar questões hipotéticas, como perguntar aos entrevistados sobre seu futuro comportamento ou reação. Especialmente em se tratando de algo em que eles ainda não tiveram nenhuma experiência anterior.

¾ Para checar comportamentos periódicos é melhor usar questões fechadas e listagens do que questões abertas.

2.2.6.2 Algumas regras gerais para a elaboração das questões.

O projeto de um questionário é um processo criativo, derivado de grupos de discussões, entrevistas, brainstorms (técnica utilizada para levantar idéias sobre um assunto por meio de um grupo de pessoas), adaptações de outros questionários, contribuições da experiência dos pesquisadores, estudos pilotos e etc. Seria muito simples se pudéssemos com apenas algumas palavras escrever um conjunto de regras ou princípios que fossem suficientes para a elaboração de qualquer questionário. Além disso, muitos autores já tentaram e acabaram sendo muito óbvios ou apenas listando

pontos para serem evitados. Entretanto, existem algumas regras básicas que podem ser consideradas, como as apresentadas a seguir:

¾ Comprimento Î não pode ser muito longo. Não deve conter sentenças com mais de 20 palavras. Se for necessária uma sentença longa, então ela pode ser quebrada em outras menores, cada uma tratando de apenas um ou dois conceitos no máximo. Freqüentemente é útil apresentar uma frase introdutória, especialmente, no início de cada seção.

¾ Evite questões duplas. Por exemplo: ‘você possui moto ou bicicleta?’. Nestes casos o entrevistado pode querer dizer ‘sim’ apenas para uma parte da questão e ‘não’ para a outra e, se ele disser ‘sim’, nós não sabemos se ele está dizendo para ambas, ou apenas para uma parte da questão.

¾ Evite provérbios e outros ditados populares, especialmente quando estiver medindo atitudes, para cada dito tendemos a provocar um acordo inconsciente. Ao invés disso, tente fazer o entrevistado pensar sobre o assunto colocando em outras palavras.

¾ Evite dupla negativa. Por exemplo: ‘a cremação do morto não pode ser permitida’, seguida de concordo/não concordo. Neste caso, o desacordo pode criar dificuldades porque entrevistados que são a favor da cremação tem de se deparar com uma dupla negativa, ou seja, eles não concordam que a cremação não possa ser permitida. É melhor colocar esta frase de forma positiva.

¾ Categorias de respostas ‘Não sei’ e ‘Não aplicável’ podem ser muito importantes para questões de opiniões e para avaliar o conhecimento sobre determinado assunto. Por exemplo: ‘Você acha, de um modo geral, que o governo está fazendo um bom trabalho?’, uma resposta ‘não sei’ pode fazer sentido. Ou numa campanha de educação sanitária que trate de dengue, podemos querer saber quantas pessoas ouviram sobre isto e se elas sabem sobre como se prevenir.

¾ Use palavras simples, evite siglas, abreviações, gírias e termos técnicos ou, então, explique-os. Pessoas que não sabem o significado destes termos podem se sentir intimidadas e chutar as respostas ou fingir que sabem responder.

¾ Cuidado com os perigos das análises das alternativas. Algumas palavras podem ser interpretadas de forma errada, principalmente, se ela tiver significados diferentes em várias regiões.

¾ As questões fechadas poderiam ser criadas a partir das questões abertas por meio de estudos pilotos. É importante sempre considerar a categoria ‘outros’.

¾ Algumas palavras são notórias por sua ambigüidade e são melhores se forem evitadas ou definidas. Por exemplo, as palavras ‘você’ e ‘ter’: ‘você tem um carro?’ Neste caso, quem é ‘você’? O proprietário do carro, ou pode ser alguém que use o carro da família ou da firma? E se a pessoa tiver dois carros? Outras palavras ambíguas são: ‘família’, ‘comprar’ e ‘vizinho’.

¾ Cuidado com as questões que implicitamente assumem várias hipóteses, como por exemplo: ‘quando foi a última vez que você alugou uma fita de vídeo cassete?’. Isto assume que: a) todos os entrevistados tem acesso a um vídeo cassete; b) eles geralmente alugam fitas de vídeo cassete; c) isto não é feito por alguma outra pessoa conhecida.

¾ Cuidado com palavras pejorativas, como: democrático, preto, liberdade, saúde, natural, regular, desleal, moderno e etc. Pois tais palavras podem influenciar significativamente as respostas dos entrevistados, por exemplo, uma pessoa negra pode se sentir ofendida se a palavra "preto" estiver mal empregada no questionário, o que pode levá-la a recusar-se a participar da pesquisa. Por outro lado, alguém pode se sentir “forçado” a responder afirmativamente uma questão se ele contiver a palavra “democrático”, simplesmente, por achar que se ela disser “não” ela estaria sendo anti-democrática, como, por exemplo, “você é a favor da imposição da democracia pela força dos Estados Unidos no Iraque?”

¾ Não subestime a memória dos entrevistados. Para relembrar comportamentos é perigoso ir além de alguns dias. Para eventos importantes como grandes aquisições, períodos em hospitais, ou um assalto, o entrevistado tem que primeiro ser levado a relembrar alguns meses precedentes com o objetivo de ancorar datas como feriados, aniversário de familiar, feriados escolares, seguido por uma tentativa de colocar o evento em questão em uma estrutura de tempo.

¾ Dê a devida atenção aos detalhes, como: layout, direcionar a seqüência de resposta das questões, dar instruções, numeração das questões, etc.

2.2.6.3 Questões não factuais

Até agora temos dado grande ênfase às questões factuais. Contudo, é importante notarmos que existem outros tipos de questões, que possuem os seus próprios problemas de elaboração. Por exemplo, além das questões factuais, podemos citar as questões de crença ou opinião, de percepção ou consciência, de conhecimento, de medida de atitudes, bem como questões sobre estereótipos, representações sociais, e imagens marcantes. As questões factuais parecem ser as mais fáceis de serem projetadas; afinal de contas, elas são questões que requerem uma “resposta verdadeira”.

Estes outros tipos de questões tratam essencialmente de aspectos do estado da mente das pessoas e são, então, mais difíceis para se verificar e produzem resultados menos seguros. Eles são muito mais sensíveis a vieses lingüísticos, situacionais e outros. A distinção entre questões factuais e não factuais tem importantes implicações na construção do questionário. No caso de questões factuais nós podemos, freqüentemente, confiar que com poucas questões (sobre comportamento periódico, propriedade, participação média da massa, gastos familiares, e etc.) podemos conseguir a alcançar nosso objetivo. Uma atitude, percepção ou consciência é, entretanto, mais complexa e multifacetada do que um assunto factual, e então elas devem ser vistas por um número diferente de ângulos. Não há um meio externo de verificação das respostas e elas são geralmente muito mais sensíveis a viés por formulação, pela disposição das alternativas, condução, prestígio e efeitos contextuais. Por todos estes motivos, não convém confiarmos em apenas algumas questões quando tratarmos de assuntos não factuais, pelo contrário, precisamos desenvolver múltiplas questões.