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O caráter impositivo da obra, tanto em sua fase de concepção, como na de execução é importante de ser levado em conta. Na fase de concepção, a ideia não é fruto de uma demanda identificada, mas, ao contrário, uma vez concebida, serve de mote para a identificação de uma demanda. As pesquisas foram feitas baseadas numa ideia pré-concebida de projeto, em lugar de serem feitas procurando identificar os interesses genuínos de deslocamento das pessoas, e a forma mais eficaz de atendê-los. Outro ponto que evidencia seu caráter impositivo é o prosseguimento das obras apesar de toda a identificação de problemas, como a relação entre o poder público e os moradores atingidos, e irregularidades, relativos à desconsideração de condições legalmente reconhecidas, como a aplicabilidade da usucapião para as famílias residentes nas comunidades, e a necessidade de um estudo de impacto aceitável para que a obra tivesse início.

Ela começa à revelia de todos os problemas encontrados. As falhas identificadas em dezembro de 2011 não impediram o processo licitatório de seguir em frente, levando à contratação do primeiro consórcio em fevereiro de 2012, estimando-se que as obras seriam iniciadas em abril, prazo estipulado, e descumprido, apontando para a necessidade de apresentação de novo estudo. Mesmo com o descumprimento desse prazo, há relutância por parte do TCE, inicialmente, de paralisar as obras, que mal tinham começado. A falta de estudos concretos leva, de início, apenas à aplicação de multas e estipulação de um prazo diferente. O que se percebe é que existe toda uma preocupação com o prosseguimento da obra, que corre em paralelo com fases que deveriam antecedê-la e alicerçá-la, como os estudos por demanda, a apresentação de um EIA-Rima sólido, e um plano de reassentamento para as famílias atingidas.

Chama a atenção, ainda, a postura do poder público em relação às compensações às famílias atingidas. O Governo do Estado é tido por seus representantes como “magnânimo” por oferecer alternativas às famílias, alegando que os terrenos foram “invadidos”, mesmo que isso esteja previsto na Lei Orgânica do Municípios, e tais alternativas não se baseiem integralmente no que está determinado pela Lei Orgânica do Município.

O cuidado do Governo em preservar a agilidade da obra, enquanto coloca a provisão habitacional das famílias atingidas não como uma parte significativa do empreendimento, mas como um favor demonstram a visão do poder público sobre as famílias e sobre a legitimidade da sua presença nos terrenos, deixando clara a necessidade de resistência, uma vez que o

direito de permanência das famílias ou uma compensação justa pela desapropriação não foi considerada como uma tarefa obrigatória do poder público.

2 PARA O ENTORNO E PARA AS FAMÍLIAS: OS IMPACTOS EM SUAS DIFERENTES

DIMENSÕES

Neste capítulo, busca-se resgatar a história de como se deu a interação entre as famílias e as instituições responsáveis pela obra do VLT, no contexto de pressões, de remoções, de resistências e de seus impactos, tanto para os moradores como para o entorno. Após a explanação de como se organizam os arranjos institucionais, tratados no capítulo anterior, o que se busca abordar, inicialmente, são as relações sociais acontecendo a partir de pressões do estado (tendo como impulsionador, conforme já visto, o setor privado), e de empresas por ele contratadas; e as resistências que aconteceram como resposta, as quais propiciaram uma evolução tanto no tratamento dispensado às comunidades como nas propostas de benefícios oferecidas pelo governo. Como veremos, mesmo esta evolução não evitou que impactos graves se instaurassem, prejudicando a vida das famílias que – ou por ainda não terem iniciado a negociação à época das entrevistas realizadas com moradores, ou por se encontrarem fora do polígono de remoção – continuavam morando nos mesmos locais, vivendo em condições consideráveis de vulnerabilidade.

Em seguida, é feita uma apresentação das transformações que ocorreram na valorização imobiliária do entorno, considerando-se a dinâmica do mercado de imóveis na área, de modo a compreender o impacto da obra para a cidade formal.

Para alcançar os objetivos do capítulo, além do levantamento de notícias publicadas acerca da remoção, da revisão bibliográfica de temas que envolvem os assuntos tratados, e de um comparativo a dois casos de remoção forçadas nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, foi feita ainda a revisão do processo que corre na justiça, relativo às remoções em função da obra. Diante da constante mudança no número de famílias atingidas, é estudado ainda o polígono georreferenciado da obra - que teve três versões, tanto por conta da redução do número de moradias atingidas como pelas alterações no projeto - sobreposto à malha de lotes da Secretaria Municipal de Finanças de Fortaleza. E, a isso, soma-se o que talvez seja o elemento mais importante desta busca: os relatos de moradores de 15 das 17 comunidades atingidas21, sendo abordados em especial os impactos causados e a resistência promovida

pelas famílias. No contexto do impacto para o entorno, foram levantados e analisados os dados do ITBI obtidos junto à Secretaria de Finanças da Prefeitura Municipal de Fortaleza, bem como de novos empreendimentos, e de vazios ainda disponíveis dentro da área de

21Na comunidade Travessa Livino de Carvalho, não foi encontrado nenhum morador disposto a ceder entrevista. A comunidade Jagatá, quando visitada, já havia sido removida, segundo moradores do entorno, de forma violenta.

influência da obra.