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Considerações iniciais

No documento alessandrabeloassissilva (páginas 62-64)

CAPÍTULO 2: A luta de classes nos tribunais: Reflexos das Mudanças no Processo

2.1 Considerações iniciais

Neste segundo momento iremos adentrar no espaço judicial e discutir as atuações de trabalhadores, patrões, seus respectivos advogados, bem como o comportamento do judiciário trabalhista nos dissídios individuais que versaram sobre a modernização nas empresas têxteis da cidade de Juiz de Fora nos anos 50, sobretudo na primeira metade da década.

Analisaremos aqui a modernização das fábricas têxteis na década de 50 na cidade de Juiz de Fora, identificada pela entrada de maquinaria, intensificação do trabalho e demissões consideradas injustas pelos operários. Nesses casos nos deparamos com duas situações: a primeira, clássica, que identifica a entrada de máquinas que levava ao desemprego e esbarrava na questão da demissão injusta de operários próximos a estabilidade como meio de garantir menores custos à empresa. Os operários acionavam a Justiça denunciando que estavam sendo demitidos com vista a não atingirem a estabilidade. Este é um caso excepcional, já citado neste trabalho, da Companhia Fiação e Tecelagem Industrial Mineira, que esmiuçaremos neste capítulo.

A segunda situação diz respeito à modernização que inclui entrada de máquinas e racionalização do processo de trabalho, que, por sua vez, levava às cortes trabalhistas um número significativo de trabalhadores de diversas empresas têxteis que não conseguiam atingir o salário mínimo e que para isso deveriam dar maior produção, intensificando o trabalho ou operando mais máquinas para atingi-lo, isto quando o conseguiam. Este é o caso de outras fábricas que se modernizaram, além da Industrial Mineira. Trata-se da Companhia Fiação e Tecelagem Santa Cruz, a antiga Companhia Fiação e Tecelagem Moraes Sarmento, comprada, posteriormente por um grupo paulista, passando a denominar-se Cotonifício Giorgi de Minas Gerais, e, possivelmente, parte da Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas.

Este último ponto, dos salários abaixo do mínimo, diz respeito também ao fato das empresas não obedecerem aos reajustes salariais decretados pelos governos Vargas e Juscelino Kubistchek. Vamos ver em seguida que o problema em se atingir o salário mínimo vai para além da introdução de maquinaria, embora ela enseje também esta situação.

De outro lado, verifica-se a presença de questões antigas, identificadas inclusive com a modernização nas fábricas da época da Revolução Industrial na Inglaterra, já explicitadas no primeiro capítulo, e no Brasil no inicio do século XX. Temas que passaram a existir desde o advento de fábricas e máquinas sofisticadas, mas que seguiam também a necessidade, própria da década de 1950 na cidade e no país, de desonerar a produção apesar da ineficácia de fios e rolos e dos defeitos nos panos, decorrentes da aceleração dos teares e do fato de operários terem que lidar com máquinas desgastadas e obsoletas. Os defeitos nos panos, fios e ou peças produzidas eram comuns nas fábricas têxteis e motivos de descontos salariais e suspensões por parte dos empregadores, que colocavam a culpa na ineficiência e/ou negligência operária. Em contrapartida, o trabalhador ia a Justiça alegando excesso de rigor, ou diferença salarial, na medida em que a culpa estava na qualidade dos fios, panos ou até mesmo na ineficácia da máquina/tear.

Assim, novamente surge, dentro dessas questões históricas evidenciadas desde o advento da máquina,o salário mínimo e a dificuldade em atingi-lo. Como afirmamos, a questão do salário mínimo passa tanto pela reestruturação que envolve renovação do maquinário, como pela exploração e intensificação do trabalho que não necessariamente estariam atreladas à introdução de equipamentos novos e automáticos naquele período. Emerge aqui, sobretudo, discussões sobre o salário do tarefeiro (salário por peça, segundo Marx, ou salário por tarefa, nos termos da legislação trabalhista brasileira) regulado pela CLT. O Artigo 78, que versa sobre o assunto, ainda foi discutido e complementado por outros dispositivos jurídicos, como uma Portaria que foi posteriormente revogada. Questões velhas e novas emergiam do contexto em que os trabalhadores, vendo seus direitos feridos, acionavam a Justiça do Trabalho através de dissídios individuais.

A necessidade de produzir em meio a alta demanda por produtividade, ainda na década de 1950, e, por outro lado, a necessidade de reduzir custos numa época em que a situação das empresas têxteis decaía frente à emergência de indústrias de bens intermediários e de capital no país, fazia com que os empregadores, deliberadamente, se aliassem à procura de meios de exploração menos custosos e infringissem a lei, recaindo o ônus sobre o trabalhador.

O que talvez possa ser considerado como uma originalidade deste trabalho está no fato de privilegiarmos (o que não significa se ater apenas a este assunto) a questão da modernização nas fábricas e os conflitos que ela engendra dentro das cortes trabalhistas.

Esta relação ainda não foi estudada como objeto central e principalmente, neste caso, às demissões e a intensificação do trabalho que engendrava. Apoiamo-nos em uma bibliografia para o Brasil, sobre este tema, que mesmo assim é um tanto escassa. E sabemos que ela aconteceu em certa medida, e acima de tudo, porque os processos, por mais filtros que contenham, são bastante elucidativos em comprovar esta realidade. Nós privilegiamos nos processos trabalhistas, a luta de classes e as posições do Judiciário nesses conflitos.

A metodologia de análise nos permitiu chegar a essa conclusão, primeiro pela ocorrência de casos semelhantes, isto é, pelo método da repetição de situações identificadas com a temática da modernização nas fábricas e de luta operária como contrapartida. Segundo, pelas perícias anexadas aos processos. Independente da posição do perito nas ações trabalhistas, que muitas vezes revela-se parcial, como veremos, as perícias técnicas e contábeis são minuciosas e precisas na identificação de fenômenos característicos de modernização nas fábricas estudadas. Isso nos permite afirmar que algumas fábricas na cidade passaram por este processo justamente na década de 1950, fato que pode ser atestado pela leitura detalhada de uma quantidade significativa de ações conjuntamente com o apoio da literatura pertinente, mesmo que esta última seja uma análise em nível macro como pudemos mostrar no primeiro capítulo.

Mesmo que em alguns casos tal processo não pareça ter ocorrido, ao menos não na intensidade do processo nas fábricas acima mencionadas, observam-se outros conflitos que também possuem como eixo a relação homem/máquina, no sentido macro, tal como nas situações analisadas por Marx, Braverman, Thompson etc.. É a partir dessas questões que busca-se um entendimento de como ocorreu a movimentação no âmbito do judiciário, isto é, como a instituição se comportou mediante a luta de classes, privilegiando sobretudo a luta dos operários juizforanos nessa conjuntura.

2.2. A modernização e as demissões: a estabilidade do trabalhador e o caso da

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