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Este trabalho teve como principal objetivo a edição semidiplomática do Plano

Sobre a Civilização dos Índios do Brasil. Por se tratar de um documento importante

sobre a história do português no Brasil e, sobretudo, da Bahia, criaram-se expectativas que foram cumpridas no que tange aos aspectos sócio-históricos da língua portuguesa e às políticas linguísticas, aquando da reforma Pombalina. Inicialmente, a dificuldade em identificar os vários traços para uma mesma letra foi motivo de aflição, bem como a questão da separação vocabular. No entanto, o trabalho cotidiano desenvolveu a habilidade necessária.

Após a finalização da edição, percebemos que alcançamos a nossa pretensão central e que este material pode estar disponível para outras pesquisas e para diversos fins, conforme defendido nos primeiros capítulos, e isso torna perceptível a validade de um trabalho de pesquisa. A importância de um trabalho com transcrições fidedignas para a descrição dos fatos da língua surge da necessidade, conforme afirma Auerbach (1972, p. 11), de salvar as obras que se constituem como patrimônio cultural de um povo de alta civilização “do olvido como também das alterações, mutilações e adições que o uso popular ou desleixo dos copistas nelas introduziriam necessariamente”.

Para além de contribuir com dados sócio-históricos sobre a língua portuguesa no século XVIII, também procuramos fornecer informações sobre a questão da sociedade indígena num período que tanto lhes custou e também sobre a educação na colônia nesse período. Como observamos, o novo modelo proposto por Pombal era inspirado nos ideais iluministas e visavam uma profunda reforma educacional. Assim, a metodologia eclesiástica dos jesuítas foi substituída pela pedagogia da escola pública e laica; criação de cargos como o de escrivães-diretores e introdução de aulas régias.

Porém, a falta de um novo projeto educacional provocou consequências graves, uma vez que as escolas com cursos graduados e sistematizados foram introduzidas apenas em 1776. Tal situação é ilustrada pelo próprio Barreto, ao afirmar que, naquele período, a educação dos índios da Bahia estava nas mãos de pessoas poucos instruídas para tal. Para além do contexto de grande diversidade linguística, a situação agrava-se ainda mais quando consideramos que o professor, o mediador de um ensino que estava

77 sendo obrigatório na colônia e que ainda nem existia como profissão, emergiu de médicos, engenheiros e militares. Ocupar o posto de alguém responsável pelo ensino, obviamente, era significativo no seio da elite brasileira, mas o período de indefinição da profissão foi longo e a demanda era pouco expressiva, correspondendo à classe média.

Além da edição e do estudo sócio-histórico, teve-se a preocupação em proporcionar, com os recursos disponíveis, uma análise dos aspectos paleográficos e identificáveis do manuscrito. Em função dos limites temporais e estruturais da pesquisa, não nos foi possível editar documentos exógenos ao Plano, bem como suas outras versões, nem levantar um glossário de abreviaturas, questões que poderão ser retomadas posteriormente.

Embora o texto não tenha sido escrito por um índio, mas por um militar defensor da Coroa, podemos observar, a vontade dos índios – nomeadamente bravos – em sua insubserviência que, como ilustra o próprio autor, ocosionou várias guerras e, por consequência, genocídios. No entanto, isso não impediu que se formasse uma língua

geral naquela região, diferente do que se acreditava anteriormente. Barreto faz inúmeras

referências a essa língua geral e, no seu método, tal qual fizeram os jesuítas, estimula o seu uso na instrução dos índios e, só posteriormente, a língua portuguesa.

O projeto de Barreto, provavelmente não foi o único enviado à Rainha D. Maria I, de Portugal, no fim do século XVIII, com objetivo a adoção de uma postura mais dura diante das comunidades indígenas que resistiam e que viviam nos sertões, zonas de pretensa riqueza mineral, ou que ocupavam territórios de interesses particulares. Como resultado das pressões da colônia, há a decretação da Carta Régia de 12 de maio de 1798 (dois anos antes do envio do Plano de Domingos ao Bispo de Beja), que aboliu finalmente o Diretório Pombalino, “suprimindo o cargo de Diretor de Aldeia e o direito do índio vender livremente sua força de trabalho”. Dessa forma, restringiu-se a liberdade do indígena, incentivando-se os descimentos e a imposição do trabalho compulsório.

Com a queda de Pombal, em 1787, e o fim do Diretório dos Índios, em 1798, as relações de trabalho dos índios foram modificadas, de modo que ressurge, novamente, a centralidade da religião e a exigência de um tratamento mais direto e fiscalizador por parte da Coroa. Portanto, o Plano de Barreto emerge como uma das várias alternativas no tratamento das questões indígenas; é justamente nesse vácuo legal que emergem

78 esses e tantos planos de civilização, em decorrência de uma profunda instabilidade da época, refletida na educação dos índios.

Em suma, a busca de dados que possam subsidiar o estudo sobre a atuação do índio na sociedade e na formação do português brasileiro e a questão das políticas linguísticas, antes e depois da reforma pombalina é cada vez mais necessária. Portanto, acreditamos que as informações aqui contidas possam contribuir com futuras pesquisas, tanto linguísticas como histórico-sociais, sobre a atuação dos índios numa sociedade complexa que, nas palavras de Darcy Ribeiro, foi “lavada em sangue negro e sangue índio”.

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