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Considerações iniciais: conceitos de sonegação fiscal e inadimplência

No documento Direito tributário e livre concorrência (páginas 100-102)

3.2 ASPECTOS CONCRETOS DA RELAÇÃO ENTRE DIREITO TRIBUTÁRIO E

3.2.2 Sonegação fiscal/inadimplemento contumaz versus livre concorrência: o

3.2.2.1 Considerações iniciais: conceitos de sonegação fiscal e inadimplência

Preliminarmente à abordagem do tema, compete estabelecer, de forma específica, os conceitos de sonegação fiscal e inadimplemento contumaz, tendo em vista que essas expressões são utilizadas, frequentemente, sem obediência a critérios definidores.

É bastante comum ouvir falar em sonegação fiscal como o ato de dever tributos. Essa ideia não pode ser adotada em sua íntegra, porque o débito tributário pode decorrer de sonegação fiscal ou, ainda, de mero inadimplemento.

O mero inadimplemento do tributo consiste no ato do contribuinte que informa ao fisco o tributo devido, mas não procede ao seu pagamento, ou seja, torna-se inadimplente em relação ao valor devido. Observe-se que, nessa situação, o contribuinte não objetiva suprimir ou reduzir tributos, limitando-se apenas a deixar de efetuar o pagamento devido.

Já na sonegação fiscal, há a vontade deliberada do contribuinte no sentido de suprimir ou reduzir tributos. Desta forma, verifica-se a ocorrência da sonegação quando, visando a não pagar ou a pagar menos tributos, o contribuinte pratica condutas ilícitas.255

A diferenciação afigura-se mais evidente a partir do exemplo atinente ao valor devido a título de ICMS. Esse imposto possui lançamento por homologação, de sorte que o contribuinte declara o valor devido e espera pela chancela do Fisco, que atestará se o montante declarado está efetivamente correto.

Assim, se o contribuinte apresenta corretamente a Guia de Informação e Apuração – GIA - referente ao mês de incidência do ICMS, mas não procede ao

255

A prática da sonegação fiscal é crime previsto no artigo 1º e incisos da Lei 8.137/90:

Art. 1°. Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000)

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa à venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

respectivo pagamento daquele valor, estar-se-á diante de um caso de mero inadimplemento. Contudo, se o contribuinte deixa de apresentar a GIA correspondente às circulações de mercadorias que ocorreram em um determinando mês, ou a apresenta com valores a menor, estar-se-á diante de um caso de sonegação fiscal, o que, a par das medidas tributárias cabíveis, também deverá ser objeto de investigação na seara penal.

Essa distinção afigura-se necessária, pois o mero inadimplemento de uma empresa, via de regra, decorre de eventuais e momentâneas dificuldades financeiras, que a impedem de satisfazer a obrigação tributária. Essa situação não é apta a gerar desequilíbrios concorrenciais a favor do contribuinte inadimplente, tendo em vista, justamente, a sua tormentosa situação econômica.

Diversamente, a sonegação fiscal, via de regra, é fator de desequilíbrio concorrencial, pois essa forma de inadimplemento decorre de conduta volitiva do contribuinte, que, na imensa maioria das vezes, busca, por meio dessa prática ilícita, auferir vantagens econômicas que lhe proporcionem um desenvolvimento maior do que aquele atingido pelos demais concorrentes que atuam no seu segmento de mercado.

Logo, a distinção se justifica para que, com base nos princípios da neutralidade e da livre concorrência, o Estado possa atuar de forma diferenciada no combate à sonegação.256

O inadimplemento contumaz, por sua vez, é uma espécie de inadimplência tributária prolongada no tempo, muitas vezes planejada pelo contribuinte, que acaba por gerar efeitos nocivos à competição, não se confundindo com aquela inadimplência pontual e esporádica, fruto de dificuldades financeiras da empresa.257

Essa situação não se equivale à sonegação fiscal, pois o contribuinte declara o valor devido, mas deixa de efetuar qualquer pagamento. Em grande parte desses casos, a empresa permanece exercendo atividade, efetua gastos e transfere previamente seus bens a terceiro, frustrando eventual tentativa de cobrança judicial dos tributos devidos.

256

Existem outras justificativa para essa diferenciação, como, por exemplo, a responsabilidade dos sócios por débitos tributários. No caso de sonegação, o sócio-gerente que praticou a sonegação pode ser responsabilizado; já no caso de mero inadimplemento, o sócio não responde pelos débitos fiscais, consoante remansosa jurisprudência.

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LIMA, Ricardo Seibel de Freitas. Livre Concorrência e o Dever de Neutralidade Tributária. 2005. 143f. Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Faculdade de Direito, UFRGS, Porto Alegre, 2005. p. 106.

Como bem assevera Ricardo Seibel de Freitas Lima:

Essa espécie de conduta individual extrapola os limites da liberdade de iniciativa e da liberdade de concorrência, e não merece ser tutelada pela ordem jurídica, pois coloca o inadimplente em posição privilegiada em relação a seus concorrentes no mercado, já que, não onerado pela tributação, pode oferecer seu bem a custo substancialmente inferior ou auferir lucros injustificados.258259

Essa conduta, portanto, é apta a gerar efeitos nocivos à concorrência. Contudo, os casos de inadimplemento contumaz devem ser analisados de forma ainda mais criteriosa do que os casos de sonegação fiscal, no que pertine às possíveis medidas a serem adotadas no combate aos desequilíbrios concorrenciais que essa prática pode gerar. Isso porque, somente uma análise detalhada e cuidadosa poderá distinguir os casos de inadimplência contumaz que objetivam auferir vantagens concorrenciais, daqueles que se caracterizam como uma tentativa de escapar de uma crise financeira ou de evitar um processo falimentar.260

3.2.2.2 A sonegação fiscal e a inadimplência contumaz como fatores nocivos à livre

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