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Se supomos que o direito não passa de um meio pomposo e mistificador através do qual se registra e se executa o poder de classe, então não precisamos desperdiçar nosso trabalho estudando sua história e formas. Uma Lei seria muito semelhante a qualquer outra, e todas, do ponto de vista dos dominados, seriam Negras. O direito

importa, e é por isso que nos incomodamos com toda essa história (THOMPSON,

1987, p. 359).

Nesta Dissertação discutimos a relação entre os trabalhadores paraibanos e a Justiça do Trabalho durante os anos da ditadura do Estado Novo a partir do funcionamento da Junta de Conciliação e Julgamento de João Pessoa. Nessa relação, observamos a estrutura política do estilo de governo inaugurado em 1930, bem como suas implicações na vida dos trabalhadores e trabalhadoras imbuídos nesse cenário de permanente luta de classes.

Ao destacar o debate historiográfico entre os conceitos de populismo e trabalhismo, vimos que ambos, em muitos momentos convergem em suas análises acerca do estudo da relação que envolvia o Estado e os trabalhadores. Ou seja, se por um lado observamos trabalhadores conscientes de sua condição de classe, também pudemos notar a força do Estado e da dominação exercida sobre esses trabalhadores.

A historiografia brasileira, que foi paulatinamente adentrando nas análises sobre a trajetória da classe operária, vem recebendo uma crescente demanda de pesquisas que tratam a Justiça do Trabalho como importante ferramenta de pesquisa. O estudo específico em torno dessa justiça ganhou maiores contornos na década de 1980 e 1990, mudando as perspectivas e os números de Dissertações e Teses voltadas para o estudo da Justiça do Trabalho e da legislação trabalhista como um todo, ganhando em número e em abrangência, sendo discutidos variados temas que colocaram os trabalhadores como sujeitos históricos propensos a protagonizarem sua própria dinâmica.

Na historiografia paraibana os estudos acerca da relação dos trabalhadores com a Justiça do Trabalho também é crescente, sendo produzidos trabalhos monográficos, artigos científicos e dissertações tendo as mais variadas vertentes de análise como foco. Nesse sentido, os processos trabalhistas contribuem para a profusão de trabalhos voltados para as relações de trabalho com ênfase nos aspectos sociais e culturais, sendo analisados tanto os trabalhadores urbanos como os trabalhadores rurais. Outro enfoque é com relação à temporalidade, haja vista que variados recortes temporais são abarcados nas pesquisas, contudo, destacam-se trabalhos voltados para os anos das ditaduras do Estado Novo e Militar.

Dessa forma, a Junta de Conciliação e Julgamento de João Pessoa nos possibilitou a problematização de mais de 500 processos trabalhistas oriundos daquele espaço jurídico com

relação aos anos da ditadura varguista do Estado Novo. As análises desses processos, seus dados mais particulares, possibilitaram a arregimentação do cenário de uma instituição pensada segundo uma lógica de dominação capitalista que serviu também como forma do operariado pleitear direitos. Nos processos trabalhistas, vimos que trabalhadores e empregadores iam até as últimas instâncias para confirmarem suas reivindicações. Notório também a função do Estado em mediar essa relação, confirmando, via Justiça do Trabalho, dentre várias outras instituições, a dominação da classe burguesa; por outro lado, concedia aos trabalhadores a oportunidade de buscarem direitos.

Nos periódicos, vimos os interesses de classe por trás das mais diferentes publicações, sejam nos jornais maiores, A União e A Imprensa, seja nos menores, oriundos de Campina Grande ou do sertão do estado. Se alguns jornais utilizavam suas páginas para enaltecerem o Estado Novo e seus líderes, Ruy Carneiro em âmbito local, e Getúlio Vargas em âmbito nacional, outros mantinham estratégias opostas, principalmente por terem interesses políticos antagônicos dentro do contexto da organização política estadual.

Os processos trabalhistas mostraram-nos a força repressiva do Estado, o poder dominador da burguesia, seja nos casos envolvendo as “clamorosas injustas”, nos exemplos dos processos referentes aos acidentes e doenças de trabalho, ou ainda naqueles marcados pela árdua luta dos trabalhadores em conseguirem seus direitos, que em grande medida eram dificultados pelos empregadores. Vimos como os patrões utilizaram a Justiça do Trabalho com forma de perpetuarem seus privilégios frente ao operariado, produzindo Inquéritos Administrativos que buscavam conseguir diminuir ou anular os direitos dos trabalhadores contidos na legislação trabalhista.

Sendo o Direito uma ferramenta fundamental do capitalismo, vimos como em vários processos o empresariado mostrava suas facetas aos operários, dificultando a resolução dos conflitos, além de, em vários momentos, expor o caráter explorador da lógica do capital, fazendo dos operários simples objetos, mercadorias prontas para serem negociadas, mesmo que isso valesse sua saúde, e até a sua vida. Contudo, nos processos, também observamos como os trabalhadores souberam utilizar-se dessa justiça como forma de diminuir a exploração capitalista, reivindicando para si aquilo resguardado pela legislação trabalhista

A Reforma Trabalhista de 2017 modificou a base da CLT de 1943, que, como vimos nos processos trabalhistas e nas manchetes dos jornais, essa legislação do trabalho, em vários momentos tida como presente de Getúlio Vargas aos trabalhadores brasileiros, se constituía quase que inquestionável aos olhos dos trabalhadores brasileiros, como sendo um dos maiores bens do operariado, por garantir a estes, mesmo que numa relação desigual e capitaneada por

um Estado capitalista, seus direitos. Dessa forma, se a Justiça do Trabalho fazia parte de um projeto político voltado para a desmobilização da classe trabalhadora, diminuindo consideravelmente as possibilidades de uma superação desse modelo, foi também uma instituição na qual os trabalhadores sentiam-se representados por “garantir” a execução das leis do trabalho, leis amplamente reivindicadas nos primeiros anos do século XX.

A relevância da Justiça do Trabalho no cotidiano dos trabalhadores brasileiros continua forte, se durante o Estado Novo essa justiça tomou grandes proporções, os mais de 70 anos que nos separam daquele período mostram-nos que a Justiça do Trabalho (vinculada ao judiciário em 1946) é buscada pelo operariado nacional com uma freqüência crescente, ainda mais depois da Contrarreforma Trabalhista de 2017 que desamparou milhões de trabalhadores.

Dessa forma, concluímos que a partir da pesquisa documental nos processos da Junta de Conciliação e Julgamento de João Pessoa (TRT-13), dos jornais, privados e do Estado, dos documentos do Governo do Estado e da documentação produzida pelo Ministério do Trabalho, que a relação do operariado paraibano com o Estado era marcada por intensa luta de classes. A Justiça do Trabalho, nesse sentido, estava inserida no contexto capitalista de dominação de classe, tendo o Estado como instrumentalizador dessa relação que buscava a dominação do operariado frente a perpetuação dos privilégios de uma burguesia industrial crescente. Contudo, esse espaço de luta também foi usado pelos trabalhadores como fonte de obtenção de direitos, entendendo que, para o contexto de ditadura vigente naqueles anos, a possibilidade de requerer direitos trabalhistas, via Justiça do Trabalho, se configurava enquanto um campo aberto a conquistas trabalhistas do operário paraibano.

Dessa maneira, entendemos que a dominação exercida pelo Estado e pela burguesia industrial associada às formas de resistência e de consciência de classe dos trabalhadores, insere-se no amplo campo de estudos de base marxista, voltada para a história social do trabalho com o diálogo entre as teorias do trabalhismo e do populismo na historiografia nacional. Assim, este estudo pretendeu contribuir para a historiografia de base materialista histórica que tem no operariado um dos sujeitos históricos de suas análises, e mais ainda, que procura entender a relação dos trabalhadores, do Estado, do Capitalismo e do Direito enquanto intrinsecamente concatenados. Dessa forma, autores dessa tradição - E. P. Thompson, Eviguiéne Pachukanis, Bernard Edelman, Antonio Gramsci, Friedrich Engels, Karl Kautsky, Karl Marx, Alysson Mascaro - contribuíram para entendermos as ligações entre essas relações, possibilitando a contínua produção acadêmica acerca da história dos

trabalhadores e de instituições como a Justiça do Trabalho, que produzem bases sólidas para o entendimento dessa dinâmica sempre em transformação.